domingo, 27 de março de 2011

Escrita do corpo: uma questão epistemofílica

A fome e a vontade de comer. A alimentação necessita da mastigação. Agressividade e agressão residem e se diferenciam em nossos hábitos desde pequenos.

A mulher amorosa. O homem agressivo. Mulher mimada. Homem sai de casa. Homens mimados e mulheres que saem de casa? Violência secundária patógena. Agressão mascarada. Tanto a indiferença como o rechaço contribuem para mais violência.

Como expulsar os mandatos dos papéis masculinos e femininos e nos autorizar a conhecer? Quem de nós não foi agredido quando criança? Coisas do inconsciente coletivo ou do poder simbólico.

As mulheres assistem. Os homens perguntam. Curioso é o cientista, inteligente, perspicaz. Curiosa é a fofoqueira, intrometida, intrigueira. E os homens apresentam mais dificuldade de aprendizagem. O modelo de bom aluno parece se ajustar mais às mulheres.

Quem pergunta? Aquele que contraria, contradiz, discute, retruca. Segundo Alicia Fernandez (2001, p.121), “perguntar, questionar e mostrar o que se passa requer um quantum de agressividade e um projeto identificatório”.

- Qual o modelo interno que cada professor tem do bom aluno? O que aprende, investiga e resolve problemas ou aquele que aprendeu a ser obediente, submisso e passivo – mas, qual é o mais valorizado na práxis?

Agressividade, aprendizagem e criatividade estão relacionadas. Pulsão criativa vem do inconformismo com a realidade. Desejos incontestes. O que move o aluno a aprender? O que move a aluna? Qual o papel representado?

A atuação agressiva não pode impedir a gestação de um espaço de pensamento. Eu tenho paixão por aprender, e isto quer dizer que adoro fazer perguntas. Sou agressiva ou sou poeta? Necessito de espaços de respiração. Fruição.

Com Freud, nos estudos psicopedagógicos, descobri a palavra epistemofílica e entendi melhor a pulsão epistemofílica, ou seja, a busca prazerosa pelo conhecimento, assim pequenina aos poucos fui me diferenciando de alguns colegas na escola. Eu gostava da escola.

Repito aqui palavras de Georges Snyders (1988): “você não estuda na escola, não pode imaginar de que satisfação está se privando” (p.12). Mais ousadia é dizer ainda com ele e como ele: “na escola, trata-se de conhecer alegrias diferentes que as da vida diária; coisas que sacodem, interpelam, a partir do que os alunos mudarão algo em sua vida, darão um novo sentido a ela, darão um sentido a sua vida. Se é preciso entrar na classe, é porque, no pátio, vocês não atingem o grau mais elevado de liberdade, nem de alegria” (p.14). Sublime. A leitura e o conhecimento nos fazem viajar e propor novas alegrias.

Assim entendo a escrita, que deve ter sentido para aquele que escreve assim como para quem a lê. Ambos buscam o significado, o substantivo, a ação, o encontro, o desencontro, novos caminhos.

O que favorece a curiosidade epistemofílica? Também me lembrei do filme “Sociedade dos Poetas Mortos”, do diretor Peter Weir, e da palavra “carpe diem”. O ócio criativo. As alegrias culturais. Da energia agressiva a nos tirar do lugar, a nos inquietar e no tempo de busca recriar o mundo, reinventar-se nele, fazer as coisas a partir do estado de espírito, dos corpos que se relacionam, dos objetos e seus novos significados. Suavizar as linhas tensionais. Mudar o hábito. Mudar o pensamento. Só sei que nada sei. Aproveite o dia!

Desde que assisti pela primeira vez a esse filme, no início da década de 90, fiz anotações de algumas falas importantes e do diálogo do professor com seus alunos a subir nas cadeiras com ele. Transgressão?

Diz o professor apaixonado que faz com que seus alunos possam criar seus versos e a vida tenha mais sentido, sentidos que dão alicerce à alma e que não pode ser pequena:

- Oh! Capitão, meu capitão! Walt Withman escreveu em homenagem a Abraham Lincoln. É assim que eu quero que vocês me chamem.

...CARPE DIEM, gozem o seu dia, juntem os botões de rosa enquanto estão vivos, um dia todos morreremos. Aproveitem a vida, tornem-na extraordinária!

...Isto é uma barricada, uma guerra. Exponham seu coração! A guerra é um ato acadêmico, medindo a poesia, nada de métodos.

...Na minha aula vocês vão aprender a pensar por vocês, não importa o que as pessoas digam, palavras e idéias não mudam o mundo!!

...Tenho um segredo para contar a vocês! Aproximem-se:

- Não escrevemos poesias porque é bonitinho; lemos e escrevemos poesias porque somos parte da raça humana e a raça humana é repleta de paixão. E medicina, direito, engenharia e administração tem outro objetivo: o de sustentar a vida. Mas, a poesia, a beleza, o romance, o amor é para o que vivemos, para entender Withman ou a mim. A vida pergunta como acontecem cargas de fracassos, cidades cheias de bobos. A resposta é que vocês estão aqui. Que a vida e vocês existem. Que o poder do jogo continua e vocês estão nele. Que o poder continua e vocês podem contribuir com um verso.

- Qual seria o seu verso?

Encontro de novo em Snyders, a combinatória semântica, “minha escola: uma alegria que brota de um encontro com as obras de arte, desde os grandes poemas de amor até as realizações científicas e técnicas, de uma tensão em direção aos mais realizados sucessos humanos, de uma participação, de um certo modo de participação nos movimentos organizados pelo que os homens se esforçaram para progredir em seus estilos de vida. Gostar de um texto, compreender como funciona o motor, apreender o que é capitalismo, o socialismo, o Terceiro Mundo... começar pelo menos a apreendê-lo, na aproximação, mas também as sementes da realidade de que cada idade e cada aquisição anterior permitem; agir a partir dessas aquisições fortificando-as pela ação, enraizando-as na ação. Alunos que vivem no nível dos ideais, dos valores”.

Paul Éluard, por Pablo Picasso (1941)
"o poeta da liberdade"
Também, a escola me conquista porque sei que “não é preciso de tudo para fazer um mundo. É preciso felicidade e nada mais” (Paul Éluard, 1895-1952).

Ser crítico ou opositor não é ser alegre e gentil? Uma coisa é a agressividade (violência primária necessária, criativa, facilitadora) e outra é a agressão (violência secundária patógena, destruidora, aniquilante).

O bullying é um problema atual, e de outros tempos, problemas que se acumulam naqueles que não conseguem lidar com a agressividade, arrefeceram diante do conhecimento, não conseguiram ser feliz na escola, sem força para reverberar a violência, ou seja, deixar o feixe de luz passar por entre nebulosas. O agressor procura vítimas fáceis, que não reagem a seu modo, surpreendem-se com outras formas mais inteligentes de operar. Mais humanas e solidárias. A alegria precisa reverberar na escola. O agressor pode voltar a ser feliz.

Quero a rosa mais linda que houver, a primeira estrela que vier, a paz de criança dormindo, as flores se abrindo, a alegria do barco voltando, a ternura de mãos se encontrando” (Dolores Duran).

Referências
FERNÁNDEZ, Alicia. A agressividade: qual o teu papel na aprendizagem? In: GROSSI, Esther. Paixão de aprender. Petrópolis, RJ: Vozes, 1992. (p. 168-180).
FERNÁNDEZ, Alicia. A agressividade e a aprendizagem. In: ____ A mulher escondida na professora: uma leitura psicopedagógica do ser mulher, da corporalidade e da aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2001.
SNYDERS, Georges. A alegria na escola. São Paulo: Manole, 1988.

sábado, 26 de março de 2011

Pré-história da linguagem escrita: aportes psicopedagógicos

"Ensinar o que não se sabe" - é o outro nome da pesquisa, como nos diz Barthes (1979, p. 45) tranquilamente, a incluir a lição do desaprender, da humildade que nos faz aprender mais. Aprendi outras palavras importantes também, com Luria e Vygostsky, sobre a questão de que não se ensina a linguagem escrita. Damos mais ênfase ao ensinar crianças a desenhar letras e a construir palavras com elas. Porém, o aprendizado da escrita é um processo complexo que é iniciado na criança “muito antes da primeira vez que o professor coloca um lápis em sua mão e mostra como formar letras”. (Luria, 2006, p.143).


Com Paulo Freire me aproximei do significado da "palavramundo" e com Luria compreendi a palavra como unidade fundamental da linguagem. A palavra está repleta de significados para a criança que aprende a ler o mundo a partir dos corpos relacionais de seu meio e aí nele se inscreve. Luria (1986), ensina que a palavra individualiza os objetos e os reúne em determinadas categorias, que designa ações e relações entre as coisas. Assim a "palavra codifica nossa experiência" (p.27), por isso também vale a pena compartilhar saberes com as crianças, entre elas e a partir das palavras e outras próprias do grupo delas.


Quis trazer aqui um pouquinho desses corpos relacionais cujas inscrições cooperam na expressividade e fluência escrita. É assim que acostumei a aprender e continuo aprendendo com as crianças. O material em slide, logo abaixo, foi preparado com carinho e utilizado durante o processo de formação continuada em nossa escola. Sinta-se à vontade se quiser contar um pouquinho de suas experiências de leitor de mundo que também aprende a desaprender. É só apresentar o link que vamos lá.


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Pré história da linguagem escrita
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Ensinamos o que queremos ensinar. O aluno aprende o que quer aprender. Como se dá a comunicação? Revisitando Sócrates aprendemos o sentido da polifonia, pois, "a verdade não está com os homens, mas entre os homens".


Estamos relacionados e enredados na palavramundo que se estende nas redes de comunicação. Fecho aqui com a colocação de Vygotsky (2001, p. 486): "A consciência é refletida na palavra tal como o sol se reflete numa gota de água. A palavra está para a consciência assim como o pequeno mundo está para o grande mundo, como a célula viva está para o organismo, como o átomo está para o cosmos. A palavra é o pequeno mundo da consciência. A palavra consciente é o microcosmos da consciência 'humana'.


Referências
BARTHES, Roland. Aula. Trad. Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Cultrix, 1979.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 22 ed. São Paulo: Cortez, 1988.
LURIA, Alexandr Romanovich.  Pensamento  e  linguagem:  as últimas conferências de Luria. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.
LURIA, A. R. O desenvolvimento da escrita na criança. In: VIGOTSKII, Lev Semenovich; LURIA, Alexander  Romanovich; LEONTIEV, Alexis N.  Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 10 ed. São Paulo: Ícone, 2006. (p. 143-189).
VYGOTSKY, Lev S. A construção do pensamento e da linguagem. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Redes ambientais: pesca cuidadosa saúde planetária

Ciência com Consciência. Arte e Vida. 
Paladar, sabor, fusão de várias sensações.
Desafios ao mapa da língua. 


Tem algo errado aí e é preciso saber escolher...
- Comemos às cegas?


A Revista Science e a Fundação Nacional da Ciência (USA) premiam imagens científicas ano a ano. Escolhi esta imagem acima do sanduíche de "água viva" para mexer com nosso saber-sabor-consciência, ou melhor, termos mais prazer em nos nutrir de saberes e sem culpa. Dá p'ra combinar?


Atividades humanas danosas dizimam os grandes predadores naturais de águas-vivas como a anchova, as tartarugas marinhas e as focas, e favorecem o crescimento desordenado delas. Tal impacto ambiental, impulsionado pelo comportamento humano, avista derrubadas de falésias, alterações climáticas na Terra, ventos fortes, águas caudalosas e revoltas...


À beira-rio, praias de mar ou de rio-mar, como os do Pará, banhistas ficam curiosos ou envoltos pelo pânico de serem queimados por elas: as medusas. Algumas iniciativas nos fazem aplaudir, como é o caso da professora Daniela Torres, de Bragança (PA) que registra atitudes solidárias a esses bichinhos gelatinosos, e que você mesmo pode conferir sua história clicando na imagem abaixo.


Como trabalhamos em escolas situadas em ilhas bem próximas a outras ilhas, e nessa imensidão de águas e continentes, percebemos a urgência de cuidados com releituras da biodiversidade ribeirinha e a sustentabilidade ambiental a ser garantida pelos processos educativos. Em meio a atividade pesqueira, de praia ou turismo não são poucos os testemunhos às tantas contradições humanas em diferentes hábitos.


Nesse complexo se situam as aprendizagens. A escola como agente fundamental de educação e, em especial, o educador ambiental que, como mediador e tradutor de mundos, fomenta e aprende junto a concertar ou problematizar, de forma reconstrutiva, a realidade e o contexto social a partir do lugar onde o alunado se encontra. Reinventar o cotidiano do "agir local e pensar global". A nossa escola construída em um bosque respira Educação Ambiental, assim rediscute e revigora a experiência humana de estar no mundo.


Os impactos ambientais nos denunciam, nos traduzem e por isso estão a exigir novas formas de pensar. O físico David Bohm nos alerta aos desvarios do pensamento fragmentário que interfere em nosso modo de olhar, pensar e agir e só nos leva à destruição. Incluo aí o sentir. Para ele tanto "na ciência, como na arte, é necessário tomar em consideração o aparecimento de novas ordens generativas, que ultrapassam o conteúdo individual para abranger toda a experiência cultural comum". Não vivemos sozinhos.


Somos sujeitos ecológicos capazes de fomentar "sensibilidades afetivas e capacidades cognitivas para uma leitura do mundo do ponto de vista ambiental(Carvalho, 2008, p. 79), e desta forma movimentarmos, na escola, os processos de aprendizagem, na perspectiva do letramento múltiplo, mediando os significados do saber no mundo atual e nos contextos onde foram produzidos, aguçando novas sensibilidades e posturas éticas diante do mundo.


Referência:
BOHM, David. Totalidade e ordem implicada: uma nova percepção de realidade. Trad. Campos Silva. 12 ed. São Paulo: Cultrix, 2001.
CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação ambiental: a formação do sujeito ecológico. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2008.


Para conhecer sobre a imagem do hamburger e as outras imagens premiadas, clique aqui: http://laizek.com/2010/02/concurso-americano-premia-imagens-cientificas/

segunda-feira, 21 de março de 2011

BBB fascina nativos digitais: tecnologia humana e contraponto pedagógico

Brincadeiras. Coisas de crianças ou jovens. Tornam-se cada vez mais sérias. Por que estamos assim hoje? O fio se alonga na história... A internet hoje é um espaço por excelência da exploração da identidade, além de ser um meio de socialização. Cada vez mais adolescentes aderem às redes sociais a fim de difundir cotidianos e sonhar melhor. Torna-se urgente a revisão de segurança, acompanhamento de educadores e atitudes de formação/informação. Maus-tratos atravessam a rede, cotidianos e os sonhos.


Chega a ser perversa a resistência pedagógica contra a cegueira de que o fenômeno bullying existe, persiste, como se torna banal, também, a queixa da indisciplina, da evasão, da retenção escolar, da pobreza, da situação da escola pública. Trivialidades na pauta das justificativas que permeiam diferentes estágios do período letivo a emperrar o trabalho ou o desenvolvimento pedagógico. Qual é a proposta?

Informação e prevenção se fazem necessárias no interior da escola. Assim como atitudes pedagógicas inteligentes, humanas e solidárias. Tolerância e ações cordatas a favor das alegrias culturais e escolares. Adjetivações pejorativas, omissões ou descasos, são atitudes que tornam a escola refém da violência escolar, por isso nada inteligentes. É preciso fazer a diferença na ação pedagógica.

Movimento contra maus-tratos presenciais ou virtuais requer compromisso ético daqueles que imediatamente se relacionam com estudantes, logo se considera como ação preventiva, a conscientização da família e de toda comunidade escolar. Cuidar das aprendizagens.

Se a tecnologia humaniza, a escola discute contraponto ético pedagógico. Boa lógica a exigir bons argumentos da comunidade escolar que empunha a bandeira da promoção da leitura como fonte de prazer e de conhecimento. É a leitura em suas interfaces pedagógicas e tecnológicas. O desafio da linguagem neste século é diminuir a distância entre nativos e imigrantes. E o desafio docente é ter nascido imigrante e tornar-se nativo.

Nativos digitais refere-se à nova geração que nasceu respirando tecnologia, logo após os anos 80, diferente da maioria dos adultos de hoje, que somos imigrantes digitais, sejamos pais ou mães, tios ou avós, professores ou professoras, amigos solidários, espectadores ou pacificadores.

Conscientização chama atitude, trabalho pedagógico sério e urgente até porque se espalham “os maus-tratos virtuais [que] são modalidades novas, bem mais requintadas do que as utilizadas no passado. As ferramentas disponíveis na internet, especialmente o Orkut, as minicâmeras fotográficas, os celulares com câmeras fotográficas e filmadoras, possibilitam aos praticantes o anonimato, uma vez que sua identidade e imagem não são expostas” (Fante; Pedra, 2008, p.63-4). Qual a motivação dos maus-tratos?

Como testemunhos de maus-tratos recebidos e recentes é o caso do adolescente de 15 anos que revidou a agressão de outro estudante (Richard Gale), de 12 anos, no pátio da escola. Vale a pena parar para assistir a entrevista e conhecer a história de Casey Heynes, repensar atitudes pedagógicas de informação e prevenção como fortalecimento de projetos inteligentes e solidários. Campanhas anti-bullying merecem atenção mundial.

A irmã de Casey foi responsável pelo ganho de sua auto-estima contra constantes agressões, intimidações e assédios sofridos frequentemente há três anos e desde pequeno quando estava no 2o. ano do Ensino Fundamental. O pai não tinha ideia do sofrimento do filho. E a história do agressor, qual é? A dor da batida no tornozelo ou o arranhão no joelho ajudarão no processo de cura? Conhece alguém como Richard Gale? Depois da repercussão, em sua defesa, afirma ter sido agredido antes. Sua própria mãe disse que ninguém deveria se machucar mais com a história e que Richard irá pedir perdão a Casey.



Todos necessitamos amar. Quem cuida do agressor?
Poucos que protagonizam a “vítima típica” do bullying escolar conseguem dar a volta por cima, como os casos resilientes do presidente Barack Obama, Steve Spielberg, Rubem Alves, ou de mulheres famosas como Kate Middleton, a noiva do príncipe William, Britney Spears, Demi Lovato, a cantora Madonna, ou ainda de poucas identidades anônimas, como era o menino australiano Casey.

Bullying é o terror silencioso ou exacerbado, persistente ou ignorado. Histórias de muita submissão e rebeldia são reflexos do fracasso da escola (Patto, 1999) porque ganham força no interior da escola, nas relações de colegas sob olhar pedagógico, cuja omissão ou cegueira pode favorecer, mesmo sem querer, a própria violência que realimenta manchetes e páginas cotidianas de sangue dos jornais.

É preciso reencantar a educação (Assmann, 1996; 1998). Gostar de ler e escrever ou sofrer para aprender é a questão incorporada nas pedagogias que aproximam ou afastam alunos das aprendizagens escolares, mas, também os desafetos não percebidos nos ambientes da escola. O não gostar pode ser orientado pela sensibilidade educadora em sutilezas didáticas. Segundo Pedro Demo: "professor não é quem dá aula, mas sim quem sabe fazer o aluno aprender".

Inteligências mobilizam e elaboram projetos contra repetência, evasão, abandono e refletem as mudanças de escola e residência ou migração constante de localidades, bairros ou municípios. Esperanças de um mundo mais humano e melhor para todos podem ser materializadas e servir de exemplo na mídia daqui a pouco.


Termino aqui com uma reflexão para nós que estamos na escola. Segundo um entrevistado: "Casey é a fantasia de vingança para qualquer garoto que já sofreu bully". A escola suspendeu imediatamente os dois: a vítima e o agressor. Tolerância zero a lutas. E o conselho de Casey para tantos outros que sofrem do mesmo mal é: "foque nos dias bons e mantenha o queixo erguido. A escola não irá durar para sempre". Pelo que parece a escola está mesmo desacreditada para tantas crianças do mundo todo.


Para conhecer mais sobre os sentimentos de Richard Gale, acesse entrevista aqui, para pensar mais sobre a pessoa daquele que protagoniza o papel de agressor nessa fase da história. Penso que eles terão sim um final feliz.


Como se medeia as famílias e seus sentimentos?
O que atravessa toda essa gente que nos enovela?

Referências
ASSMANN, Hugo. Metáforas novas para reencantar a educação: epistemologia e didática. Piracicaba: Unimep, 1996.
____. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. Petrópolis: Vozes, 1998.
DEMO, Pedro. Saber pensar. São Paulo: Cortez, 2000.
____. Outro professor: alunos podem aprender bem com professores que aprendem bem. Jundiaí, SP: Paco Editorial, 2011.
FANTE, Cleo; PEDRA, José Augusto. Bullying escolar: perguntas e respostas. Porto Alegre: Artmed, 2008.
PATTO, Maria Helena Souza. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Latas sob trilhas interpretativas da escola

Violência gera violência. Retrucar é a questão?

O vídeo do menino australiano que virou a coqueluche da internet nestes últimos dias me deixou bastante inquieta. O que fazia a "professora" como espectadora da cena? Tudo foi muito rápido. Os dois se configuram como vítimas agressoras.

Ficaremos refém da violência na escola? Olhando o vídeo lembrei da conferência de Barack Obama, na Casa Branca, em 10/03/2011, quando revela ter sofrido bullying na escola e preocupa-se em dizer: "é preciso desmistificar que o bullying é um rito de passagem inofensivo do processo de amadurecimento".


Aprendi com estudantes da Unidade Pedagógica da Faveira, que fica na Ilha de Cotijuba, a pensar como eles: quem cuida do agressor? Ser expulso da escola vai minimizar a violência real ou simbólica que atinge cotidianamente a todas as pessoas? Penso que tirar o agressor dos olhos de todos, não resolve em nada o problema. É a mesma coisa que varrer das vistas os mendigos da cidade para bairros distantes, e bem ao melhor estilo de só "para inglês ver".


As brincadeirinhas de mau-gosto reforçam atitude de insegurança e dificuldade relacional tornando a pessoa apática, retraída, indefesa aos ataques externos. Exigem ações de informação, prevenção e tratamento pedagógico contra o desconhecimento ou a indiferença na/da escola que só favorecem a violência e suas consequências.


A reação de Casey Heynes, o "garoto Zangief", exige-nos no conjunto dos fatos, a mais reflexão e atitudes novas na escola, reapresento por aqui o vídeo: Bullying - when enough is enough Video

- A violência é um espetáculo?


Como contraponto às questões banalizadas como coisas de criança, ou mediante cariz irônica na escola, encontrei na poesia das coisas simples, de Manoel de Barros, o modo de pensar bem a pessoa do agressor, o significado da educação ambiental e ecologia humana.


Como construir sociedades mais sustentáveis, ecologicamente prudentes, socialmente justas e culturalmente diversas? É o desafio contemporâneo da escola face ao nosso peculiar papel de espectadores dos fenômenos midiáticos do mundo globalizado ou como testemunhas de cotidianos.

Lavoisier (1743-1794): e na natureza tudo se transforma...
A Lata (Manoel de Barros)

Estas latas têm que perder, por primeiro, todos os ranços (e artifícios) da indústria que as produziu. Segundamente, elas têm que adoecer na terra. Adoecer de ferrugem e casca. Finalmente, só depois de trinta e quatro anos elas merecerão de ser chão. Esse desmanche em natureza é doloroso e necessário se elas quiserem fazer parte da sociedade dos vermes. Depois desse desmanche em natureza, as latas podem até namorar com as borboletas. Isso é muito comum. Diferentes de nós as latas com o tempo rejuvenescem, se jogadas na terra. Chegam quase até de serem pousadas de caracóis. Elas sabem, as latas, que precisam chegar ao estado de uma parede suja. Só assim serão procuradas pelos caracóis. Sabem muito bem, estas latas, que precisam da intimidade com o lodo obsceno das moscas. Ainda elas precisam de pensar em ter raízes. Para que possam obter estames e pistilos. A fim de que um dia elas possam se oferecer as abelhas. Elas precisam ser um ensaio de árvore a fim de comungar a natureza. O destino das latas pode também ser pedra. Elas hão de ser cobertas de limo e musgo. As latas precisam ganhar o prêmio de dar flores. Elas têm de participar dos passarinhos. Eu sempre desejei que as minhas latas tivessem aptidão para passarinhos. Como os rios têm, como as árvores têm. Elas ficam muito orgulhosas quando passam do estágio de chutadas nas ruas para o estágio de poesia. Acho esse orgulho das latas muito justificável e até louvável.


- Faz sentido?

Barros, Manoel de. Memórias inventadas: as infâncias. São Paulo: Planeta, 2003.

Quintais e suas releituras: as caudalosas ideias amazônidas

Quintais
Há tanta beleza, esconderijos
e mistérios nos quintais...
Nas fachadas não.

Os quintais
Contam segredos e o jeito de ser do dono
Que arquitecto nenhum põe no papel...
As fachadas não.

Os quintais
têm personalidade de filho do avô, do neto...
eles têm alma... poesia...
As fachadas não.

Nos quintais muitas vezes há o ganha pão,
Numa horta, galinheiro, varais,
Oficina e porão...
Nas fachadas não.

Os quintais não têm pretensões,
não são esnobes,
não se pintam...
Eles têm aconchego, calor, conteúdo.
As fachadas não.

Nos quintais
há mais suspense...
O proibido dá sensação...
Mora o cachorro, o rato,
o coelho, a cobra, o pato
e há o pulo do gato... ladrão!
Nas fachadas não.

Os quintais
inspiram antigos bate-papos,
assuntos sérios, cochichos e opiniões.
As fachadas não.

Os quintais
se estreitam se unem entre si,
aparam quinas e arestas
como se dessem as mãos.
As fachadas não.

Os quintais dão sombra e água fresca,
dão abacate, paz, laranja, mamão,
dão ainda tranqüilidade...
alface, chuchu e limão...
As fachadas não.

Os quintais
são descobertos desnudos...
São terra, adubo, luar e chão.
Recebem chuvas sementes e orvalhos...
As fachadas não.

Os quintais
têm tesouros guardados,
têm balanços e brinquedos bem brincados!
Neles, o verde, de improviso,
cresce solto... livre... desalinhado...
As fachadas não.

Os quintais
são verdadeiros, disformes, tortos...
Têm entulhos... bagulhos...
lixos... pardais...
As fachadas não.

Os quintais
não se aprontam para visitas
nem se mostram curiosos.
Dão festas só para os amigos...
As fachadas não.

Os quintais
têm fogão de lenha, com chaminé.
Teia de aranha, carvão...
têm samambaias e avencas espontâneas...
As fachadas não.

Os quintais
não se reformam...
são relíquias intocáveis
onde um degrau, um banco,
uma escada de pedra
alguém que não mais existe, fez.
As fachadas não.

Os quintais
mais que do patrão,
eles são dos empregados...
Há serestas, seresteiros,
redes franjadas, violão...
As fachadas não.

Nos quintais
as fantasias nossas de cada dia
e a nossa infância é resguardada...
As lembranças brincam a ciranda do tempo
e morrem de medo de assombração...
Nas fachadas não.

Quintais
o que mais gosto neles
é que, por mais que se pareçam,
não existem dois iguais.
As fachadas... não!

(Guiomar Paiva)


Os quintais do lugar donde a escola está situada são grandes em suas belezas. Cheios de vida e identidades.


Crianças precisam deles. É a alma infantil e o seu contexto que nos faz adultos mais felizes e amorosos. Apartamentos limitam o horizonte das inteligências.


Como a escola está num bosque ela representa a extensão de seus quintais. O quintal da escola é de todos! A floresta e as águas amazônicas dão cores, texturas e as magias que textualizam aquele lugar.


Tudo isso movimenta saberes e situam as aprendizagens. O questionamento reconstrutivo faz a diferença nas relações aprendentes.




Referências
Martins, Isabel Minhós. O livro dos quintais. Planeta Tangerina
Paiva, Guiomar. Quintais fachadas não. Editora Novo Mundo, 2007.
Tavares, Cris. Quintais. Editora Salesiana, 2008.


Imagem 1: http:www.lunaeamigos.com.br/varal/indice/varind0901.jpg
Imagem 2: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhMHxMxKmBPNMJ5nyeNdDjHfLVMKHC6CgGRa2S2MQqSR0L41aMB19s5HcTykiuHZqtKl3mcWUqs1ZmHOqjbxzcbcmfEOxk1qfP9M-HooRYQZxp4jndpUMWpGXbkzRKAzD30mfrZPVMR8ek/s1600/abril.jpg

quinta-feira, 17 de março de 2011

Sobre Quintais e suas múltiplas linguagens: remix de palavras, textos e letras

André Derain - Arbres à Collioure, 1905
O apanhador de desperdícios, de Manoel de Barros
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem
de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

O quintal, de Paulo Freire (A importância do ato de ler)
[Por aqui ousei manejar palavras de Freire]
O quintal como primeiro mundo. Qualidade de vida. Onde ali especialmente expandia sua atividade perceptiva. Os “textos”, as “palavras”, as “letras” daquele contexto multiplicaram a compreensão e as relações humanas.

Aqueles “textos”, “palavras”, “letras” impregnavam-se do canto dos pássaros. Nas danças das copas das árvores reliam-se tempestades, trovões, relâmpagos e por lá até as águas da chuva faziam-no brincar de geografia, a reinventar lagos, ilhas, rios, riachos.

Os “textos”, as “palavras”, as “letras” encarnavam-se no assobio do vento, nas nuvens do céu, nas cores do lugar e do tempo, nos seus movimentos; na cor das folhagens, na forma das folhas, no cheiro das flores - de rosas ou jasmins, no corpo das árvores ou na casca dos frutos.

Na tonalidade diferente de cores de um mesmo fruto em momentos distintos: o verde da manga-espada, o verde da manga-espada inchada; o amarelo esverdeado da mesma manga amadurecendo, as pintas negras da manga mais além de madura. A relação entre estas cores, o desenvolvimento do fruto, a sua resistência à nossa manipulação e o seu gosto.

Por lá conviviam os animais - os gatos da família; o mau-humor do velho cachorro negro do pai e o sumiço de gordas galinhas da avó. Naquele contexto, o universo da linguagem dos mais velhos, crenças, gostos, receios, valores enredava-se a contextos mais amplos. Coisas de língua materna sustentável.

Em ricas experiências de compreensão do mundo imediato, recombinando bemquerenças e malquerenças ressignificando sentimentos característicos do nosso século, competitivo e bem pouco cooperativo, as (re)leituras ali cultivadas fluíam. Até por que foi lá no chão do quintal de sua casa, e bem à sombra das mangueiras com as próprias palavras ainda tatuadas do mundo maior de seus pais é que foi alfabetizado. Paulo teve o chão como quadro-negro e gravetos como seu giz.

Entretanto, foi com Quintana que aprendi que a beleza não só encanta, ensina e faz aprender.

Com ele, crianças de todas as idades, em seus corpos relacionais, redescobrem que o quintal é o melhor lugar de "se" fazer poesia, guardar borboletas e aprender de forma integrada com a vida. Chega de escola de vidro onde borboletas ficam ali guardadas, como se fossem de papel. Como elas respiram lá dentro?

Privilegiado lugar é lá no mato, coisas e lendas do mato, dos quintais de Andrade, Freire e “Quintana”.

A margem - Matisse (1907)
A beleza é possível como contraponto à violência e à revisão simbólica e bem lá no laboratório vivencial da escola do "mato", no chão ou sobre águas, aprendizagens situadas no bosque de uma ilha, a reencantar a educação por entre relações, ideias, conhecimentos, a vida que ali, aqui e acolá se transversaliza e faz as aprendências terem novos sentidos.

Fecha-se esse remix bricoleiro, com a sensibilidade poética de Quintana, e por três vezes:

Os Sonhos das Lagartas
As lagartas não podem acreditar
na lenda das borboletas tão antiga
entre o seu rastejante
e esforçado povo...
mas sua felicidade
consiste em relembrar, às vezes,
o absurdo e maravilha desse velho sonho:
o de se transformarem, um dia, em borboletas.

Os poemas
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...

Pequeno Poema Didático
O tempo é indivisível. Dize,
qual o sentido do calendário?
Tombam as folhas e fica a árvore,
contra o vento incerto e vário.
A vida é indivisível. Mesmo
a que se julga mais dispersa.
E pertence a um eterno diálogo
a mais inconseqüente conversa.
Todos os poemas são um mesmo poema,
Todos os porres são o mesmo porre,
Não é de uma vez que se morre…
Todas as horas são horas extremas!

Ah! Antes que me esqueça entrecorto aqui o dizer de um querido amigo que já passou pela escola. Se a escola é o quintal, ela em sua concretude sabe o valor do húmus, recicla os dizeres “da fruta podre rejeitada pela meninada no alto de uma árvore que não dá mais nem folhas”, pois lá na escola, o quintal ampliado de Freire está sempre “à espera de novas e novas primaveras”...
E que venham as borboletas!

Referências
BARROS, Manoel de. O apanhador de desperdícios. In: Memórias inventadas: a infância. São Paulo: Planeta, 2003. (p. IX).
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. In: A importância do ato de ler: em três textos que se completam. 3 ed. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1983. (Coleção Polêmicas do nosso tempo.) p.11-24.
QUINTANA, Mario. Poesia completa: poemas para a infância. Rio de Janeiro: Nova Aguillar, 2006.
ROCHA, Ruth. Quando a escola é de vidro. In: Este admirável mundo louco. 15 ed. Rio de Janeiro: Salamandra, 1986.