domingo, 2 de janeiro de 2011

Primavera nos dentes: vínculos intertextuais

A obra "Dom Quixote e Sancho Pança Saindo para Suas Aventuras" (1956), em lápis de cor sobre cartão, releitura de Portinari que ali redefine traços de Picasso, novo olhar do Cavaleiro Andante, de Miguel de Cervantes. Nessa relação intertextual a poesia de Carlos Drummond de Andrade substancia e vincula objetivos:

Disquisição na Insônia
Que é loucura: ser cavaleiro andante
          ou segui-lo como escudeiro?
De nós dois, quem o louco verdadeiro?
O que, acordado, sonha doidamente?
          O que, mesmo vendado,
          vê o real e segue o sonho
de um doido pelas bruxas embruxado?
Eis-me, talvez, o único maluco,
e me sabendo tal, sem grão de siso,
sou — que doideira — um louco de juízo.
Acima, "Dom Quixote e Sancho Pança", sob o olhar de Salvador Dali. A obra vai fluindo seu significado e se ressignifica no outro. A pesquisa entrelaça.


Sob olhar intertextual a questão (re)aparece:
- Quem escreve Blog? Quem se mantém escrevendo?
[estilos variam, modificam-se...] 

Em outros espaços e linhas da escrita, a pergunta possa ser feita ao contrário, mas, aqui vou me deter sobre os escritores de blog. Muito se tem sobre quem comenta em blog. Intrigante preocupação. Talvez a pergunta seja quem gosta de ler? Quem gosta de escrever? Quem tem algo a dizer? A expor? Quem deseja trocar? Ou dessacralizar-se? 

Blog compartilha informação. Objetivo centrado. Populariza. Singulariza. Diversifica. O escrevente transpassa. A dinâmica evolui. Dessubjetiva o objeto. Sabemos sobre o risco de escrever e tornar público pensamentos, tatuagens, e na medida em que escrevemos vamos conhecendo, avançando, freando ou libertando, com a ajuda do outro, os interlocutores, incluindo processos intradiscursivos. O idealizado. O inquietante. O necessário. Ético!

Muitos de nós gostaríamos de debater, ampliar espaço e aprender outras línguas, as que transitam e atravessam dizeres. Comparado ao desejo de insólito desvendar... Rodeados de mitos e hábitos conformados. Listaríamos uma pá de motivos para não blogar que muitos ratificam. Capturas de ideias. Identidade dissimulada. Invasão de intimidade. A questão ética perturba.

Eu mesma comecei a blogar meio receosa. Loucura. Vício. Medo de estar na internet. Identidade preservada no “quem sou eu”. Imagens escondidas. Perfil que se oculta, mas, contrariamente, se declara no estilo da escrita. As pistas aparecem. Escorregamos. Até emergirem imagens. Aspectos multimodais se abrem. Integram. Coragem. A mesma com que enfrentamos comentários maldosos. Recebi um que incrimina o ser humano que ali escreveu e que a partir daí resolvi filtrar comentários seguintes. Tal pessoa regozijou-se da morte de meu irmão. Com palavras do tipo: “Adorei, soltei fogos de artifícios...”. Calúnias profissionais recheadas de ameaças, raiva ou inveja, pecados capitais, alguém saía e afirmava voltar. Política desafeta. Beira ao impensável. Engabela a justiça dos homens. Vítima ao estilo Clara, da novela global Passione. Comentários rebateram insultos. Professores, amigos, comunidade com argumentos plausíveis sobre os incautos.

Episódio marcou. Episódio esvaiu-se. A resposta? O retorno? Quem deseja mal sofre mal maior. "O dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal" (Mt, 6:34). Efeito bumerangue espiritual. Divino. O perdão é misericordioso. Ponto final. Apagam-se as reticências. Fim das aspas.

Na rede há conversas paralelas. Sincronicidades entre blogs e blogueiros. Às vezes inspirados pelos eventos, fenômenos ou calendários. Férias, natalícios, climas, mídias, influências determinantes, dimensões sócio-históricas. Crônicas. Escritas jornalísticas. Frases encurtadas. Sábias. Humoradas. Escrita periódica. Corajosa também. Ingênua não. Quem se expõe no campo virtual? Há apelos universais aos sentimentos. Talvez como forma de ocultar-se, preservar-se.

E a semiótica? Estilo inconfundível da escrita. Contumácia. Ousadia. Lirismo. Recombinação poética de meias-verdades inteiras.

Fluências. Espírito inquieto. Ansioso. Frenético. Dinâmico. Observador. Singrante. Roteiriza. Reinventa. Entremeia. Reescreve. Intermitente. Problematiza. Sublima. Cavaleiro andante. Generaliza. Retorna. Independente. Interdependente. Ousado. Coisas de Eros e Tânatos. Mítico. Verdadeiro. Intenso. Suave. Liberta. Carnavaliza. Antropofagia. Intercultural.

A cada dia a surpresa reconduz e ressignifica a arte de blogar. Cada qual em seu estilo. Algo muito dinâmico. Vivaz. Vivificador. Enlaces. Possíveis. Paralelos. Multiversos. Amplexos. Complexos. Aprendências. Aprendentes. Até sem querer.

A ambivalência dá música. Seduz. Ressignifica. Performance reencontrada em “Primavera nos dentes”, de João Ricardo e João Apolinário, em blues alternativo na interpretação de “Secos & Molhados” (1973), estilo que lembra Pink Floyd. Teia cultural interligada! Boas lembranças.
Quem tem consciência para ter coragem
Quem tem a força de saber que existe
E no centro da própria engrenagem
Inventa a contra mola que resiste

Quem não vacila mesmo derrotado
Quem já perdido nunca desespera
E envolto em tempestade decepado
Entre os dentes segura a primavera


A (po)ética perfaz a arte de blogar, a troca entre textos, gêneros e estilos. Adversamente constrói-se a sapiência e a ciência na cultura de blogar. Redescobrimos o sentido na ventura de dizer.

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