A aprendizagem da criança começa muito antes da aprendizagem escolar.
A pré-história da aprendizagem acontece primeiro na família quando a criança
partilha seus feitos com os mais velhos. Gosta de mostrar o que faz, suas descobertas,
seus desenhos, de recitar versos, de tocar no outro, contar acontecimentos de
passeios. As tantas ações e operações do pensamento próprio vão definindo sua
autoria em meio às marcas culturais que lhe atravessam, até porque “o homem não é apenas um produto de seu
ambiente, é também um agente ativo no processo de criação deste meio”
(Luria, 2006, p.25).
A palavra, como um microcosmo da consciência humana (Vygotsky, 1991,
p.132), é muito importante enquanto indicador complexo das inter-relações da
criança com as pessoas que a rodeiam, porém, segundo Piaget (apud Vigotskii, 2006, p. 114), é “só no processo de comunicação que surge a
possibilidade de verificar e confirmar o pensamento. A necessidade de verificar
o pensamento nasce pela primeira vez quando há uma discussão entre crianças
(...) e a cooperação favorece o desenvolvimento do sentido moral na criança”
(p.114).
O bom ensino não transfere conhecimento, mas, cria as possibilidades
para a sua produção ou a sua construção, assim Freire se percebe e nos inspira a
docência, segundo ele, “quando entro em
uma sala de aula devo estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosidade, às
perguntas dos alunos, a suas inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto
em face da tarefa que tenho – a de ensinar e não a de transferir conhecimento”
(Freire, 2000, p.52).
Ou seja, as crianças precisam aprender umas com as outras e através da
mediação do professor, quando a acomodação do dito e do pensado projeta-se em
novo pensamento, na leitura desse mundo redescobre a palavra, reinventa e
renasce nela.
A palavra aprendida, repetida e escrita pode ser reinventada nos contextos,
nos intertextos, nos múltiplos espaços das autorias, porque “o intelecto não é precisamente a reunião de
determinado número de capacidades gerais: observação, atenção, memória, juízo
etc., mas sim a soma de muitas capacidades diferentes”. (Vigotskii, 2006, p.108).
Somam-se nesse ponto as “muitas capacidades
particulares de pensar em campos diferentes; não em reforçar a nossa capacidade
geral de prestar atenção, mas, em desenvolver diferentes faculdades de
concentrar a atenção sobre diferentes matérias” (ibid, p.108), ou seja, a
tarefa do professor é ampliar o leque de ações e operações e não somente promover
uma única capacidade de pensar. As múltiplas linguagens ajudam a interpretar
uma realidade e a produzir novos sentidos.
Quando lemos ou escrevemos não executamos nenhuma ação psicológica
complexa, mas apenas automaticamente reproduzimos técnicas que aprendemos em
estágios anteriores de desenvolvimento. O ato de escrever inicialmente é
puramente intuitivo, a criança imita um adulto escrevendo, sem conhecer ainda a
função de recordar. Essa função motora do escrever é como um brinquedo e que
aos poucos ganha aperfeiçoamentos do pensamento, das relações, das
possibilidades. Segundo Wallon (apud
Dantas, 1992, p.38): “o ato mental ‘projeta-se’
em atos motores. O ato mental se desenvolve a partir do ato motor”.
Para aprender a criança precisa ver significado e produzir sentido em
tudo o que faz. Segundo Piaget, “o cognitivo
é considerado o motor que tem como combustível o afeto”, ou seja, o afeto move
a inteligência. No processo do aprender “qual
o sentido pessoal que um fenômeno tem para a criança”? (Leontiev, 2006, p.
73). É não simplesmente saber o que ela já conhece sobre o fenômeno, sabemos que “quanto mais depressa ela der àquilo que ela sabe um novo
significado, mais rapidamente seu caráter psíquico geral se modificará” (id, p.
61).
Ponderamos nas ações interdisciplinares ou no conjunto das
aprendizagens as diferenças nos desempenhos escolares das crianças, pois, segundo
Luria (2006, p. 101), “uma criança não se
desenvolve em todos os aspectos no mesmo ritmo. Ela pode aprender e inventar
formas culturais de enfrentar problemas em uma área, mas, permanecer em níveis
anteriores e mais primitivos quando se trata de outras áreas de atividade”.
O que facilita, ou dificulta, as aprendizagens são as formas de mediação e acompanhamento
longitudinal do desempenho do alunado.
Avaliar a aprendizagem é um ato de cuidar do estudante, pois é importante saber
avaliar e não somente examinar, segundo Luckesi (2005), “ao ato de examinar não importa que todos os
estudantes aprendam com qualidade, mas somente a demonstração e classificação
dos que aprenderam e dos que não aprenderam. E isso basta. Deste modo, o ato de
examinar está voltado para o passado, na medida em que deseja saber do educando
somente o que ele já aprendeu; o que ele não aprendeu não traz nenhum interesse”.
É a esse não-aprender que se volta o interesse pelo fomento do processo de
formação continuada. Conhecer e investigar o que o alunado aprendeu e o que não
aprendeu, assim se desenha o processo de avaliação diagnóstica que busca cooperar
com o processo pedagógico das aprendizagens escolares.
Os testes padrão apontam o desempenho ruim na área da matemática, ratificando
a crença e o dito de estudantes e de diferentes gerações a respeito de ser ela o
bicho-papão da escola. Como desmistificar esse mito?
Toda criança tem uma aritmética própria antes de chegar à escola, segundo
Vigotskii (2006, p. 109), ela passou por uma “pré-escola da aritmética”, entretanto, a aprendizagem pode tomar
direção contrária ao desenvolvimento anterior, pois, pode não implicar “uma continuidade direta entre as etapas do
desenvolvimento aritmético da criança”.
“O processo de desenvolvimento
não coincide com o da aprendizagem, ele segue o da aprendizagem” (Vigostkii,
2006, p.116). É preciso exercitar o aprendido em novos desafios, realizar transposições
didáticas e em múltiplas linguagens compreendendo que “o desenvolvimento da criança não acompanha nunca a aprendizagem. Os
testes que comprovam os progressos escolares não podem, portanto, refletir o
curso real do desenvolvimento da criança. Isto obriga a reexaminar todo o
problema das disciplinas formais, ou seja, do papel e da importância de cada
matéria no posterior desenvolvimento psicointelectual geral da criança” (id,
p.116-7).
Na sala de aula é preciso criar espaços de produção de diferenças,
espaços de autorias, lugares de produção e lugares transicionais que se situam
entre o brincar e o trabalhar, os limites e a transgressão, o sujeito desejante
e o sujeito cognoscente, a certeza e a dúvida e “entre a responsabilidade que o conhecer exige e a energia desejante que
surge do desconhecer insistente” (Fernández, 2001, p.56). E, sobretudo, “entre ser sujeito do desejo do outro e ser
autor de sua própria história” (id). Assim como a criança apodera-se com suas
perguntas dos nomes dos objetos que a rodeiam em casa desde que nasce, na
escola, a pergunta dá passagem para muitas e diferentes aprendizagens. O docente
deve estimular perguntas, pois “a
resposta é sempre um trecho do caminho que está atrás de você, só uma pergunta
pode apontar o caminho para frente” (Gaarder, 1997, p.28).
Referências
DANTAS, Heloysa. Do ato motor ao ato mental: a
gênese da inteligência segundo Wallon. In: Piaget,
Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus,
1992.
FERNÁNDEZ, Alicia. Os idiomas do aprendente: análise das modalidades ensinantes com
famílias, escolas e meios de comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2001.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 9 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 9 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
GAARDER, Jostein. Ei! Tem alguém aí? São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1997.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da
aprendizagem... mais uma vez. Revista
ABC EDUCATIO, n. 46, jun. 2005, p. 28-9. Disponível em: http://www.luckesi.com.br/textos/abc_educatio/abceducatio_46_avaliacao_da_aprendizagem_mais_uma_vez.pdf
VIGOTSKII, Lev Semenovich; LURIA, Alexander
Romanovich; LEONTIEV, Alexis N. Linguagem,
desenvolvimento e aprendizagem. 10 ed. São Paulo: Ícone, 2006.
VYGOTSKY, Lev. Pensamento e linguagem. 3 ed. São Paulo; Martins Fontes, 1991.
Boa Tarde!
ResponderExcluirvim, te oferecer o premio Um Toque de Preciosidade/2011 e deixar um beijinho
san