Ouvi hoje professores sobre as palavras
do universo da criança ribeirinha da Ilha de Jutuba (PA) a partir da palavra açaí, e chegamos às brincadeiras
da corrida do bocó e do pular macaca.
Bocó vem de burro, ou de montar num
burro, a vassoura do açaí depois de seca enverga. A parte que se liga ao tronco
serve como montaria, assemelha-se ao faz de conta da vassoura que as crianças
imaginam galgar um cavalinho. A vassoura do açaí arranha o chão, faz barulho, cada
menino faz a sua montaria e sai correndo no bocó até o pique marcado, quem
chega antes ganha a corrida.
Pular macaca é como brincar de
amarelinha, assim as meninas se referem a esta brincadeira. Gêneros distintos,
escolhas marcadas.
Estávamos junto a entender como aliar código
e significado e começamos a relacionar, brinquei com o grupo a dizer palavras
com:
/si/ (fonema), surgiram “ci” ou “si”, geralmente
letras iniciais: cinema ou sino, cidade ou sinuca. Depois do meu toque à
consciência fonológica, foram complementando: assassino, próximo, desci, fascinação...
si (sílaba), surgiram: básica, trânsito, Brasil, silêncio...
Nomes de crianças com:
S inicial: Sandro, Simone, Sofia
S final: Luís, Lucas, Taís
S no interior: Rosinha, Teresa, Elisângela
S precedido por consoante: Celso, Robson, Cristina
SS: Vanessa, Alessandro, Cassiano
Depois solicitei que pensassem nas
Letras Monogâmicas, o “casamento perfeito”, a “fidelidade absoluta”, que a
gente pode ensinar o código sem medo de encontrar variações (casamento sem traições):
- de supetão, assim logo no início, o pensar sempre trava, depois que
entendem, topam a brincadeira, relaxam, a coisa engrena e daí surgiu: B, P, D, T, F, V, NH
E as poligâmicas? Pois é, já havia
começado a brincar com uma delas, a letra
S.
Depois lembraram da letra X como sendo
também poligâmica:
Xícara, Xadrez, Xuxa /ch/ Exato, Exame /z/
Contexto, Excelente /s/ Máximo,
Excesso /ss/
Sexo, Complexo /ks/
Outras poligâmicas: Z, C, SS, SC, SÇ,
XC
Para associar outros universos
temáticos, a leitura de obras de literatura infantil ajuda a brincar com nomes, daí veio:
BENTA (menta
/ lenta / senta / tenta)
NASTÁCIA lembra...
NARIZINHO lembra...
EMÍLIA lembra...
Trabalhar Narrativas
Cantadas: A bela rosa juvenil / Cinco Patinhos
(Xuxa Só para Baixinhos) / Dona Viúva / Teresinha de Jesus
E CHARADAS:
E CHARADAS:
a) Qual a diferença entre TARTARUGA e
BARCO?
A tartaruga tem o CASCO em
cima e o barco tem o CASCO embaixo.
TARTARUGA e NAVIO =
CASCO
CASCO (qual o personagem da HQ que
tem medo de água?) = CASCÃO
Variações encontradas nas crianças ribeirinhas:
NAVIO / BARCO / CANOA / CASCO / CASQUINHO
(há semelhanças e diferenças na palavra
e no significado)
b) Está na parede e nas canetas?
PAREDE e CANETA = TINTA
c) O que é a TROMBA para o elefante?
(mão)
E a TROMBA do tamanduá? (focinho-boca)
E a TROMBA de gente? (cara fechada,
“fechou o tempo”)
ELEFANTE + TAMANDUÁ + GENTE = TROMBA
(plurissignificação)
CURIOSIDADES CHAMAM PESQUISAS:
O SAGUI MENOR DO QUE UMA ESCOVA DE DENTES
Clique aqui para assistir ao vídeo
O SAGUI MENOR DO QUE UMA ESCOVA DE DENTES
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“O menor macaco do mundo, o sagui-leãozinho, é do tamanho de uma escova de dentes e pesa 130 gramas. Encontrado no Amazonas, é tão pequeno que alguns índios o deixam no cabelo para que cate piolhos e outros bichinhos”.
(Solicitar que tragam escova de dentes
e embalagens de produtos com aproximadamente 130 gramas / Olhar o mapa e encontrar
o Amazonas / Pesquisar a tribo indígena - ampliar informação).
DENTES + GRAMAS + ÍNDIOS + PIOLHOS (palavras a serem trabalhadas)
ES CO VA PI O LHOS
ES CO LA BI CHI NHOS
SA CO LA
ES CO LHA
Para ler a matéria sobre a Sagui e outras curiosidades, clique aqui.
DENTES + GRAMAS + ÍNDIOS + PIOLHOS (palavras a serem trabalhadas)
ES CO VA PI O LHOS
ES CO LA BI CHI NHOS
SA CO LA
ES CO LHA
Para ler a matéria sobre a Sagui e outras curiosidades, clique aqui.
- Outra informação importante: para melhor entendermos o motivo de usarmos “m” antes de p e b, e não a letra “n”.
A lógica é articulatória.
M - B - P são fonemas que compartilham do mesmo ponto articulatório, ou seja, são fonemas bilabiais.
E ao contrário, o fonema N tem característica linguodental, se emitido antes de P e B, por isso dificulta a co-articulação desses fonemas. Essa razão deve ser explicada exemplificada para o aluno, a aluna.
Por exemplo: Fale a palavra "pomba", agora diga bem devagar separando as sílabas: POM + BA, perceba que no momento que vamos pronunciar o "ba" somos obrigados a fechar a boca, assim fica mais caracterizado um "m", onde fecha-se a boca na pronúncia.
E ao contrário, o fonema N tem característica linguodental, se emitido antes de P e B, por isso dificulta a co-articulação desses fonemas. Essa razão deve ser explicada exemplificada para o aluno, a aluna.
Por exemplo: Fale a palavra "pomba", agora diga bem devagar separando as sílabas: POM + BA, perceba que no momento que vamos pronunciar o "ba" somos obrigados a fechar a boca, assim fica mais caracterizado um "m", onde fecha-se a boca na pronúncia.
Agora diga a palavra "ponta": PON + TA, perceba que a nossa língua se recolhe ao pronunciar o "n" e encosta nos dentes ao pronunciar o "ta", e esse som com a boca aberta caracteriza um "n" . Fale "dente", e sinta - é consciência fonológica!
Assim vamos trabalhando a aprendizagem e desenvolvendo o conhecimento. As atividades propostas ajudam a conhecer as questões ortográficas da Língua Portuguesa. É importante trabalhar a consciência fonológica sempre com o auxílio de referenciais significativos para o alunado: rótulos, nomes e palavras já contextualizadas - como nas sugestões acima. Dessa forma, podemos completar a análise e as possíveis relações em todas as instâncias da língua oral e escrita: o texto com função social, os conteúdos de Língua Portuguesa, o nome de meninos e meninas da turma, o nome da letra, o som que ela pode representar naquele contexto e o alfabeto.
Rasa é o cesto que vale como medida para venda. Casquinho é o tipo da canoa bem "fininha". |
A palavra é RASA, vindo da conversa sobre o Açaí,
a vassoura, a brincadeira, os meninos. Falei a eles para refletirem sobre o que
Vygotsky nos conceitua como sendo “a palavra enquanto microcosmo da consciência
humana”, e o que entendemos disso em nossa práxis?
Açaí tem a ver com Bacaba, com Rasa,
com Vassoura, com Trabalho, com Brincadeira, com Peconha, com Guarumã, com
Guaraná...
A rasa é um cesto fabricado da palmeira de guarumã (guarumã-açu). Nesse cesto transportam-se os frutos do açaí após a debulha (operação manual para separar os frutos maduros do cacho) até as embarcações que o conduzem ao trapiche de Icoaraci ou de Belém. Nesse trabalho participam muitas vezes todas as pessoas da família, incluindo as próprias crianças.
Uma rasa possui cerca de 14 quilos de açaí, e que pode custar R$ 5,50 para o produtor e no período da entressafra chegar a custar R$ 23. (sistema de valor e sistema de medida, medida arbitrária - etnomatemática).
É preciso fazer com que o conteúdo atravesse as disciplinas, mas, tenha significado para a criança, precisamos saber trabalhar o código e a produção de sentidos. Chamamos de etnoalfabetização, respeito pedagógico que destaca o processo da aprendizagem que considera as diferenças e peculiaridades de um grupo e no caso das crianças ribeirinhas, a partir de suas percepções, sua linguagem, seus costumes e sua cosmovisão. É a palavra da criança, é a palavramundo e é por isso, a palavra o microcosmo da consciência humana. Daí se mostra a necessidade de se desenvolver a competência linguística da criança.
A rasa é um cesto fabricado da palmeira de guarumã (guarumã-açu). Nesse cesto transportam-se os frutos do açaí após a debulha (operação manual para separar os frutos maduros do cacho) até as embarcações que o conduzem ao trapiche de Icoaraci ou de Belém. Nesse trabalho participam muitas vezes todas as pessoas da família, incluindo as próprias crianças.
Uma rasa possui cerca de 14 quilos de açaí, e que pode custar R$ 5,50 para o produtor e no período da entressafra chegar a custar R$ 23. (sistema de valor e sistema de medida, medida arbitrária - etnomatemática).
É preciso fazer com que o conteúdo atravesse as disciplinas, mas, tenha significado para a criança, precisamos saber trabalhar o código e a produção de sentidos. Chamamos de etnoalfabetização, respeito pedagógico que destaca o processo da aprendizagem que considera as diferenças e peculiaridades de um grupo e no caso das crianças ribeirinhas, a partir de suas percepções, sua linguagem, seus costumes e sua cosmovisão. É a palavra da criança, é a palavramundo e é por isso, a palavra o microcosmo da consciência humana. Daí se mostra a necessidade de se desenvolver a competência linguística da criança.
* Variedade lingüística = identidade,
cultura própria, dialeto – aprendizagem empírica
* Competência lingüística = prestígio
na sociedade letrada – aprendizagem escolar
Que trabalho maravilhoso. Parabéns. beijos e ótima semana.
ResponderExcluirOlá, Maria José!
ResponderExcluirÉ maravilhoso quando enxergamos que a criança aprende com professor(a) que gosta também de aprender. Nas reuniões com professores e professoras da Ilha de Jutuba, senti isso. Muito bom!
Adoro teu cantinho na net, é muito acolhedor mexe bastante com a gente!
Abraços Afetuosos!