sábado, 26 de fevereiro de 2011

A batalha das boas palavras contra o poder bullying

Aluno do Ensino Fundamental II (15 anos)

Três vítimas para cada agressor é o número que Cleo Fante nos levanta após o período de sua pesquisa de 2000 a 2003, em escolas do interior paulista, além de nos dar um panorama mundial do fenômeno bullying nas escolas. As pesquisas que temos acesso nos indicam que esse fenômeno ocorre em 100% das escolas independente de serem das redes estadual, municipal, particular, ou de estarem localizadas em zona urbana ou rural.

Segundo o Departamento de Justiça dos E.U.A., uma em cada quatro crianças sofre bullying por outra na escola no período de um mês. E por lá também 75% dos jovens sofreram bullying durante a adolescência. A pesquisa do Center for Disease Control estima que 81% dos estudantes pesquisados admitiram praticar bullying. (Zawadaski & Moz, 2008)

O bullying nasce da recusa a uma diferença, da intolerância, do desrespeito ao outro. O agressor escolhe uma vítima para assediá-la, intimidá-la ou agredi-la repetidamente. Conta com uma rede de colegas que cooperam nesse ataque ou intimidação. Esses colegas fazem parte de sua gangue e estudam geralmente na mesma sala de aula da vítima. O agressor não tem dificuldades de aprendizagem, sempre passa de ano e sabe manter o seu poder no grupo.

Rede invisível do agressor - números da escola
Na escola chegamos ao número 34.9% vítimas típicas para 9.44% agressores, ou seja, há quase quatro vítimas para cada agressor. A faixa etária que mais concentra agressores é a de 15-17 anos. O gênero dos agressores é 65.27% do sexo masculino e 34.72% do sexo feminino.

O terror silencioso está a exigir do professorado maior atenção em seu projeto pedagógico. A sala de aula é o lugar que mais promove interações ásperas, veementes e violentas em nossa escola, por ser assinalada pela maioria do alunado (42,78%) e com predominância em 17 das 33 turmas pesquisadas (42.78%). Na maioria dos países o pátio do recreio é o lugar de maior incidência dos ataques bullying. E no Brasil, as pesquisas apontam para a sala de aula, pelo motivo de que a maioria dos professores desconhece a relevância do fenômeno e não sabe como agir ao se deparar com a questão. (Fante, 2008).

Na busca de modificar a realidade através do desenvolvimento do programa antibullying “Educar para a Paz”, uma escola do interior paulista que registrava uma vítima em cada quatro alunos, reduziu após o segundo ano de sua implantação, a ocorrência de bullying para uma vítima em cada 25 estudantes. A pesquisa favoreceu a reconstrução do processo educativo. Acena esperança para a comunidade escolar.

O que nos deixa feliz, em nossa escola, é que a maioria das turmas (87.87%) e do alunado (62.33%) aposta no trabalho educativo como melhor alternativa para minimizar ou acabar com o envolvimento bullying, incentivar aprendizagens e estratégias de convivência pacífica solidária. A orientação escolar é a melhor forma de intervenção para 209 estudantes (27.42%), seguida do desenvolvimento da consciência pessoal para 175 deles (22.96%), a orientação familiar surge como opção de 63 respondentes (8.26%) e 28 sugerem ainda movimentos de pacificação na comunidade (3.67%). A repreensão policial foi apontada como a melhor forma para modificar a realidade do bullying na opinião de 128 estudantes assim como a aplicação de penas escolares, indicada por 48 deles (6.29%), dentre elas enunciam a dita expulsão e sugerem o fracasso da escola


Um desafio se coloca: "quem educa o agressor"? Muitos alunos demonstram preocupação com essa questão. Sobre o enfoque, fiz duas postagens anteriores: "Bullying e a escola: discurso em curso" (uma parada reflexiva bem no meio da pesquisa para reler a escrita do alunado da Ilha de Caratateua e do alunado da Ilha de Cotijuba - novembro de 2010)  e em "Fenômeno Bullying: do lodo belas flores brancas" (quando iniciava a pesquisa em outubro de 2010).

O sexo masculino apresentou mais coerência em suas respostas (43.05%) do que o sexo feminino (45.01%). Ou seja, as estudantes demonstram ter mais dificuldade em assumir a identidade de agressoras ou de vítimas no cruzamento de suas respostas, porém, assumem mais a posição de vítimas provocadoras ou vítimas agressoras e preferem atitudes de espectadoras ou pacificadoras diante de uma briga na escola. Elas agem mais indiretamente ou de forma relacional e em grupo do que eles, que são mais diretos e preferem a agressão física, embora, na prática iniciante do bullying, prepondera a forma verbal, variando a ação simbólica em sua tipologia discursiva.
Aluno do Ensino Médio (18 anos)
O poder simbólico orienta o jeito feminino de ser ou o jeito de ser masculino, assim como suas funções maternas e paternas. O ambiente escolar parece modelar os “modos de ser” pela ordem cultural que reflete a agressividade masculina, a raiva ou a provocação feminina - apesar dessas mais sutis. Elas não são menos vingativas que eles.

A construção cultural dos comportamentos e ações possibilita uma reflexão sobre os processos de socialização infantil. A educação da emoção, o desenvolvimento da pessoa e a construção dos corpos relacionais favorecem o repensar das dinâmicas sociais, de gênero e de raça ajudando a equilibrar a agressividade no poder criador do indivíduo e em relações mais respeitosas e humanísticas com o meio e o Outro. Para Wallon, valorizar a outridade é a importante característica humana por que vivemos em sociedade, e assim nos construímos como pessoas.

Estamos bastante animados para iniciar o ano letivo com o tema “Educar para a Paz”, partindo inicialmente da integração entre projetos pedagógicos incluindo a parceria importante de professores de artes e educação física durante movimento de avaliação diagnóstica, turma a turma, em busca de reunir os saberes do alunado e situar o processo das interações e aprendizagens colaborativas.

Atravessando a negação e dispostos a enfrentar o terror silencioso podemos encontrar juntos boas estratégias pedagógicas, aqui deixamos a resposta de Dennis Saddleman (Zawadaski & Moz, 2008), sobrevivente do sistema de escolas residenciais do Canadá, lá onde milhares de crianças de origem indígena foram tiradas de seus lares e forçadas a frequentar tais escolas, muitas delas dos 5 aos 17 anos. Infelizmente, muitos estudantes foram abusados de todas as formas por aqueles que estavam na função de cuidadores/professores.

A batalha das palavras boas contra as palavras más
Lá fora, no campo de batalha
Havia uma guerra... havia uma batalha
Entre palavras boas e palavras más
Todas as palavras espirituais se ajoelhavam
De cabeça baixa
Murmuravam palavras silenciosas e palavras de oração
As palavras fortes ficaram ali, paradas, com suas lanças
As palavras fortes eram guarda-costas do chefe das palavras
O chefe das palavras falou palavras corajosas aos guerreiros das palavras
“Hoje lutamos por boas palavras
lutamos por bons pensamentos
lutamos por nossa língua”.
Do oeste vinham as palavras obscuras
Palavras ofensivas
Palavras raivosas
Palavras do mal
Palavras violentas
As palavras-líderes fizeram o primeiro enfrentamento
As palavras boas lutaram contra as palavras más
No campo de batalha, havia palavras cortantes, palavras açoitantes
E depois houve muitas palavras caídas
Em pouco tempo... o campo de batalha estava coberto de palavras sangrando
Palavras doendo
E palavras morrendo
A batalha chegara ao fim
Palavras sobreviventes cantavam palavras de vitória
Chegaram palavras de cura
Que trataram as palavras lesionadas
E sepultaram as palavras mortas
E então, entre amigos
Entre muitas famílias
Em todo o território
Houve boas palavras
Bons pensamentos
E boas línguas.


Referências
BASTOS, Alice Beatriz B. Izique. A construção da pessoa em Wallon e a constituição do sujeito em Lacan. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
FANTE, Cleo; PEDRA, José Augusto. Bullying escolar: perguntas e respostas. Porto Alegre: Artmed, 2008.
FANTE, Cleo. Fenômeno Bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2 ed. Campinas, SP: Verus, 2005.
SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Bullying: mentes perigosas nas escolas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.
ZAWADSKI, Mary Lee; MOZ, Jane Middelton. Bullying: estratégias de sobrevivência para crianças e adultos. 2a. reimpressão. Porto Alegre: Artmed, 2008.

2 comentários:

  1. Olá Rocio,
    Quero parabenizar você pela levessa do blog e pela postagem sobre bullying. Estudei no mestrado sobre indisciplina e entendo que bullying vai muito mais além. É violência mesmo! A esse respeito lembro até de ter lido uns relatos de "Piter" Maclaren sobre o cotidiano de violência em escolas norteamericanas. Tenho interesese em pesquisar sobre isso e envolver outros interessados. Quem sabe possamos dialogar mais a respeito. Convido a visitar o meu blog: atelierdeducadores.blogspot.com
    salescunha.neto@gmail.com
    Ah... gostaria de apresentar o teu texto aos meus alunos de Pedagogia, quando for refletir sobre multiculturalismo. Tudo bem?!
    Abraços!

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  2. Oi Francisco!
    Agradeço o carinho.
    Gosto das abordagens de Mclaren, canadense que respeita Paulo Freire e como muitos da intelectualidade mundial na área educacional.
    Legal me disponho ao bate-papo e fique à vontade para utilizar o texto com os futuros pedagogos.
    Um grande Abraço!
    Maria do Rocio

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