domingo, 14 de novembro de 2010

Bullying e a escola: discurso em curso

À pergunta "O que poderia ser feito para resolver esses problemas?" presente no questionário sobre bullying aplicado aos 477 alunos respondentes da escola, até então, que discursam sobre o fim da violência com o aumento da repressão ou pelo discurso interminável de regras de convivência e moral. Nessa maioria, poucos colocam acerca dos aspectos formativos da consciência e cidadania, mas, dão muito enfoque às questões das justiças dos homens ou com as próprias mãos, da polícia ou por força e desejo da criação de nova Lei, ou se percebem confusos, esvaziados e alheios ou tomados de surpresa pela consulta feita, percebidos por alguns em brancos, uns "não sei" ou transferência do saber aos adultos da escola como tábua de salvação... vez ou outra ainda aparece o discurso sem definição ou da culpa atribuído à família do outro e bem menos à própria.


Nessa parada de meio do caminho, rumo à leitura sistematizada dos dados, sinto-me feliz com algumas das respostas obtidas de alunos da Ilha de Cotijuba que cursam do sexto ao nono ano do ensino fundamental. Impressionada, sobretudo, com a comparação dos alunos da Ilha de Caratateua que faz divisa com o bairro de Icoaraci de Belém pela ponte "Enéas Pinheiro". Para Cotijuba e lá de Icoaraci leva por volta de uma hora no barco da escola.


Ali, nas respostas dos alunos de lá, vejo esperanças na conversa e na família pelos valores reeditados em discursos, depositando também alguns créditos à escola e à política:


- "conversar com os alunos sobre esses fatos que podem ou já aconteceram com alguém..."
- "humilhar pessoas não resolve muitas coisas..."
- "colocar a escola na rua..."
- "os pais devem ensinar seus filhos a ser boa pessoa"
- "se os parentes das famílias se reunissem para conversar com quem tava brigando e decidissem juntos..."
- "se houver discussão entre prefeitos para acabar com as violências, os apelidos. É muito difícil fazer isso, mas, é necessário..."
- "os professores estão na escola para ensinar e não deixar os alunos fazer besteiras. Eles dão um bom ensinamento, às vezes os alunos é que não dão ouvidos, acham que o que fazem é que está certo"
- "acho que não devemos nos intimidar por pessoas maiores que nós ou não tão grandes..."
- "as pessoas poderiam mudar, parar de querer só se sentir e ser mais compreensivas, assim teríamos um mundo melhor. Eu já errei na vida e não gostaria de errar de novo"
- "particularmente, acho que as pessoas têm que entender que ninguém é melhor do que ninguém, somos todos iguais e por sermos todos iguais não devemos machucar, violentar e discriminar"
- "poderíamos todos da escola tentar botar consciência na mente das pessoas para dizer a elas que não é só com agressões, racismos ou colocar apelidos nos outros que se resolvem os seus problemas, mas através de conversas, conselhos e outros modos mais delicados de resolver os problemas".


Nas entrelinhas desses discursos pude ainda perceber muitos valores atravessados pelas leituras de mundo, certa ingenuidade sustentada e muita esperança nas pessoas. Em passagens dessas leituras o que também me encantou ver é por conta da preocupação enunciada com o agressor e na esperança do diálogo:

- "podemos ajudar as pessoas que agrediram as outras pessoas"
- "dar mais atenção para o agressor, bons conselhos podem resolver o fato..."
- "ter uma sala para as pessoas agredidas e a pessoa que fez fosse pega estar com alguém mais experiente para conversar"
- "o agressor que provocou briga poderia pensar mais um pouco e ficar longe da pessoa que quer violentar, porque a briga começa com um simples gesto, podemos sim evitar brigas fazendo reunião com os coordenadores da escola para evitar certas emoções"
- "nós os alunos podemos ajudar conversando com o provocador..."
- "fazer passeios em duplas, entre aqueles que ficam se batendo, e talvez acabem esses problemas..."
- "fazer reunião com quem sofreu alguma agressão e com quem agrediu para conseguir uma convivência pacífica".


Diante dessa temperatura escrita e relida, senti renovados desejos de estar ampliando conversas com os alunos e a partir deles construirmos projetos a serem efetivados através do planejamento 2011. A escola conversando com alunos e aprendendo a reescrever a história que todos protagonizam. Nesse embalo - dos olhares e outros dizeres do alunado dentre eles a linguagem figurativa dos desenhos - se perspectivam nossas expectativas de um mundo mais humano a partir da escola ribeirinha da Amazônia. Muitas ideias se entrecruzam nesses seus discursos e os adultos aqui representados pelos profissionais da escola podem ajudar a tecer pensamentos, cotidianos e sonhos.


No percurso desse processo diagnóstico e nessa parte da amostra de uma clientela de mais de dois mil alunos, embora nos faltem mais quatro turmas, aqui nesse intervalo resolvi escrever sobre a maravilha dessa fase. Em Caratateua, o enfoque tem sido mais da violência e da punição, e em Cotijuba, o enfoque do alunado dá nos conta de respirar mais os ares bucólicos da Ilha, banhar a pontinha dos pés nas águas, ir mergulhando aos poucos naquelas águas menos afetadas pela Metrópole Belemense ou arredores e recolocar a linguagem dos valores, do olhar compadecido também voltado ao agressor e nas possibilidades do reencontro da paz, da alegria da convivência.


Nossas crianças e jovens de Caratateua retratam mais a violência, o soco, a raiva, a desolação, a dor, a falta de perspectiva, a desconfiança, a vigilância constante e a repressão policial como tábua de salvação, dores sobre dores... Penso eu por aqui e neste momento, que há muita influência dos sentimentos humanos atravessados pela cobiça, inveja, ciúmes, desamores, talvez advindos de rompantes capitalistas ainda desenfreados que contribuem para o crescimento da violência e que, nos ares de lá de Cotijuba em cujo território automóvel ainda não chega, pairam alternativas dentre opções de se andar a pé ou de bicicleta, de cavalo ou charrete, apesar de algumas motos já invadirem aquelas ruas de chão batido ou trilhas, parece que não chegaram nesses retratos do cotidiano os tais rebatimentos de Caratateua - dor com e pela dor -, pensa-se na paz e no amor, na conversa e no perdão.


O que o mundo tem feito pelos nossos jovens? a poesia aparece fugindo de discursos ou imagens, imaginários manchados de sangue, assim o bullying – em seu conjunto de violências intencionais e repetidas – atravessa a página ou a tela e pode nos chegar na versão de que isso tudo é normal...

[nesse desenho acima, repare só no sangue logo abaixo das narinas do boneco menor, e veja a simulação do movimento das mãos do maior, embora ainda nesta cena as personagens se coloquem de frente ao leitor, pois, a criança faz desenho ou escreve ao professor, seu interlocutor primeiro, não descobriu ainda que os personagens precisam se relacionar entre si, os pés dos bonecos, apesar do corpo frontal, ainda estão de perfil para a direita - onde sequer o perfil se encontra com o do outro - com a continuidade e a interação bem mediada os traços se aperfeiçoam e não se esgotam, é o processo cognitivo e a criatividade em ação. Estágio bem diferente dos pés dos bonecos da imagem 1 que voltam-se ao personagem central e da imagem 2 que estão interagindo com personagens também de perfil]


Que mundos são esses separados pelas águas paraoaras da Amazônia, pertencentes a duas Ilhas diferentes nos arredores do Distrito de Icoaraci, que para chegar a uma atravessa-se a ponte e a outra se atravessa de barco? Lindas praias e paisagens...


Vamos por aqui inscrevendo nos ares e respirares mediante turbilhão de sentimentos, relações históricas e culturais, clamando pela poesia por acreditarmos no reencantamento.

As imagens que aqui aparecem são desenhos de crianças de nove anos e que cursam o 3o. ano do ensino fundamental.

4 comentários:

  1. Muito circunspecta sua análise de problema tão intrincado, privilegiando sempre o "olhar da educadora" (sem ser repressora, nem concessiva). Parabéns pelo seu jeito de conduzir a discussão, com distanciamento estratégico para ver melhor e envolvimento total com a causa.
    Abraço. Pedro Demo

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  2. Professor,

    Encontrar o tom nesta questão tão delicada, invasiva, repulsiva, repressora e moralista para uns ou outros, mas que representam aos alunos medos, silêncios, vergonhas, revides adversos muitos mais percebidos nos desenhos do que nos discursos, principalmente, das crianças menores, exige-nos um esforço para saber ouvir e cuidar de aprender a ler suas representações sem estigmatizá-las, ao mesmo tempo quando procuramos dar tratamento adequado, linguagem cuidadosa mais próxima possível do sentimento e do cotidiano desses seus dizeres, a fim de assumir posição de porta-vozes de seus clamores e pensarmos em projetos de cooperação e articulação dos saberes, capazes de mobilizar ações pela reflexão com pertinências culturais que provoquem novas atitudes a partir de pequenas mudanças pecebidas...

    É difícil lidar com a transgressão e sair da polarização entre ser ingênuo ou prepotente, sem ser autoritário e impor obediência ou ser lasso quando se deixa a corda solta e mais tarde nos arrependemos.

    Dar vozes aos alunos e pensar em conjunto é uma saída possível e necessária.

    Um prazer tê-lo por aqui.
    Outro Abraço!

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  3. Rocio, publiquei uma entrevista esta semana no blog sobre o tema Bullying - Aspectos legais.

    http://avidasemmanual.blogspot.com/2010/11/sobre-blogs-e-etc.html

    abraço

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  4. Ei Vanessa!
    Legal a dica e mesmo que tenha cometido um pequeno equívoco foi um prazer chegar no blog da Patrícia, e de lá pela infovia cheguei até o "Mãe é tudo igual" para ler a entrevista que fizeste com a Dra. Karine Vitoy sobre aspectos legais do Bullying, que aqui recomendo aos amigos: http://www.maeetudoigual.com.br/2010/11/bullying-aspectos-legais.html

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