domingo, 28 de março de 2010

A linguagem desmente a mulher: a pedagogia das diferenças


Estou inquieta com os resultados da escola que venho descortinando na pesquisa ainda em processo, enquanto isso vou refletindo sobre os números, mas, que só serão divulgados após um olhar mais qualitativo... Leio para entender mais enquanto vou conhecendo e estabelecendo relações.

Aprender a ler e escrever de uma forma neutra? A mulher aprende a omitir desde que nasce a sua condição feminina. Se na roda da brincadeira tiverem cinco meninas e chegar um menino, passarão a ser chamados de “os meninos que brincam”. Mais tarde, na escola, caso um pai resolva aparecer no meio das vinte mães que sempre comparecem nas reuniões pedagógicas, o discurso será “bom dia a todos os pais presentes”...

Só entre mulheres a linguagem lhes autoriza a ser “mulheres”. Referente ao homem ficamos sem saber, por exemplo, se o "masculino" contém pelo menos um sujeito feminino. O gênero retira a especificidade masculina ou omite a feminina. Limites da norma padrão. A linguagem flui os dois, depende das circunstâncias.

Se ouvirmos alguém dizer: “fulana teve um filho”, logo queremos saber se é um menino ou uma menina.

Eva não era passiva, mesmo saída da costela de Adão, resolveu comer a fruta da ciência e só então percebeu que estava "nua". Assim com o novo sabor, refrescante e muito prazenteira passou a ensinar/seduzir o homem a comer. E ele aprendeu. A mulher carregou o peso da desobediência, da audácia, do desejo e se sentiu culpada pelo saber des-coberto.

Simbologias que pesam na cultura de quem quer “vir-a-ser-mulher”. A psicopedagogia nos ajuda a descontruir o processo. Alguns sintomas podem aprisionar a mulher na descoberta do conhecimento, do saber-sabor, da árvore da vida. A árvore é cobiçável para alcançar a sabedoria. O conhecimento é dado pela mulher. Se Adão conheceu é porque a mulher o ensinou a ver pelo desejo. E a culpa por conhecer é de ambos: homem e mulher? A autoria desse vir-a-conhecer é de quem? Da serpente? Os mitos são representações e entrelaçam o real, o imaginário e o simbólico.

Ensinar ou aprender. Aprender e ensinar. Quem ensina e quem aprende? O que resulta dessa relação de aprendizagens? O que se quer aprender? O que se quer ser após aprender? Para Parmênides (apud Spinelli, 2003): “ao vir-a-ser é necessário tanto o ser quanto o não-ser. Se eles agem conjuntamente, então resulta um vir-a-ser”.

A mediação pedagógica atua pensando no vir-a-ser presentificado, pois, o desejo de aprender é o fator que impele e movimenta os elementos ensinantes e aprendentes de seus protagonistas, talvez de qualidades opostas, a se unirem em prol da relação saber-conhecimento e do processo de reinvenção, reconstrução do conhecimento, e o resultado disso é um vir-a-ser. E como vir-a-ser se “toda aprendizagem é situada” e não abstrata? Toda a aprendizagem, para além do instrucionismo, envolve a (re)construção de identidades. O conteúdo/a essência deve envolver indivíduos, o ambiente e suas atividades a fim de viabilizar o recriar de significados e, se possível, dar novos e melhores sentidos às ações. De onde vem e de qual contexto? Como utilizar as situações da vida real nas discussões pedagógicas de sala de aula e possibilitar às autorias do pensamento re-olhar a própria cultura escrita herdada do/no meio? Como se estabelece a ponte entre escritas, protagonismos e autorias? Mas, sem esquecer o desejo de vir-a-ser de cada sujeito aprendente?

Sobre o olhar, trago de novo o pensamento de Fernández (2001, p. 65): “quando digo ‘olha’, não me refiro a uma atitude passiva, de cópia ou repetição. Pelo contrário, o olhar implica uma busca e uma seleção”. O re-olhar implica em rever o que vimos, sempre que necessário, para reconstruir o pensamento. Preservamos nossa identidade nas relações aprendentes e interdependentes. A cada leitura uma descoberta nova.

O que é aprendizagem? É a apropriação – degustar a maçã “proibida”– advinda do processo de reconstrução do sabor, a partir do desejo, compartilhado e na cumplicidade desse ato (pedagogia mediatizada), acende o saber pessoal que consulta, questiona - memórias gustativas, saboreadas, digeridas, integradas no organismo-desejo – e reconstrói-se na corporeidade, e aprende – reinventa/desconstrói-se. Pode haver uma não-coincidência entre o saber (vivência) e o conhecimento (nova informação digerida, degustada, apropriada, constituída). O que o sujeito quer/deseja aprender? Para aprender precisa haver sintonia entre os desejos daqueles que juntos aprendem/ensinam no diálogo de saberes e conhecimentos.

Segundo Fernández (2001), o sujeito aprendente constrói-se a partir da inter-relação entre o “sujeito desejante” e o “sujeito epistêmico”. Como isso acontece na práxis pedagógica? Anulam-se seus protagonistas em nome da ciência/conhecimento? Um sobrepõe-se ao outro? Quem domina? É uma questão de gênero? Os sentimentos e as emoções favorecem as aprendizagens mútuas e estão bem resolvidos no processo? Qual é o currículo oculto? E a ideologia subjacente?

Valores valoram o processo das aprendências: simplicidade, humildade, tolerância e contribuem para aceitar questionamentos acerca de conteúdos/temas propostos ao “diálogo” reconstrutivo.

À mulher, principalmente, sempre lhe foi proibido apresentar perguntas e se contrapor aos discursos paternais, carregava em si o pecado original, pela ousadia/desobediência herdadas de Eva. Aos filhos, convinha executar tarefas. Na ausência do pai, a mulher exercia o poder. À professora, vista como tia/senhorita/castra, pelo pai ou mãe, era-lhe delegado o poder de ensinar com ferramentas da cultura letrada, aquela do mundo, por vezes diferente/estranha ao lar, mas, necessária à proteção/subsistência da família. "Nosso filho será doutor e nos tirará dessa situação", frase de orgulho desde os avós dos avós.

Como nascem os homens e como nascem as mulheres neste mundo azul ou rosa? Por que os meninos apresentam mais dificuldades de aprendizagem que as meninas? Quais as qualidades exigidas e que mais se destacam no processo? A profissão docente é predominantemente feminina, principalmente, na educação infantil e nas séries iniciais.

Para Fernández (2001, p.8), a alta proporção de homens com problemas de aprendizagem é favorecida por um sistema que: “sanciona as diferenças (sexuais e de toda a ordem); exige dos ensinantes que escondam sua sexualidade e anulem sua corporeidade; coloca o corpo sexuado dentro de um avental; situa a professora em um lugar de ‘senhorita virgem e mãe’; pactua com duas supostas equivalências: por um lado, passividade-dedicação-capricho-feminilidade e por outro, atividade-agressividade-rapidez-vivacidade-relaxamento-masculinidade”.

Diante de nossa inteligência aprisionada, vamo-nos libertando do peso de heranças culturais, tão repletas de simbolismos e imaginários, mas, dissipando de forma reconstrutiva quando vamos superando alguns sintomas e inibições que inculcam e obstruem o processo criativo/reconstrutivo. Pois, para Fernández (2001, p.5-6), é possível “autorizar-se a pensar; permitir-se perguntar; deixar espaço à imaginação e ao prazer de aprender [sem pecado]; e, em conseqüência, e só em conseqüência, ao prazer de ensinar”. Assim como, para a autora, uma proposta de saúde, diante de uma sexualidade desmentida, encapsulada, enredada, indiferenciada, deve possibilitar uma práxis capaz de “reconhecer a diferença como diferença e não como carência (tem ou não tem); não omitir-se; legalizar o modo de produção de saber e de conhecer característico [do ser frágil]; fazer visível [a] produção invisível; o fazer pública [a] produção doméstica; o autorizar-se a ser ‘mulher’”.

Segundo, Damarin (apud Nascimento, 1993), na teoria da aprendizagem situada o “conhecimento é visto como co-produzido pelas pessoas e a situação; compromisso e o engajamento do indivíduo são críticos na situação”, e desta maneira ajuda a re-olhar a realidade e buscar uma convivência harmoniosa com o meio ambiente, pois, as relações interdependentes são um dos princípios básicos da educação ambiental.

Ver os opostos como unidade e não mais enquanto objetos polarizados - equidistantes, por exemplo, o ensino e a aprendizagem, com sujeitos definidos e marcados em seus papéis, entretanto, integrados e interativos. Não posso deixar de recorrer aqui a Prigogine (1996) e a sua teoria das estruturas dissipativas a destacar o princípio da "ordem através das flutuações". Pode haver troca de papéis, "os homens [e as mulheres] se educam em comunhão mediatizados pelo mundo" (Freire, 1988, p.69).

Para nos ajudar a re-olhar o pensamento que se configura, Capra (1995, p. 113) nos afirma que “os opostos são conceitos abstratos que pertencem ao reino do pensamento, como tal, são relativos”. Mais adiante, reafirma exemplificando: “as partículas são igualmente destrutíveis e indestrutíveis, onde a matéria é igualmente contínua e descontínua e a força e a matéria não passam de aspectos diferentes do mesmo fenômeno” (Capra, 1995, p.116).

E a linguagem como se ajeita? Como a escola revê suas abordagens pedagógicas? Por que os meninos saem mais cedo da escola e sem ao menos concluir o ensino fundamental? Perguntas que nos exigem respostas, pesquisas, releituras, com muita vontade de fazer bem e sempre. Dignidade de ser educadora se descontruindo com o aluno e a aluna.

Tomando como parâmetro o contexto de estudo de Fernández, entre 1986 e 1989, observamos que a maioria da população infantil que apresentava fracasso escolar estava composta por homens, 70% menores de 14 anos, para 30% de mulheres, menores de 14 anos. E daí? O que nos chama?

- Qual é a proporção dos números da tua escola, corresponde ao que estamos percebendo como fenômeno o fato do sexo feminino ter mais sucesso na escolarização do conhecimento? Para alguns homens, a mulher "fala pelos cotovelos". E a "professora"? A escola ressignifica o blá-blá-blá e deixa de ser entediante aos aprendentes? Qual a relação? Talvez nenhuma...


Referências
- CAPRA, Fritjof. O tao da física: um paralelo entre a física moderna e o misticismo oriental. 16 ed. São Paulo: Cultrix, 1995.
- FERNÁNDEZ, Alicia. A mulher escondida na professora: uma leitura psicopedagógica do ser mulher, da corporeidade e da aprendizagem. 2ª. reimpressão. Porto Alegre: Artmed, 2001.
- FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 18 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1988.
- NASCIMENTO, Anna Cristina Aun de Azevedo. Objetos de aprendizagem: a distância entre a promessa e a realidade. In: PRATA, C. L.; NASCIMENTO, A. C. A. A. (Org.) Objetos de aprendizagem: uma proposta de recurso pedagógico. Brasília, DF: MEC/SEED, 2007. (p.135-45) Disponível em: http://www.oei.es/tic/livro.pdf
- PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza. São Paulo: Ed. UNESP, 1996.
- SPINELLI, Miguel. Filósofos pré-socráticos: primeiros mestres da filosofia e da ciência grega. 2 ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2003.

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