quarta-feira, 10 de março de 2010

Pedagogia do Encantamento: serenidades e sinergias como antídotos necessários para viver


Olho para a escola e me preocupo com a realidade que nossos olhos são capazes de ver. Onde está o aprender com alegria e prazer? Nas décadas de 70 a 90 falamos muito acerca das necessárias criticidade e criatividade para transformar o que achávamos importante. Mesmo que nos silêncios e nas caladas das noites. E hoje, onde queremos chegar? Segundo Paulo Freire (1996, p. 160), “a afetividade não se acha excluída da cognoscibilidade (...) e ensinar e aprender não podem dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria”, as crianças que ainda estudam imobilizadas nas salas de aula ou trabalham clamam pelo sentimento e sentido de infância, poesia e abraços, protagonismos e autorias. Mais que comida. Comer sim, com sabor e saber. Bom apetite!

Pensar o currículo da escola para e com os estudantes, as crianças da comunidade, os filhos, os sobrinhos, os netos e os vizinhos, o que significa? Como se pratica através de projetos pedagógicos próprios construídos a partir deles e com eles e não para eles?
Reunir e tricotar com diferentes movimentos, tamanhos e fios de diferentes novelos, cores, espessuras, texturas, técnicas e artes. Fios ou lãs? Depende do tempo e do espaço local, do objetivo, do processo e produto final, do desejo, do modelito e nas circunstâncias previstas ou não.

Nicolescu (1999), nos fala de uma educação que se dirige à totalidade aberta do ser humano e não apenas a um de seus componentes. Estamos a repensar acerca da necessidade de se ter clareza e compreender o que não está evidente, de re-olhar o óbvio, conceber o currículo na escola, desconfiar do lugar que falamos, ressignificar a caminhada ou trajetória definida, e se perceber humilde ao reencontrar a palavra de que não sabemos o que sabemos, do que significa o “só sei que nada sei”...

Como tirar os meninos da violência e das drogas que circundam a racionalidade alucinógena? Por que os meninos querem fugir da realidade e não enfrentá-la? Por falta da afetividade, da amorosidade, do abraço, do olhar cuidadoso... É uma boa hipótese!
Pensamos em jogos e lúdicos, conteúdos e ciências, moral e ética, atualidades e historicidades, representações e interpretações, realidades e sistemas semióticos ou computacionais, projetos e desejos, sonhos e esperanças, enfim, cuidamos da coexistência do corpóreo e da intelecção nas abordagens pedagógicas. Paradoxos importantes para ampliarmos o olhar.

Droga e sexo, amor e afetividade, emoções, sentimentos e racionalidades. Se ao invés de reiterar a violência falarmos do amor e suas relações, mencionarmos a respeito do meditativo, contemplativo, mas, também nos preocupamos com a expressão, a comunicação, a troca sensível e ética? Quais as implicações da ausência do cuidado com a sensibilidade (emoções, sentimentos, intuição, simpatia, corporeidade, imaginação/imaginário, poético, razão compreensiva) nas práticas educativas?

É preciso falar da fruição da sensibilidade no processo do educar que sabe interligar o apolíneo e o dionisíaco, a lucidez e a ludicidade, os pensares e os sentires... Como potencializar a emergência dos sonhos que nos inspiram a viver e a amar? Educar supõe busca de sabedoria na afirmação e na re/criação de sentidos que colorem/cromatizam e dão vida ao nosso existir.

Vamos repensar o dito e o não-dito, paradoxo inquietante, diante da leitura dos números abaixo, referente às matrículas efetuadas na EJA em 2010, resultados obtidos na própria escola:

EJA Gênero Idade 2009 2008 2007 2006 2005
2ª. et. Aluno 15 Retido Retido Retido Retido Progredido
3ª. et. Aluna 16 Retida Retida Retida Progredida Retida
3ª. et. Aluna 16 Transferida Retida Retida Retida Progredida
3ª. et. Aluna 53 Retida Retida Retida Retida Progredida
3ª. et. Aluno 20 Retido Retido Retido Retido Retido
3ª. et. Aluno 20 ---- ---- Abandono Retido ----
4ª. et. Aluna 27 Retida Retida Retida Progredida Retida
4ª. et. Aluna 58 Desistente Retida Retida Retida Progredida
4ª. et. Aluno 19 Retido Retido Retido Retido Progredido
4ª. et. Aluno 19 ---- Abandono Retido Retido Retido

Por que os meninos e as meninas entram e saem da escola (2005-2009), fracassam três, quatro ou cinco anos seguidos e depois retornam em 2010? O que eles mais desejam da escola? O que eles vem fazendo para alcançar os seus sonhos? São algumas das perguntas a esses meninos que denomino como “grupo de risco”. Outras questões decorrem e se desdobram a partir das falas de desejos e sonhos, realidades e retornos, porvires e sucederes.

Há um caminho a percorrer, um risco que exige fôlego para pensar a partir de seus depoimentos/sentimentos e necessidades de novas vivências pedagógicas. Assim desejamos re-olhar a realidade propondo-nos a trilhar com eles para somente nos desafiar a pensar sobre práticas pedagógicas mais significativas. Eles buscam transformar a realidade e não fugir dela. Por isso a droga e a marginalidade vão perdendo espaço para os sonhos e as esperanças! A educação e os educadores ganham espaço na comunidade a favor da Vida. Chega de drogas e violência! Viva o AMOR! Um brinde à saúde e à Paz que merecemos.


(...)
Cada um de nós compõe a sua história
Cada ser em si carrega o dom de ser capaz
De ser feliz
Conhecer as manhas e as manhãs
O sabor das massas e das maçãs
É preciso amor pra poder pulsar,
É preciso paz pra poder sorrir,
É preciso a chuva para florir

(Almir Sater, Tocando em Frente)


Post-Scriptum: Que maravilha as coincidências dessa vida blogueira, passeando pelos Blogs dos amigos encontrei o link para esta postagem lá na Blogosfera Marli, vale a pena chegar lá de mansinho, ouvir Lenine e navegar nas palavras da postagem da professora, que está vibrando com a oportunidade de novamente trabalhar com crianças da educação infantil, essa turminha ela chama carinhosamente de "Meu Jardim", por ser um lugar de muitas aprendências, pois, lá a gente também "canta, dança, conta histórias, faz de conta, imagina monstros e fadas, chora e ri com a mesma intensidade e verdade". Divinamente humana! Vamos embarcar nesse trem e conhecer as colinas do lugar onde mora Fiorentin? Uma bela e típica cidade gaúcha!
Referências

ANDRADE, Carlos Drumonnd de. Corpo. Rio de Janeiro: Record, 1987.
ASSMANN, Hugo. Paradigmas educacionais e corporeidade. Piracicaba, SP: Unimep, 1993.
BARBIER, René. A escuta sensível na abordagem transversal. In: BARBOSA, Joaquim Gonçalves. Multirreferencialidade nas ciências e na educação. São Carlos, SP: EDUFSCAR, 1998.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A canção das sete cores: educando para a paz. São Paulo: Contexto, 2005.
BYINGTON, Carlos Amadeu B. Pedagogia simbólica: a construção amorosa do conhecimento do ser. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1996.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
GUSDORF, Georges. Professores para quê? para uma pedagogia da pedagogia. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
LELOUP, Jean-Yves. O corpo e seus símbolos: uma antropologia essencial. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
MATURANA, Humberto; VERDEN-ZÖLLER, Gerda. Amar e brincar: fundamentos esquecidos do humano. São Paulo: Palas Athena, 2004.
NICOLESCU, Basarab. O manifesto da transdisciplinaridade. São Paulo: Triom, 1999.
SANTAELLA, Lúcia. Corpo e comunicação: sintoma da cultura. São Paulo: Paulus, 2004.
SNYDERS, Georges. Alunos felizes: reflexões sobre a alegria na escola a partir de textos literários. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.

Imagem 1: www.crb.g12.br/.../Bicho_da_Seda/introducao.htm
Imagem 2: http://tevescopio.blogger.com.br/2009_04_01_archive.html (modificada)

3 comentários:

  1. Belíssimo texto, professora!
    Realmente, a educação encontra-se numa situação delicadíssima porque a escola se fechou de tal forma para as mudanças que ocorriam no mundo, que acabou ficando para trás no tempo, se transformou numa "ilha". As TICs batem à porta e não encontram resposta; os conteúdos parecem engessados e descontextualizados; os docentes são desvalorizados; entre tantos outros motivos.
    Em contrapartida, muitos professores bloquearam suas mentes. Perderam a alegria de participar da construção do conhecimento e esqueceram do quanto é gratificante ver uma criança se desenvolvendo e saber que somos parte desse processo.
    As mudanças pedem urgência.
    A escola de ontem não faz sentido aos jovens de hoje.
    Ou acontece uma "revolução" estrutural na educação ou vai levar muito tempo ainda para que seja construída a tão desejada ponte que unirá novamente a sociedade à escola.
    Parabéns pelo texto e pelo blog.
    Abraços

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  2. Oi Max,
    É um prazer tê-lo por aqui. O que me indigna é saber que chefes do tráfico queiram abrir creches para fazer suas escolas me bairros chaves. A exemplo do que sabemos acontecer por aqui. Um aluno de 17 anos, da EJA, morreu baleado na cabeça por vários tiros, após um grupo bem armado ter invadido uma das escolas de Belém, espantado professores e alunos para fora dos muros, e ter baleado o seu objetivo nas pernas ainda no interior da escola e terminado o serviço na rua e na frente de toda a escola. Motivo: o senhor deles não quer que os meninos roubem e chamem a atenção da polícia para o interior do bairro. O aluno desobedeceu as ordens e foi punido. A escola não é segurança e futuro de ninguém. E daí? A escola do governo é melhor que a escola do tráfico?
    Precisamos ampliar o debate e pensar na escola do amor e da paz. Quais são as nossas armas? Voltemos a pergunta às criancinhas: o que você quer ser quando crescer?

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  3. Querida Maria do Rocio!

    As coincidências vêm do mesmo amor que dedicamos ao que fazemos. Sentires e pensares, tem que vir juntos. A escola peca em privilegiar o pensar, mas é indissociável do sentimento. Em última análise qual a competência das competências que a escola deve ensinar? Para mim é a competência de saber ser feliz. E ser feliz envolve ver o outro feliz. Se para isso precisamos dsabetr pensar e resolver problemas, escrever e ler, então vamos aprender isso , mas sem perder o foco, não é mesmo? O resto tudo é bobagem.Abraço, amiga. Vou deixar uma imagem no meu blog em que capturei a lua cheia da minha varanda. Beijos!

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