sábado, 30 de junho de 2012

Festa Junina: a bicharada dos quintais do paraíso

Reunir crianças e seus familiares em festa na escola é algo que realiza todo educador. Fizemos as brincadeiras de forma espontânea o tempo todo, coreografia livre e orientada, releitura dos ensaios e projetos durante duas semanas, assim como aprendemos a tecer o improviso no processo.






Muitas crianças tiveram dificuldades de arrumar roupa típica, como prevíamos, não queríamos que se recolhessem em cantinhos, durante cantos e danças, mas tudo foi motivo para criarmos o espaço das relações de forma repensada, descontraída e organizada nessas interações. Ao final, alguns alunos evangélicos apareceram no evento pela concepção compreendida do trabalho.
Mães, pais, mães, irmãos, tios, tias e avós saíram contentes. A festa terminou sem sujeira ou bagunça, sem brigas ou mal-estar, e muitos sorrisos na despedida do semestre. Abraços, carinhos e corporeidade valorizada.
Ao final, servimos mingau de milho, que na região sul ou sudeste é conhecido como canjica. Coloco por aqui, as imagens do evento, buscando aproximar-se e reviver a cultura junina local.


O convite da festa inspirou-se no ônibus escolar, confeccionado sob medida, com crianças nas janelas, o nome próprio e o de suas localidades, como: Paulo Fonteles, Mártires de Abril, Dorothy Stang, Castanhal do Mari-Mari, Sucurijuquara, Chico Mendes, Caruara. 68% do alunado mora nesses assentamentos, e somente, 32% são do Assentamento Vale do Paraíso, onde está situada a nossa escola.





O arraial da festa adveio do projeto "Nossos Quintais tem mais vida", cada turma pensou, confeccionou o seu e afixaram próximo às salas ambientes.


Traje típico daqui, emocionou muita gente. O chapéu foi confeccionado pela avó dos irmãos,
com papelão e papel de seda. A calça do maior tradicionalmente trazia pendurada tirinhas variadas, figurino mais antigo. A calça e a camisa do mais novo diferenciavam-se nas bandeirinhas pregadas, releitura popular mais recente.
Loirinha feliz: professoras conseguiram trajes para vestir as meninas
Brincadeiras dançantes das Crianças do Maternal II
Aluna de Verde bem alegre. História muito triste de vida, a exemplo de muitas outras do lugar.
Turma do Jardim II na grande roda
Crianças do 1o. ano na concentração: a animação foi boa mesmo.
Dança que integra Pais, Mães, Avós, Tios, Professoras, Funcionários e Alunos.
Degustação do Mingau de Milho ou Canjica: com sabor típico - e bem daqui ó!
Equipe das Educadoras do Paraíso: momento de avaliação e novas aprendizagens
Algumas das muitas borboletas do nosso jardim... plantas típicas do entorno
A maioria virou criança por aqui: cenário pensado e confeccionado no coletivo, que se manteve, inclusive,
após a saída do grupo de alunos e seus familiares. [imagem capturada logo à retirada]

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Festa Junina: repensando espaço de cultura, ludicidade e ética


Na escola deparamo-nos, ano a ano, no período junino, com a questão das crianças que não podem participar desta atividade curricular.
Cheiros, texturas, entrelaçamentos, cores, sabores,
gentes, histórias e movimentos: show de cultura
Os educadores recolocam questões e argumentos, para pensar com a família, como ludicidade, raiz cultural e folclórica, componentes típicos do lugar, socialização entre crianças, integração família, escola e comunidade, ou problematizam conflitos entre o rural e o urbano, as diferenças, os preconceitos e a ridicularização dos trabalhadores rurais como se fossem por gosto, ingênuos ou palermas.

As instituições de ensino não tem o direito de obrigar as crianças a participarem de qualquer manifestação cultural, de acordo com o Planejamento Curricular Nacional, e no terreno da religiosidade e do sincretismo religioso, o conflito parece meio sem solução. Algumas crianças evangélicas passam por constrangimento ao não participarem desses eventos escolares.

É bom verificar a proposta pedagógica, pois, este assunto deve ser conversado com respeito entre famílias do alunado e a escola, e de preferência, no tempo do planejamento anual lá no início do ano letivo.

Patchouli? Pamonha? Esponja?
muitas impressões mediadas pelas professoras
Na nossa escola, é o tempo de revisarmos os conteúdos e rodas de conversas e valorizarmos os quintais de alunos e alunas, seus bichos, suas plantas, suas histórias e a cotidianidade familiar, incluindo hábitos e culturas alimentares próprios e sociais. Pois bem, as músicas ficaram à escolha dos alunos e dentre elas alguns poemas e cantigas de roda trabalhados no semestre. É uma variedade cultural e histórica.

É importante lembrar que no Capítulo II do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), estão previstos mecanismo de proteção à cidadania.


Art. 15 A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.

Art. 16 O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: (...) II – Opinião e expressão; III – Crença e culto religioso.

Art. 17 O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.


Quanto ao aspecto religioso, segundo I Coríntios 10:23, se tem a liberdade de dizer sim ou não, pois a palavra também liberta para João 8:31-2.


À escola cabe saber mediar os conflitos e convidar a todos a pensar sobre a multiculturalidade - a forma de reconhecer, respeitar e conviver com as diferenças culturais presentes na sociedade, sendo que, nesse processo, a educação cumpre um papel decisivo no exercício da cidadania e contra a exclusão ou autoexclusão de raça, sexo, cultura, credo ou outras formas de discriminação.

Coisas da vida e suas gentes!

sábado, 2 de junho de 2012

Os quintais do alunado de nossa escola: processos didáticos e criativos


Tudo começou com a escuta do poema de Flávia Muniz, “A perua e o espelho”:

A confusão começou
Certa vez, no galinheiro,
Quando as aves encontraram
Um espelho no terreiro.

Uma galinha vaidosa
Logo quis contar vantagem:
- Com licença, galináceas,
Vim conferir minha imagem!

(e por aí vai... continue aler aqui o poema)

Bem, o texto provocativo fez todo mundo olhar um pouco para o seu próprio quintal e por lá descobrir coisas interessantes e talvez até algumas despercebidas aos olhos cotidianos ou das inúmeras brincadeiras, quem sabe...

Assim houve diferentes leituras, e das leituras as escritas do poema, até de outros.

Legal mesmo foi perceber que os professores revisitaram a didática de escrever em cartaz as palavras de cada verso, observando o espaço entre palavra e outra, entre verso e outro, entre título e poema, dar espaço as respirações dos alunos enquanto apontam o que supostamente acreditam ler, e que aos poucos vai ali identificando sílabas parecidas e coincidentes, iniciais, finais, palavras repetidas, questões comparativas e provocadas, vão instigando mais a ler com prazer, e dá-lhe processo mediativo.


A professora preferiu apertar as palavras para dar destaque ao desenho... Fica confuso, pois, aí o título se mistura ao texto, as palavras não coincidem, o estribilho não se destaca... Tudo é motivo de ler, mas, cuidado aqui não foram valorizados o texto musical, seus versos e palavras. A criança é bastante visual, e tudo é texto e motivo de releituras.

Este poema está melhor distribuído, as palavras dos versos se encontram, se provocam, se melodiam, os desenhos permeiam e valorizam palavras-chaves, e delas novas histórias podem até ser contadas...

Das palavras histórias novas são contadas, e alguns quintais se destacam conforme o seu contador, pois é, teve até quem duvidasse que havia pavão em algum deles e lá foram professoras e alunos conhecer o tal lugar encantador com seus personagens encantados a surgir nos relatos da "hora da roda". Bem, para espanto e mais maravilhamento, havia mais de um pavão: dois, três e quatro! Jóias no contexto do quintal... êba!

Vejam por aqui, as palavras escolhidas pelos alunado da educação infantil: espelho, galo, marreco, perua.

Hum-rum! motivo de dramatização da boa, 'cês nem sabem... são coisas lá da escola do Paraíso, no Distrito de Mosqueiro, coisas da gente de Belém bem brasileira.

Em outras turmas, surgiram outras palavras e suas histórias maravilhosas...

morcegos, pintinhos nos ovos de galinha,  pica-pau e cobra até
Uma turma resolveu modelar seus bichos com massinha e provocaram mais curiosidades... e houve até aqueles que disseram que nos seus quintais não haviam bichos, só árvore. Depois, convidados a olhar melhor foram descobrindo por lá, alguns visitantes: formigas intrometidas, borboletas plainadoras, pássaros famintos ou enamorados, besouros, minhocas, pois é de tudo foi aparecendo naqueles lás e cás.

Lugares de mais poemas na escola... por lá também se deleitam e lá vão viajando pelo paraíso ou nos assentamentos de onde a maioria do nosso alunado mora...

E assim se perguntam sobre as crianças sem quintais como os deles, com bichos criados pelas famílias ou seus visitantes.

Ou bem ali mesmo, nas estantes de sala de aula, encontraram poemas dentre as páginas dos livros de animais, árvores e outros personagens das novas histórias. Enfim, toda palavra gerava motivo de muitas outras.

A didática nas reuniões diárias com a coordenação logo após o almoço, com bom uso das "horas pedagógicas" e diárias, foi sendo discutida e ressignificada, no dia seguinte os professores nos surpreendiam com suas iniciativas em aulas mais dinâmicas e interessantes para todos.

No processo de autonomias pedagógicas vamos valorizando o educar pela pesquisa e a autoria necessária das escrituras da vida que ali perpassa nos diferentes ambientes da Ilha de Mosqueiro... Pois assim vamos concordando com Barthes (2004, p.22): "escrever é hoje fazer-se o centro do processo de palavra, é efetuar a escritura afetando-se a si próprio, é fazer coincidir a ação e o afeto , é deixar o escritor no interior da escritura, não a título de sujeito psicológico (...), mas a título de agente da ação". As professoras de nossa escola vão se percebendo nesse conjunto dialógico como autoras de novas palavras combinadas com a vida que perpassa em seus questionamentos sempre reconstrutivos.

Estamos bastante animados. A escola vem aprendendo a vivenciar com os servidores da merenda, da higienização, da secretaria, da vigilância e motorista momentos de reconstruir as palavras na ação dramática, que sempre ocorre às sextas-feiras. Logo, logo, vamos colocar por aqui tais vivências. Até!

Referência
BARTHES, Roland. Escrever, verbo intransitivo? In: Barthes, Roland. O rumor da língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004.