sábado, 2 de junho de 2012

Os quintais do alunado de nossa escola: processos didáticos e criativos


Tudo começou com a escuta do poema de Flávia Muniz, “A perua e o espelho”:

A confusão começou
Certa vez, no galinheiro,
Quando as aves encontraram
Um espelho no terreiro.

Uma galinha vaidosa
Logo quis contar vantagem:
- Com licença, galináceas,
Vim conferir minha imagem!

(e por aí vai... continue aler aqui o poema)

Bem, o texto provocativo fez todo mundo olhar um pouco para o seu próprio quintal e por lá descobrir coisas interessantes e talvez até algumas despercebidas aos olhos cotidianos ou das inúmeras brincadeiras, quem sabe...

Assim houve diferentes leituras, e das leituras as escritas do poema, até de outros.

Legal mesmo foi perceber que os professores revisitaram a didática de escrever em cartaz as palavras de cada verso, observando o espaço entre palavra e outra, entre verso e outro, entre título e poema, dar espaço as respirações dos alunos enquanto apontam o que supostamente acreditam ler, e que aos poucos vai ali identificando sílabas parecidas e coincidentes, iniciais, finais, palavras repetidas, questões comparativas e provocadas, vão instigando mais a ler com prazer, e dá-lhe processo mediativo.


A professora preferiu apertar as palavras para dar destaque ao desenho... Fica confuso, pois, aí o título se mistura ao texto, as palavras não coincidem, o estribilho não se destaca... Tudo é motivo de ler, mas, cuidado aqui não foram valorizados o texto musical, seus versos e palavras. A criança é bastante visual, e tudo é texto e motivo de releituras.

Este poema está melhor distribuído, as palavras dos versos se encontram, se provocam, se melodiam, os desenhos permeiam e valorizam palavras-chaves, e delas novas histórias podem até ser contadas...

Das palavras histórias novas são contadas, e alguns quintais se destacam conforme o seu contador, pois é, teve até quem duvidasse que havia pavão em algum deles e lá foram professoras e alunos conhecer o tal lugar encantador com seus personagens encantados a surgir nos relatos da "hora da roda". Bem, para espanto e mais maravilhamento, havia mais de um pavão: dois, três e quatro! Jóias no contexto do quintal... êba!

Vejam por aqui, as palavras escolhidas pelos alunado da educação infantil: espelho, galo, marreco, perua.

Hum-rum! motivo de dramatização da boa, 'cês nem sabem... são coisas lá da escola do Paraíso, no Distrito de Mosqueiro, coisas da gente de Belém bem brasileira.

Em outras turmas, surgiram outras palavras e suas histórias maravilhosas...

morcegos, pintinhos nos ovos de galinha,  pica-pau e cobra até
Uma turma resolveu modelar seus bichos com massinha e provocaram mais curiosidades... e houve até aqueles que disseram que nos seus quintais não haviam bichos, só árvore. Depois, convidados a olhar melhor foram descobrindo por lá, alguns visitantes: formigas intrometidas, borboletas plainadoras, pássaros famintos ou enamorados, besouros, minhocas, pois é de tudo foi aparecendo naqueles lás e cás.

Lugares de mais poemas na escola... por lá também se deleitam e lá vão viajando pelo paraíso ou nos assentamentos de onde a maioria do nosso alunado mora...

E assim se perguntam sobre as crianças sem quintais como os deles, com bichos criados pelas famílias ou seus visitantes.

Ou bem ali mesmo, nas estantes de sala de aula, encontraram poemas dentre as páginas dos livros de animais, árvores e outros personagens das novas histórias. Enfim, toda palavra gerava motivo de muitas outras.

A didática nas reuniões diárias com a coordenação logo após o almoço, com bom uso das "horas pedagógicas" e diárias, foi sendo discutida e ressignificada, no dia seguinte os professores nos surpreendiam com suas iniciativas em aulas mais dinâmicas e interessantes para todos.

No processo de autonomias pedagógicas vamos valorizando o educar pela pesquisa e a autoria necessária das escrituras da vida que ali perpassa nos diferentes ambientes da Ilha de Mosqueiro... Pois assim vamos concordando com Barthes (2004, p.22): "escrever é hoje fazer-se o centro do processo de palavra, é efetuar a escritura afetando-se a si próprio, é fazer coincidir a ação e o afeto , é deixar o escritor no interior da escritura, não a título de sujeito psicológico (...), mas a título de agente da ação". As professoras de nossa escola vão se percebendo nesse conjunto dialógico como autoras de novas palavras combinadas com a vida que perpassa em seus questionamentos sempre reconstrutivos.

Estamos bastante animados. A escola vem aprendendo a vivenciar com os servidores da merenda, da higienização, da secretaria, da vigilância e motorista momentos de reconstruir as palavras na ação dramática, que sempre ocorre às sextas-feiras. Logo, logo, vamos colocar por aqui tais vivências. Até!

Referência
BARTHES, Roland. Escrever, verbo intransitivo? In: Barthes, Roland. O rumor da língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

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