domingo, 27 de janeiro de 2013

Despertar do ano letivo: do chão da vida às portas da escola


 O galo canta... o cotidiano se descortina!
 
... às janelas do paraíso no percurso da Escola,
são as travessias, e ondas vem e vão...
Tem criança que acorda bem cedinho para percorrer 3,5 km por cerca de 1h30 até o ponto da rota escolar, onde o ônibus lhe apanha por volta das 7h. Veículo que percorre, em média, o seu trajeto de uma hora até a escola. A ponte de um dos "Projetos de Assentamentos do Incra" está em estado crítico e impede o acesso do ônibus nessa localidade, que dista da pista 5 km.

As aulas começam sempre às oito da manhã. Algumas crianças acordam às cinco, ou seja, levam em média três horas para fazer a sua primeira refeição. Algumas delas nem jantaram. Sua última refeição foi a da escola e à tarde. Nossa escola é de tempo integral.

Ponte de Assentamento sem condições da trafegabilidade
do ônibus escolar, com peso bruto total acima de 5 toneladas 
A criança de diferentes lugares de Mosqueiro, das bandas dos Assentamentos ou Invasão, é da idade de 3 a 6 anos, por vezes de família discriminada das demais da Ilha no posto de saúde, sempre volta para casa sem atendimento, e conforme relato dessas famílias, dizem ainda que não encontram um médico para crianças. Apesar de não ser papel da escola, por vezes é que leva às crianças a esse lugar público para que seja atendida.

Não mais a Secretária de Educação, mas, na semana passada, a Senhora Therezinha nos indicou uma médica da família que irá nos orientar como partícipe de ação educativa e em importantes intervenções.

Esse janeiro valeu a pena porque nossos estudos também aconteceram no chão das comunidades, onde as crianças foram maravilhosamente as nossas ensinantes, talvez umas das melhores que já tivemos na Academia - da Vida - e como guias reapresentaram o lugar donde moram. Saboreamos muito a posição de aprendentes e vestimos a camisa do Projeto Eco Político Pedagógico.

O chão da escola foi ressignificado pelas crianças em suas comunidades. Aulas fora de sala de aula.
Pira-Macaca, Pira-se-esconde, Pira-lata, Pira-Garrafa, Corrida, Saltos, Balanços...
Escritas pelo chão marcam as infâncias!

Novos tempos de aprender se iniciam amanhã com o primeiro dia letivo de aula deste 2013.

Agradeço a todos, às professoras e aos monitores pedagógicos que acreditaram na palavramundo e neste trabalho de campo, aos funcionários que também participaram dessas ações educativas e tornaram nossa escola ainda mais feliz.

E a história segue o seu curso... O Projeto Eco Político Pedagógico abre o novo ano, dados importantes irão recompô-lo nessa obra coletiva.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Projeto Eco Político Pedagógico: uma obra coletiva

O professor pesquisador deve ser um observador sensível e delicado, apaixonado por tudo aquilo que vê e sente a uma só vez. Entretanto, nada impede que trabalhe com fotografias, imagens em movimentos, depoimentos, entrevistas etc. (Colodete e Pinel, 2004).

"A transposição da fotografia para a memória empresta-lhe o movimento contínuo do pensamento, que é o que se torna necessário fazer para que a foto isolada exprima o seu conteúdo latente e não explícito". (Marcel Proust. Em busca do tempo perdido, apud Míriam Leite, 2001).

"Os passos tecem lugares, moldam espaços, esboçam discursos [por onde andam] (...) O caminhar é uma enunciação pois o pedestre se apropria do sistema topográfico (como nos apropriamos da língua), faz do lugar um espaço (como fazemos da língua um som) e se relaciona com a cidade através de seus movimentos (como nos relacionamos com o outro através da língua)". (Michel de Certeau. Caminhadas pela cidade. In: A invenção do cotidiano: arte do fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994).

 Estar com o aluno, a aluna fora de sala de aula é enriquecedor... "O sujeito aprendente situa-se nos diversos 'entre', mas, por sua vez, os constrói como lugares de produção e lugares transicionais. Entre a responsabilidade que o conhecer exige e a energia desejante que surge do desconhecer insistente. Entre a certeza e a dúvida. Entre o brincar e o trabalhar. Entre o sujeito desejante e o cognoscente. Entre o ser sujeito do desejo do outro e ser autor de sua própria história. Entre a alegria e a tristeza. Entre os limites e a transgressão". Enfim, "o 'entre' que se constrói entre o sujeito aprendente do aprendente e o sujeito ensinante do ensinante é um espaço de produção de diferenças". (Alícia Fernández, O saber em jogo: a psicopedagogia propiciando autorias de pensamentos. Artmed, 2001, p.56).

Ponto alto do trabalho na comunidade é o acontecimento da escuta sensível, processos de saber ouvir narrativas orais... memórias vivas da história que se redesenha no presente, assim, o homem reconstrói o seu passado.

"Para que nossa memória se beneficie da dos outros, não basta que eles nos tragam seus testemunhos: é preciso também que ela não tenha deixado de concordar com suas memórias e que haja suficientes pontos de contato entre ela e as outras para que a lembrança que os outros nos trazem possa ser reconstruída sobre base comum". (Maurice Halbwachs apud Michael Pollack. Memória, esquecimento e silêncio. Estudos Históricos, 1989, p.3-4).