sábado, 25 de agosto de 2012

Identidade da Criança: pensar curricularmente e agir didaticamente

Saul Steinberg

A criança precisa se perceber como um ser histórico na realidade para atuar e compreender as relações estabelecidas nela, constituída pela natureza e sociedade. Implica noções de tempo e espaço, produções de necessidades e transformação, sobrevivência e transcendência, ética e estética.

A criança começa a se relacionar com o meio a partir do estudo de seu nome e o seu ligar no mundo. Ser e Estar. Ter e Sonhar. Querer e Poder. Os papéis maternos e paternos, seus irmãos e família, a moradia e suas relações, a tecnologia e as possibilidades, os cuidados e a vida no seu conjunto.
Saul Steinberg

Repensamos, como educadoras em reuniões de formação continuada, os eixos articuladores do processo educativo de construção do conhecimento: o estudo da criança e os aspectos relacionais: SER HUMANO – NATUREZA – TRABALHO.
A FAMÍLIA, na visão da criança de 3 anos, é a MAMÃE, porque o pai foi embora...

Na educação infantil é importante considerar a própria criança como ponto de referência para o desenvolvimento das noções básicas das relações com a realidade a partir de seu meio, do lugar mais aproximado e projetado dessas relações sociais e ambientais.
Família - Saul Steinberg
Curricularmente pensamos e articulamos:

1.       Relações de trabalho
a.       Trabalho do aluno
b.      Trabalho das pessoas
c.       Trabalho da cidade – foco em Belém (Pará - Brasil)
d.      Trabalho do campo (é no lugar onde mora – Assentamentos x Praia do Paraíso x Ilha de Mosqueiro)

2.       Relação com o meio ambiente
a.       Elementos do meio ambiente
b.      Elementos do meio cultural ou social
c.       Elementos do meio urbano (aspectos citadinos nesse canto da Ilha)
d.      Elementos do meio rural (aspectos do campo nesta parte da Ilha)

3.       Relações individuais e coletivas
a.       Atividades dos alunos
b.      Atividades das pessoas
c.       Atividades dos grupos na cidade
d.      Atividades dos grupos no campo

4.       Relação com o cotidiano
a.       O cotidiano do aluno: moradia, lazer, usos e costumes, religiosidade, tecnologia
b.      A vida cotidiana dos grupos da cidade: lazer, moradia, usos e costumes, religiosidade, tecnologia
c.       A vida cotidiana dos grupos do campo: lazer, moradia, usos e costumes, religiosidade, tecnologia
d.      Questões do cotidiano da cidade e do campo, noções de ecologia

Objetivo: Possibilitar, às professoras e coordenadoras, discussão sobre situar-se no contexto educacional, a escolarização do conhecimento, as formas de aprendizagem, a necessidade do planejamento coletivo e a produção de projeto pedagógico próprio a partir dos saberes da criança e a ser desenvolvido com o próprio alunado de sua turma no conjunto da escola, como exercício de cidadania.

Saul Steinberg, 1952
Perpassamos por definições de planejamento e concepção de criança repensando conceito de “situações significativas”, pois, é preciso planejar um contexto educativo, envolvendo atividades e situações desafiadoras e significantes que favoreçam a exploração, a descoberta e a apropriação de conhecimento sobre o mundo físico e social e viabilizem as experiências do alunado com o seu entorno, repensando as interações qualitativas entre adultos-crianças, crianças-crianças e crianças-objetos-mundo físico:

(1) planejamento baseado em listagem de atividades (definido pela necessidade de ocupar as crianças, atividades de acordo com o tempo e não com o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças, a criança aparece passiva sem particularidades ou necessidades específicas, espera pelo atendimento do adulto, sem nada a dizer ou expressar, sem voz e nem vez);

(2) planejamento baseado em datas comemorativas (não amplia o repertório da criança, menospreza a capacidade de ir além do conhecimento fragmentado e infantilizado, a marca do trabalho é a fragmentação dos conteúdos, qual é o papel da escola: repetir/reproduzir o que circula na sociedade em geral ou discutir e questionar os conteúdos e vivências que trazem as crianças? quem lucra com as datas comemorativas é o comércio...);

(3) planejamento baseado em aspectos do desenvolvimento (essa perspectiva considera aspectos físico-motor, afetivo, social e cognitivo, secundariza ou desconsidera questões relacionadas à construção do conhecimento, à aprendizagem, toma por certo a existência de uma criança ideal não leva em conta a criança real, concreta, historicamente situada, com características diferenciadas, determinadas pelo seu contexto ou origem sociocultural, situa-se no campo da educação infantil com objetivos em si mesma);

(4) planejamento baseado em temas (preocupa-se com aspectos que façam parte da realidade da criança, coloca em foco suas necessidade e perguntas, considerando como significativo todo conteúdo que faz parte da realidade imediata do aluno, mas, na prática, a escolha do tema acaba sendo um pretexto para a listagem das atividades, que passa a ser sua necessidade primeira e não os conhecimentos envolvidos, o questionamento da criança, sua pesquisa e exploração);

(5) planejamento baseado em conteúdos organizados por áreas do conhecimento (o canal de articulação é o conhecimento socialmente produzido e historicamente acumulado pela humanidade, é uma proposta conteudista – caráter pedagógico da educação infantil, mas, conforme indica Machado (1996), o pedagógico não está na atividade em si, e sim na postura do educador, pois, “não é a atividade em si que ensina, mas, a possibilidade de interagir, trocar experiências e partilhar significados é que possibilita às crianças o acesso a novos conhecimentos”, é o que se passa nas trocas afetivas, em todos os momentos do cotidiano com as crianças, envolve na educação infantil cuidado e educação, afinal, de contas a atividade educativa não ocorre somente em momentos especialmente planejados, inclui o que se passa nas trocas afetivas entre adultos e crianças, desde o horário de entrada e as diferentes situações vivenciadas na escola);

(6) planejamento por projetos (deve ter como base a observação do grupo de crianças e seus interesses, a observação é o grande impulso para o planejamento por projetos, privilegiando o olhar da criança, o que ela pede ou questiona, o educador delineia a partir de uma séria e intensa pesquisa, as possibilidades de trabalho, os assuntos a serem estudados, as situações a serem propostas, as atividades a serem realizadas, ou seja, assuntos-atividades-situações significativas se integram, estão em uma teia bem tecida, sem hierarquização, o projeto pressupõe pesquisa e educar pela pesquisa através do questionamento reconstrutivo e educadores e seu alunado. O educador cuida para não cair na improvisação e sim guardar coerência entre o proposto e o viável, analisa objetivos e procedimentos, estabelece tempo de projeto, nem sempre o previsto é tempo real, entra aí a flexibilidade e a dinâmica através da avaliação constante do processo).

Formação Continuada
O planejamento compreende a atitude crítica de cada professora diante de sua prática, pressupõe autonomia e cooperação. O planejamento é como um roteiro de viagem e que podem incorporar novas perspectivas, novos roteiros e novas aventuras. O olhar atento e a escuta sensível do educador é primordial no processo dialógico das vivências pedagógicas, o planejamento é como um porto-passagem, cujo ritmo se constrói com seu grupo de crianças.

Alguns lances dessa práxis pedagógica de formação continuada e em serviço:
Redescobrindo a Escrita do Nome Próprio e as suas Múltiplas Relações
Processo de Colagem vivenciado por Crianças de 4 anos

A palavra CASA redesenhando o contexto
a partir de suas histórias
Pensar e discutir sala de aula - é mesmo provocativo para muitos educadores, é um espaço múltiplo que comporta diferentes relações e oposições importantes. Entretanto, a formação continuada ajuda-nos a saber pensar a qualidade do trabalho pedagógico e a dialogar cada vez mais com a realidade vivenciada no processo ensino-aprendizagem.


Letramento - análises dos rótulos e perceber as diferentes relações existentes aí...

"Coordenar o debate, alimentar a participação dos alunos, favorecer o pensamento cooperativo, propiciar situações de 'conflitos cognitivos' estimuladores da crítica e da desconstrução, criar momentos de síntese e de revisão do caminho percorrido e dos avanços alcançados, estimular o processo de reconstrução e de elaboração de novas formas de pensar e de significar" (Garrido, 2001).
- "Sala de Aula: eis uma realidade que contém muitas realidades" (Régis de Morais, 2008, p.7).


Referências
(1) Garrido, Elsa. Sala de Aula: espaço de construção do conhecimento para o aluno e de pesquisa e desenvolvimento profissional para o professor. In: Castro, Amélia Domingues de; Carvalho, Anna Maria Pessoa de (Org.). Ensinar a ensinar. São Paulo: Pioneira, 2001. (p.125-142)
(2) Machado, Maria Lúcia de A. Educação Infantil e currículo: a especificidade do projeto educacional e pedagógico para creches e pré-escolas. São Paulo, 1996.
(3) _____. (Org.) Encontros e desencontros em educação infantil. São Paulo: Cortez, 2005.
(4) Morais, Regis. (Org.) Sala de aula: que espaço é esse? 21 ed. São Paulo: Papirus, 2008.
(5) Sacristán, José Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed, 1998.

sábado, 4 de agosto de 2012

Portfólio ou Sanfona Didática: o tempo das aprendizagens

Análise do grafismo da criança pelas professoras de Educação Infantil
A formação do educador "não se constrói por acumulação (de cursos, conhecimentos, ou técnicas), mas sim, mediante um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de reconstrução permanente de uma identidade pessoal" (Nóvoa, 1995, p.25).

Propus às professoras avaliarem o grafismo dos alunos e apreciarem o desenho das crianças de 3 a 6 anos. Durante duas semanas e meia do mês de julho houve a "Colônia de Férias", em nossa escola. Após o tempo com as crianças, diariamente, ficamos outro tempo conversando sobre as formas de ver e interpretar o que elas inscrevem no papel. Uma delícia, assim avaliamos ao final. As professoras e monitoras ficaram impressionadas com a descrição do perfil que eu mesma fiz ao avaliar, logo de início, desenho a desenho das crianças, coincidindo com o comportamento delas.

Ao final, elas começam a perceber e entender alguns sinais gráficos, mas, também manifestam desejo de ler as referências sobre o desenho das crianças, indiquei a bibliografia para saber mais. A teorização das práticas pedagógicas dão aos docentes à autonomia de compreender melhor o processo de construção do conhecimento e as aprendizagens das crianças.

Compreendemos, no movimento das aprendizagens, que "o saber da experiência é fator preponderante na formação que acontece na reflexividade das práticas [até porque] é no contexto da escola que o docente constrói a sua profissão" (Nóvoa, 1995, p. 25). Esta é a nossa responsabilidade como pedagogos, quando atuamos na função coordenadora ou na direção de uma escola, fazer acontecer a formação continuada.


Sanfona Pedagógica: organização cronológica do tempo das aprendizagens
A proposta de análise do grafismo segue-se pela construção de sanfonas pedagógicas, ou seja, sanfona como portfólios, de forma a organizar o trabalho das crianças em ordem cronológica, observando a direcionalidade dos traços ou a predominância desses mesmos traços inscritos nas folhas e representações. Há crianças que desenham girando a folha e outras preferem a folha na vertical, em forma de retrato, ou na horizontal, em forma de paisagem. A professora precisa anotar a data e a atividade desenvolvida, atrás da folha, ou anexar um papel colante no verso da folha com as observações necessárias.

A sanfona serve como instrumento para documentar as aprendizagens e a construção do conhecimento, assim como:

- entender sobre sequência didática, roteiro pedagógico e questionamentos reconstrutivos;
- repensar planejamento de aula, semanal, mensal ou por semestre;
- identificar a qualidade do ensino-aprendizagem mediante avaliação do desempenho docente e discente;
- ajudar alunos ou familiares a desenvolver a habilidade de avaliar seu próprio trabalho e desempenho;
- instaurar o diálogo com as crianças individualmente;
- conhecer melhor a função mediadora da avaliação da aprendizagem;
- explicar a natureza do trabalho realizado e o tipo de desenvolvimento que cada atividade possibilitou;
- os educadores melhoram sua habilidade de avaliar os alunos;
- os alunos melhoram sua habilidade de desenhar, comunicar ideias e interagir com o Outro.

É importante construir diferentes sanfonas para cada projeto ou plano semanal, por exemplo. Este material sobretudo facilita o diálogo com a família em reuniões pedagógicas. Cada sanfona pode ser guardada apresentando objetivo ou justificativa do trabalho, incluindo texto redigido pelo aluno com criatividade, ou ilustração que sintetize toda a ideia de cada projeto. Como, por exemplo, este se relaciona ao "Eu no mundo" a partir das próprias referências do alunado.

A maior parte dos desenhos da sanfona foram feitas no dia posterior à atividade, como forma de também observar que a memória é a base da aprendizagem, além de perceber a relação signo (entendido como aquilo que representa algo pra alguém) - significado (a parte material do signo) - significante (a parte conceitual do signo) no processo de construção do conhecimento. Por exemplo, a palavra "ônibus" ouvida na história e o signo que se tatua nas experiências do aluno, que faz com que recrie as cenas, o significado ele busca traduzir em seu desenho, na composição gráfica, mas, o significante é a forma desenhada em si, do próprio objeto, a coisa em si, ou a palavra escrita, fora do contexto da frase.

"Cada macaco no seu galho", o significado da palavra macaco, neste dito, ultrapassa a simples visão do animal. Como aqui se desenha este significante: o ma-ca-co?

A maioria dos desenhos foram feitos na folha livre, o da ilustração aconteceu após o conto da Chapeuzinho Vermelho. As professoras circundaram um balão de fala e colocaram a questão: "O que aconteceu com a vovozinha?", para as crianças responderem e desenharem.

Muitas ideias e memórias registraram a audição do conto clássico. Interessante observar esse registro feito por um aluno de 5 anos. Nele está a casa, da vovó, circundada por traçados coloridos de verde (a mata), azul (o rio) ou preto (sem vida = conceito de fauve = fera) que originam do começo do balão...

Relembrando a questão da fala do lobo, em uma das versões, que fala a Chapeuzinho indicando os dois caminhos: o das agulhas (mais longo) e o dos alfinetes (mais curto), mas, inverte sua indicação. E ele segue pelo caminho dos alfinetes. Falei para as professoras o forte indicativo de que o caminho pintado de preto é do lobo e o caminho colorido (verde e azul) e longo parece ser o da Chapeuzinho Vermelho. Foi a minha percepção e elas consideraram concordaram com esta percepção/interpretação.

Para saber melhor precisamos ouvir a criança. Enfim, cada desenho nos faz encompridar a conversa. Que delícia de aprendizagem vamos trocando a cada desenho e no conjunto de cada sanfona.

Referência
NÓVOA, Antônio (Org.). Os professores e sua formação. 3 ed. Lisboa: Dom Quixote, 1997.