A professora apresentou duas palavras escritas: boi e
passarinho, em duas cartelas de mesmo tamanho a seus alunos do Jardim I, ou
seja, para crianças de 4,6 a 5 anos. Antes perguntou se elas conheciam um e o outro
animal. E de alguma forma já tinham visto o boi e o passarinho.
A maioria dos alunos disse que na segunda cartela estava a palavra boi e a primeira era a do passarinho, tomando como referência os atributos físicos dos animais que relacionavam ao tamanho das palavras.

As crianças em idade pré-escolar “explicam” o nome dos
objetos pelos seus atributos, quando há uma profunda confusão entre palavra e
coisa. O realismo nominal
é uma característica do pensamento infantil em função do qual a criança
expressa dificuldades em dissociar o signo da coisa significada (Piaget, 1975).
O sujeito tende a conceber a palavra como parte integrante do objeto,
atribuindo ao signo características do objeto ao qual se refere. Piaget conceituou
dois tipos de realismo nominal: o ontológico e o lógico.
O “ontológico” consiste na confusão da existência, origem
e localização das palavras com os objetos a que elas se referem. Com crianças de
5 a 6 anos, Piaget (1975) percebeu que elas acreditavam que os nomes emanavam
das coisas e que se localizavam, de forma invisível, no próprio objeto.
O “lógico” caracteriza-se pela atribuição de um valor
lógico intrínseco à palavra. Para avaliar, Piaget (1975) pergunta:
"Poderíamos chamar o 'sol' de 'lua' e a 'lua' de 'sol'?". As crianças
afirmavam não ser possível chamar o 'sol' de 'lua' porque o sol é grande e brilhante
e não poderia diminuir para ficar do tamanho da lua. Piaget (1975) concluiu que
nessa fase, as crianças conferem ao nome características do objeto de tal forma
que, para elas, se o nome muda, alteram-se também as particularidades do objeto.
No realismo nominal lógico, com base apenas na memória, a
criança é capaz de aprender os nomes das letras, as letras iniciais de muitas
palavras, a emitir sons associados a certas letras ou mesmo a reconhecer muitas
palavras ou sílabas.
Carraher e Rego (1981) marcam estudos sobre realismo
nominal. A aprendizagem da leitura e escrita mostrava-se mais efetiva em
crianças que já haviam superado o realismo nominal lógico. Há correlação
positiva entre realismo nominal, leitura, escrita, consciência metalinguística
e consciência fonológica.
O teste sobre realismo nominal avalia o desempenho da
linguagem e da comunicação da criança; sua capacidade de compreender a relação
entre palavra escrita e a falada, base da linguagem escrita; observa a
consciência da palavra enquanto sequência de sons, a habilidade que distingue o
significante (palavra) do objeto que representa (significado), ou seja, envolve
a consciência da independência das características da palavra em relação às
características da coisa representada.
Sabemos que o leitor do sistema de escrita alfabético
precisa ser capaz de lidar com as características sonoras da palavra, de
focalizar o significante e distingui-lo de seu referente, o que pode ser até
muito divertido.
As crianças do Jardim I, investigadas pela professora, encontram-se
no nível icônico ou no nível pré-silábico, tomando como referência os primeiros
níveis de conceitualização da escrita. De acordo com pesquisas de Emilia
Ferreiro (1974; 1999), as crianças constroem hipóteses sobre este objeto de
conhecimento: o sistema de escrita.

Na fase pré-silábica
há dois estágios: no primeiro, a criança consegue diferenciar desenho de
escrita, mas, representa a escrita do modo que visualiza. Para ela coisas
grandes se escrevem com muitas letras e as pequenas com poucas letras (realismo
nominal). A leitura é global quando pedimos para que leia acompanhando com o
dedo, ela faz leitura horizontal sem separar sílabas e palavras.
No segundo estágio, conhecido como diferenciação qualitativa
inter-relacional, a criança compreende que coisas diferentes devem ser escritas
com nomes diferentes. Mistura letras, introduz outras, retira algumas, inventa
outras... E para ela, uma palavra não pode ser escrita ou lida com duas letras.
Uma palavra deve ter, no mínimo, três ou quatro letras (hipótese quantitativa).
O que ela sabe fazer ou perceber na fase pré-silábica:
- a escrita é uma forma de representação;
- usa letras ou pseudoletras, garatujas, números;
- não compreende que a escrita é a representação da fala;
- organiza as letras em quantidade (mínimo e máximo de letras para ler);
- vai direto para o significado, sem perceber a sonora;
- varia letras – AMTIOKT (borboleta);
- relaciona o tamanho da palavra com o tamanho do objeto (realismo nominal).
A criança traz conhecimentos espontâneos sobre a língua escrita, decorrentes
de informações recebidas do mundo letrado ou identificados no repertório da
família. O trabalho de alfabetização inicia-se com um diagnóstico destes
conhecimentos, dando corpo à didática da professora. Conhecer o contexto
cultural das crianças, assim como os modos de produção e de circulação da
grande variedade de textos valorizados pela sociedade, facilitam propor
atividades e tarefas realmente significativas para os alunos.
Algumas sugestões para a fase pré-silábica:
![]() |
Representar as vogais com o corpo.... |
- iniciar pelos nomes dos alunos escritos em crachás,
listados no quadro ou em cartazes;
- identificar o próprio nome e depois o de cada colega. Inclusive,
fazê-la perceber que nomes maiores podem ser de crianças menores e vice-versa;
- classificar os nomes pelo som inicial ou por outros
critérios;
- organizar os nomes em ordem alfabética, ou em “galerias”
ilustradas com retratos ou desenhos;
- criar jogos com os nomes (“lá vai a barquinha”, dominó,
memória, boliche, bingo);
- fazer contagem das letras e confronto dos nomes;
- confeccionar gráficos de colunas com os nomes seriados em
ordem de tamanho (número de letras).
- fazer estas mesmas atividades utilizando palavras do
universo dos alunos: embalagens de produtos usados em casa, panfletos, bulas, cupom
fiscal, receitas, listas de compras, outdoors, recortes de revistas
(propagandas, títulos, palavras conhecidas etc.), nomes de ruas e bairros
vizinhos etc.
O tempo para avançar de um nível a outro varia. A evolução pode ser
facilitada pela mediação da professora, sempre atenta às necessidades percebidas
na performance de cada aluno, organizando atividades e colocando,
oportunamente, os conflitos que conduzirão ao nível seguinte. O uso da
metodologia contrastiva permite que a criança confronte sua hipótese de escrita
com a forma padrão.
Na medida em que o aluno adquire segurança no contato prazeroso,
contextualizado e significativo com a língua escrita, a leitura flui melhor.
Por meio da leitura, o aluno adquire autonomia e competência escritora. Pouco a
pouco, o gosto, o interesse pela leitura, a habilidade de inferir e fazer
releituras, o leitor crítico surge.
Piaget (2000) esclarece a importância da
relação social no processo de aprendizagem. A inteligência humana somente
desenvolve no indivíduo em função de suas interações sociais. Os fundamentos
sociointeracionistas de Vygotsky (1988) também alertam sobre a importância da
relação do indivíduo com o mundo, pois é nesse espaço exterior que as funções
superiores se originam. O melhor deste movimento das aprendizagens das
professoras de educação infantil, de nossa escola, caracteriza-se pela vontade
de cada uma, a interação entre colegas, a ressignificação do processo de ensino-aprendizagem
e o desempenho das crianças colaboradoras que partilhamos durante a formação
continuada das professoras e coordenação.
REFERÊNCIAS
CARRAHER Terezinha Nunes;
REGO Lucia Lins Browne. O realismo nominal como obstáculo na aprendizagem da leitura.
Caderno
de Pesquisa, 39, p. 3-10, 1981.
FERREIRO, Emília;
TEBEROSKY, Ana. A psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artmed, 1999.
FREIRE, Paulo. A
importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 1997.
FREIRE, Paulo; MACEDO,
Donaldo. Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1996.
PIAGET, Jean. A
representação do mundo na criança. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1975.
____. Biologia
e conhecimento: ensaio sobre as relações entre as regulações orgânicas
e os processos cognoscitivos. 3 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
VYGOTSKY, Lev S. A
formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
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