Falar de
matemática para as professoras as faz suspirar de forma diferente, olhar para a
gente de forma diferente, e a se entreolharem também... Mesmo assim comecei a
desafiar o pensamento de modo bastante lúdico, e nessa descontração ajudei-as a
rever seu repertório de aprendizagens anteriores, pois considero a
indissociabilidade do professor pessoa e profissional como Nóvoa (1992, p.15), “o professor é a pessoa; e uma parte importante da pessoa é o professor”.
- quantos
algarismos tem o número 222? [afinal o que é algarismo, numeral e número? bem,
por exemplo, o numeral 6321 representa uma quantidade (número) e é escrito com
os algarismos 6, 3, 2 e 1, ok?]
- o maior
numeral de três algarismos? [surgiu o 999... e depois o 987]
- a metade
de dois? [bem mais rápida resposta]
- a
metade de dois, mais dois? [alguns engasgos, mas, nas pausas da vírgula deu para
solfejar].
- dei o
número 6321 e perguntei-lhes: quantas dezenas [saiu o 2, o não sei, o n.d.a.
(nenhuma das alternativas acima...); quantas centenas [3, 9, 32...]; quantas
unidades [6321 quase geral]; quantas milhares [sem pestanejar disseram que eram
6]. Depois riram, apesar de desconfiarem que só tinham acertado as unidades e a
casa dos milhares.
Conversamos
sobre o modo como a crianças constroem o conceito de número. Pegar, separar,
apertar, comparar, arranjar, distribuir, retirar, recolocar, movimentar novos objetos
e pensamentos, a criança realiza ações próprias, reordena elementos em um
conjunto, compreende inclusão, representa ideias e de brincadeira em
brincadeira, de exploração em exploração vai reinventando a aritmética e com a
mediação da professora, no meio das experimentações e trocas, o pensamento
matemático se desenvolve melhor ainda.
Na pausa
articulada entre ser criança, relembrar aprendizados e reescrever a função
docente do dia, fomos repensando os esquemas mentais básicos da criança em seu
processo de construção do número, discutindo os conceitos importantes de:
Correspondência
biunívoca, um a um, cada elemento de um conjunto corresponde a outro elemento
de outro conjunto, envolve a criança nos mais variados contextos: para cada
dedo, um anel; a cada caixinha, a sua tampa; a cada aluno, uma carteira; a cada
colher, um copo; para cada criança, um bombom.
Comparação:
estabelecer diferenças e semelhanças que envolvem noções de cor, tamanho,
forma, espessura, distância, quantidade etc. O tipo mais fácil é o que se dá
entre elementos da mesma espécie. A comparação é base do processo de
classificação, separar objetos em categorias de acordo com características em
comum.
Classificação:
envolve um agrupamento, segundo critérios próprios ou dados pelo outro, separar
objetos por semelhanças ou diferenças, reunir parecidos conforme atributos,
separar os distintos. As atividades de classificação possibilitam perceber e
agrupar características comuns em classes e subclasses, estabelecendo relações
e construindo noções. Classificar facilita a construção do número, a criança relaciona
a representação simbólica do número ao conceito de número na medida em que consegue organizar coleções que possa quantificar.
Conservação:
quando a criança percebe que a quantidade não depende da arrumação, forma ou tamanho
dos objetos. A invariância numérica (conservação) só é atingida quando a criança
concebe que apesar de misturarmos os elementos de um conjunto a quantidade
permanece a mesma. Só se modifica por adição ou subtração.
Inclusão:
a criança domina a estrutura de classe quando é capaz de incluir subclasses,
por exemplo: peças de blocos lógicos agrupar os parecidos, classificar
brinquedos, tipos de alimentos (doces ou salgados), em um cesto de frutas,
separar por cor, casca ou polpa, as cítricas (abacaxi, caju, limão, laranja,
acerola, ameixa etc.), as semi-cítricas (caqui, maracujá, maçã, goiaba, uva,
morango etc.), as doces (banana, mamão, figo etc.), oleaginosas (abacate, coco,
nozes, castanhas etc.), as hídricas (melão, melancia), mais de um nível de
complexidade na ação de incluir.
Sequenciação:
é o ato de fazer suceder a cada elemento outro sem considerar a ordem entre
eles, isto é, sem qualquer critério. Por exemplo: colocar várias bolinhas,
carrinhos, a chegada dos alunos na escola em fila, a entrada dos jogadores em
campo, repetir a sequência de luzes, sons, imagens ou letras apresentadas etc.
Seriação:
é a relação que a criança elabora para ordenar os elementos de um conjunto, sem
saltar ou repetir algum, de maneira que eles tenham um lugar definido e
invariável, seriar objetos segundo critério de tamanho, por exemplo, colocando
em fila do menor para o maior, enfileirar objetos do mais grosso ao mais fino,
do mais pesado ao mais leve, o que tem mais líquido ao que tem menos líquido, do
mais escuro ao mais claro. Desafio: adivinhar a lógica, o critério do sistema numérico,
por exemplo, por que o sete está entre o oito e o seis?
Número: é
a representação da uma quantidade. É no entremeio dessas diferentes noções que
se dá a construção do conceito de número. Uma estreita relação com a
conservação numérica, as operações lógicas de classificação (classe de inclusão
hierárquica) e seriação (relações assimétricas).
É preciso
apresentar algumas estratégias que facilitem a identificação de quantidades
considerando o conhecimento, o meio e os saberes das crianças. Por conhecimento,
tomamos como referência, um dos saberes necessários à prática docente: “não basta
ser apreendido (...) mas, também precisa ser constantemente testemunhado,
vivido” (Freire, 1996, p.47). E segundo Rangel (1992, p.102), “a condição
necessária para a construção do conhecimento matemático é, pois, a
possibilidade do ser humano estabelecer relações lógicas sustentadas na sua ação
transformadora sobre a realidade que interage”.
Sugeri
algumas atividades para as professoras, como:
- não só
trabalhar a escrita;
- não
utilizar objetos quaisquer;
- não
oferecer doses pequenas - até o nove, por exemplo;
-
trabalhar com estimativas etc.
- Quantas
pessoas – ou turistas - vêm aos domingos na Praia do Paraíso?
- Quantas
barracas há neste espaço de lazer?
- Quantas
crianças estudam na nossa escola?
- Tem
mais meninos ou mais alunos?
- Vamos
fazer um inventário de quantas colheres, canecas ou pratos têm na cozinha da
escola?
- Como
eles são distribuídos na hora da merenda?
- Ponto
de partida: as notações da criança (conceitos ou números);
- Ponto
de chegada: depende do planejamento/projeto pedagógico e a forma de mediação da
professora.
“É
interessante observar o que minha experiência discente é fundamental para a
prática docente que terei amanhã ou que estou tendo agora simultaneamente com
aquela. É vivendo criticamente a minha liberdade de aluno ou aluna que, em
grande parte me preparo para assumir ou refazer o exercício de minha autoridade
de professor. Para isso, como aluno hoje que sonha com ensinar amanhã ou como
aluno que já ensina hoje devo ter como objeto de minha curiosidade as
experiências que venho tendo com professores vários e as minhas próprias, se as
tenho, com meus alunos. O que quero dizer é o seguinte: Não devo pensar apenas
sobre os conteúdos programáticos que vêm sendo expostos ou discutidos pelos
professores das diferentes disciplinas mas, ao mesmo tempo, a maneira mais
aberta, dialógica, ou mais fechada, autoritária, com que este ou aquele
professor ensina” (Freire, 1996, p.90).
Referências
FREIRE, Paulo.
Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
NÓVOA, Antonio.
Os professores e as histórias da sua vida. In: __. (Org.). Vidas de Professores. Porto: Porto, 1992. (p.11-30).
RANGEL, Ana Cristina. Educação Matemática e a construção do número pela criança: uma experiência em contextos socioenconômicos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.
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