sábado, 26 de fevereiro de 2011

A batalha das boas palavras contra o poder bullying

Aluno do Ensino Fundamental II (15 anos)

Três vítimas para cada agressor é o número que Cleo Fante nos levanta após o período de sua pesquisa de 2000 a 2003, em escolas do interior paulista, além de nos dar um panorama mundial do fenômeno bullying nas escolas. As pesquisas que temos acesso nos indicam que esse fenômeno ocorre em 100% das escolas independente de serem das redes estadual, municipal, particular, ou de estarem localizadas em zona urbana ou rural.

Segundo o Departamento de Justiça dos E.U.A., uma em cada quatro crianças sofre bullying por outra na escola no período de um mês. E por lá também 75% dos jovens sofreram bullying durante a adolescência. A pesquisa do Center for Disease Control estima que 81% dos estudantes pesquisados admitiram praticar bullying. (Zawadaski & Moz, 2008)

O bullying nasce da recusa a uma diferença, da intolerância, do desrespeito ao outro. O agressor escolhe uma vítima para assediá-la, intimidá-la ou agredi-la repetidamente. Conta com uma rede de colegas que cooperam nesse ataque ou intimidação. Esses colegas fazem parte de sua gangue e estudam geralmente na mesma sala de aula da vítima. O agressor não tem dificuldades de aprendizagem, sempre passa de ano e sabe manter o seu poder no grupo.

Rede invisível do agressor - números da escola
Na escola chegamos ao número 34.9% vítimas típicas para 9.44% agressores, ou seja, há quase quatro vítimas para cada agressor. A faixa etária que mais concentra agressores é a de 15-17 anos. O gênero dos agressores é 65.27% do sexo masculino e 34.72% do sexo feminino.

O terror silencioso está a exigir do professorado maior atenção em seu projeto pedagógico. A sala de aula é o lugar que mais promove interações ásperas, veementes e violentas em nossa escola, por ser assinalada pela maioria do alunado (42,78%) e com predominância em 17 das 33 turmas pesquisadas (42.78%). Na maioria dos países o pátio do recreio é o lugar de maior incidência dos ataques bullying. E no Brasil, as pesquisas apontam para a sala de aula, pelo motivo de que a maioria dos professores desconhece a relevância do fenômeno e não sabe como agir ao se deparar com a questão. (Fante, 2008).

Na busca de modificar a realidade através do desenvolvimento do programa antibullying “Educar para a Paz”, uma escola do interior paulista que registrava uma vítima em cada quatro alunos, reduziu após o segundo ano de sua implantação, a ocorrência de bullying para uma vítima em cada 25 estudantes. A pesquisa favoreceu a reconstrução do processo educativo. Acena esperança para a comunidade escolar.

O que nos deixa feliz, em nossa escola, é que a maioria das turmas (87.87%) e do alunado (62.33%) aposta no trabalho educativo como melhor alternativa para minimizar ou acabar com o envolvimento bullying, incentivar aprendizagens e estratégias de convivência pacífica solidária. A orientação escolar é a melhor forma de intervenção para 209 estudantes (27.42%), seguida do desenvolvimento da consciência pessoal para 175 deles (22.96%), a orientação familiar surge como opção de 63 respondentes (8.26%) e 28 sugerem ainda movimentos de pacificação na comunidade (3.67%). A repreensão policial foi apontada como a melhor forma para modificar a realidade do bullying na opinião de 128 estudantes assim como a aplicação de penas escolares, indicada por 48 deles (6.29%), dentre elas enunciam a dita expulsão e sugerem o fracasso da escola


Um desafio se coloca: "quem educa o agressor"? Muitos alunos demonstram preocupação com essa questão. Sobre o enfoque, fiz duas postagens anteriores: "Bullying e a escola: discurso em curso" (uma parada reflexiva bem no meio da pesquisa para reler a escrita do alunado da Ilha de Caratateua e do alunado da Ilha de Cotijuba - novembro de 2010)  e em "Fenômeno Bullying: do lodo belas flores brancas" (quando iniciava a pesquisa em outubro de 2010).

O sexo masculino apresentou mais coerência em suas respostas (43.05%) do que o sexo feminino (45.01%). Ou seja, as estudantes demonstram ter mais dificuldade em assumir a identidade de agressoras ou de vítimas no cruzamento de suas respostas, porém, assumem mais a posição de vítimas provocadoras ou vítimas agressoras e preferem atitudes de espectadoras ou pacificadoras diante de uma briga na escola. Elas agem mais indiretamente ou de forma relacional e em grupo do que eles, que são mais diretos e preferem a agressão física, embora, na prática iniciante do bullying, prepondera a forma verbal, variando a ação simbólica em sua tipologia discursiva.
Aluno do Ensino Médio (18 anos)
O poder simbólico orienta o jeito feminino de ser ou o jeito de ser masculino, assim como suas funções maternas e paternas. O ambiente escolar parece modelar os “modos de ser” pela ordem cultural que reflete a agressividade masculina, a raiva ou a provocação feminina - apesar dessas mais sutis. Elas não são menos vingativas que eles.

A construção cultural dos comportamentos e ações possibilita uma reflexão sobre os processos de socialização infantil. A educação da emoção, o desenvolvimento da pessoa e a construção dos corpos relacionais favorecem o repensar das dinâmicas sociais, de gênero e de raça ajudando a equilibrar a agressividade no poder criador do indivíduo e em relações mais respeitosas e humanísticas com o meio e o Outro. Para Wallon, valorizar a outridade é a importante característica humana por que vivemos em sociedade, e assim nos construímos como pessoas.

Estamos bastante animados para iniciar o ano letivo com o tema “Educar para a Paz”, partindo inicialmente da integração entre projetos pedagógicos incluindo a parceria importante de professores de artes e educação física durante movimento de avaliação diagnóstica, turma a turma, em busca de reunir os saberes do alunado e situar o processo das interações e aprendizagens colaborativas.

Atravessando a negação e dispostos a enfrentar o terror silencioso podemos encontrar juntos boas estratégias pedagógicas, aqui deixamos a resposta de Dennis Saddleman (Zawadaski & Moz, 2008), sobrevivente do sistema de escolas residenciais do Canadá, lá onde milhares de crianças de origem indígena foram tiradas de seus lares e forçadas a frequentar tais escolas, muitas delas dos 5 aos 17 anos. Infelizmente, muitos estudantes foram abusados de todas as formas por aqueles que estavam na função de cuidadores/professores.

A batalha das palavras boas contra as palavras más
Lá fora, no campo de batalha
Havia uma guerra... havia uma batalha
Entre palavras boas e palavras más
Todas as palavras espirituais se ajoelhavam
De cabeça baixa
Murmuravam palavras silenciosas e palavras de oração
As palavras fortes ficaram ali, paradas, com suas lanças
As palavras fortes eram guarda-costas do chefe das palavras
O chefe das palavras falou palavras corajosas aos guerreiros das palavras
“Hoje lutamos por boas palavras
lutamos por bons pensamentos
lutamos por nossa língua”.
Do oeste vinham as palavras obscuras
Palavras ofensivas
Palavras raivosas
Palavras do mal
Palavras violentas
As palavras-líderes fizeram o primeiro enfrentamento
As palavras boas lutaram contra as palavras más
No campo de batalha, havia palavras cortantes, palavras açoitantes
E depois houve muitas palavras caídas
Em pouco tempo... o campo de batalha estava coberto de palavras sangrando
Palavras doendo
E palavras morrendo
A batalha chegara ao fim
Palavras sobreviventes cantavam palavras de vitória
Chegaram palavras de cura
Que trataram as palavras lesionadas
E sepultaram as palavras mortas
E então, entre amigos
Entre muitas famílias
Em todo o território
Houve boas palavras
Bons pensamentos
E boas línguas.


Referências
BASTOS, Alice Beatriz B. Izique. A construção da pessoa em Wallon e a constituição do sujeito em Lacan. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
FANTE, Cleo; PEDRA, José Augusto. Bullying escolar: perguntas e respostas. Porto Alegre: Artmed, 2008.
FANTE, Cleo. Fenômeno Bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2 ed. Campinas, SP: Verus, 2005.
SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Bullying: mentes perigosas nas escolas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.
ZAWADSKI, Mary Lee; MOZ, Jane Middelton. Bullying: estratégias de sobrevivência para crianças e adultos. 2a. reimpressão. Porto Alegre: Artmed, 2008.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Belém: a flor das águas

A nossa Escola esteve ontem, dia 18.02.11, reunida com o professor da Universidade Federal do Pará, Aldrin Moura de Figueiredo, do Departamento de História, que coordena o diretório de pesquisa História Social da Linguagem, no CNPq, e reúne pesquisadores de diversas instituições brasileiras, para saber mais sobre o nosso patrono, o professor Eidorfe Moreira.


A palestra de Aldrin precede às comemorações do centenário de nascimento do professor, em 2012, falecido em 1989, nos ajudando a reunir mais saberes acerca do “filósofo da Geografia”, no dizer do jornalista e sociólogo Lúcio Flávio Pinto, e também denominado carinhosamente pelo professor Benedito Nunes, pensador raro e um dos fundadores da Faculdade de Filosofia do Pará, como o “filósofo das águas”.

O nosso mestre das águas define assim a região amazônica, através de seus densos estudos: “em nenhuma outra região o rio assume tanta importância fisiográfica e humana como na Amazônia, onde tudo parece viver e definir-se em função das águas: a terra, o homem, a história. Aqui, mais do que em qualquer outra parte, será acertado dizer que o rio condiciona e dirige a vida”. (Moreira, 1989, p.63).


As ilhas que rodeiam Belém constituem-se como guirlandas a ressignificar a paisagem de nossos sonhos, até porque aqui a palavra-mundo ladeia, mergulha e ressurge das águas. Os corpos,  se relacionam semanticamente, sobremodo, a poética das águas amazônicas. Fruição imanente cuja tangibilidade sobrevive às contradições urbanas, atravessando suas cercanias com graça, leveza, verdades e esperanças.  Ressignificações importantes.

Novo tempo de estudos, metaforização, interfaces e discussões religam saberes e conhecimentos na Escola, alargando espaços internos e misturando-se na comunidade com o objetivo de valorizar ainda mais as aprendizagens de alunos e alunas, a ressignificar projetos pedagógicos, fomentar a plurissignificação do cotidiano ribeirinho, rediscutir as contradições urbanas - as mazelas da violência que assolam cotidianos.

As referências nos levam a viver a palavra criatividade, a conjugar o verbo fruir, a dar novos sentidos, sentimentos e asas ao pensamento multirreferencial, ao conhecimento integrado, à imaginação, enfim, nos permitem retextualizar a educação nas releituras das palavras natureza, cultura, sujeito ecológico, multiversos, vida.

A partir do olhar crítico de Eidorfe, e em sua expressão geográfica e esteta, as ilhas formam a guirlanda de Belém. A Belém sem montanhas, historicamente nasceu para o mundo de costa para o rio, pelo medo estratégico de seus colonizadores a esvair suas riquezas além-mar: madeira, borracha, ouro, ferro, frutos... É tempo de aprender, desconstruir, mas, ressignificar cercanias, imanências, sobrevivências e transcender.

Libertar-se da departamentalização do conhecimento. Movimentar memórias, combinando e religando pretéritos, quimeras e realidades, complexidades etnográficas....

Como filósofo das águas, o paraibano Eidorfe, descobre a Amazônia a partir da imagem de um igapó, assim reedita a Belém insular, a Belém das águas em sua poligrafia, como Irlanda ou Veneza dos sonhos a realimentar as paisagens de nossos e novos sonhos.

Donde Dubai surgiu? Multividência sobre delírios! Desertificada emerge como oásis nos Emirados Árabes, sonho de consumo de alguns. Bela ironia em termos de gerenciamento ambiental do novo mundo. Cidades educadoras... Para onde caminha a humanidade? O planeta responde.

Abraços complexos!


Referências
MOREIRA, Eidorfe. Obras reunidas. v.1. Belém: Conselho Estadual de Cultura/Secretaria de Estado de Educação/Cejup, 1989.


Imagem 2: http://www.zenitude.com.br/blog/wp-content/uploads/2010/11/abraco_arvore.jpg

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O despertar de Aspen: educação da emoção

O terror silencioso. A violência velada. Um mundo à parte. A desigualdade entre iguais. Os personagens do bullying na escola escolhem a sala de aula para melhor atuar à revelia do adulto simbólico. Aliás, a maioria dos atos de bullying ocorre fora da visão dos adultos. Subjacentes aos planos didáticos, as brincadeiras se disfarçam e ali definem as vítimas típicas, as vítimas provocadoras, as vítimas agressoras sob comando de seu predador, o agressor típico. É próprio da idade, e assim, brincadeiras aparentemente inocentes assumem, aos poucos, consequências morais e psicológicas graves.


A violência não é somente física. Criam-se situações onde o indivíduo sofre o que Bourdieu chama de "violência simbólica", cuja manifestação entre estudantes faz com que suas vítimas se sintam inferiorizadas, humilhadas constantemente seja por questões de raça ou gênero, com isso, afetam sua auto-estima e também por isso prejudicam não só seu desempenho escolar mas a forma de viver a vida e se relacionar com o diferente. Para ele, essas manifestações "nada mais são que a manifestação visível dos efeitos permanentes das contradições da instituição escolar e da violência de uma espécie absolutamente nova que a escola pratica sobre aqueles que não são feitos para ela".


Fiquei a pensar sobre o encontro desse ecossistema característico e os projetos pedagógicos. A forma de tratamento, as palavras no conjunto da turma, os dizeres expressivos,  os olhares silenciosos, as folhas em branco... Deparei-me com alguns sentimentos dos alunos na pesquisa que estou desenvolvendo na escola e do tipo: "eu não vô fala", "sou negro", "sou gay", "sou "thuana do setor", sou 157... Medo de uns e ousadias de outros. Os personagens dessa tragédia oculta se fazem presente e de forma segura situam-se no anonimato da pesquisa. Ficamos assustados diante de suas escritas, quem não fica?


Procurei algo que representasse as lacunas em branco deixadas por alguns desses personagens característicos, silenciosos, suscetíveis, perdidos em meio a tantos discursos, gestos e olhares entrecortados. Inverno rigoroso? Primavera sem pássaros? Pássaros sem asas. E de repente olhei para o ecossistema da escola e vi ali o verde do uniforme a ganhar tons acinzentados. É o verde-cinza!


Nessa associação do verde-cinza cheguei aos florais de Bach e deparei-me com a flor de aspen e a sua descrição promete a cura silenciosa de Bach. O verde desbotado de Aspen representa o medo silencioso das vítimas de bullying ressignificado. É a beleza do cinza no verde vinda da sabedoria, do húmus, do conhecimento, da cromoterapia...


Bela definição do medo típico de Aspen, em desequilíbrio, uma essência descoberta por Edward Bach, em 1935: "Tenho um pressentimento de que algo terrível vai ocorrer. Algo terrível vai bater à minha porta. À noite eu acordo apavorado. Algo me acomete de repente nos lugares mais estranhos e improváveis. Estou conversando com meus amigos em uma festa e de repente um medo pavoroso toma conta de mim. Eu não consigo definir o que se passa comigo. Sofro de calafrios, de suores noturnos. A consciência de minha mortalidade me invade diante da enormidade do universo como se eu fosse uma partícula de pó. É tão estranho o que eu sinto que não ouso discutir o assunto com ninguém" (Mariza Helena Ribeiro Facci Ruiz)


Aspen é um floral representativo da jornada do herói, "aquele que sai pelo mundo, passando por obstáculo e perigos em busca de um prêmio outro senão que o resgate de sua própria alma. Para resgatá-la precisará munir-se de coragem e audácia. Deverá facear a morte e percebê-la como um dos lados da mesma moeda, nada amedrontador em definitivo, mas a possibilidade de crescer e transformar-se. Um mergulhar nas águas do inconsciente não para deixar que elas nos submerjam, mas para fluir com elas, com muita alegria pelos caminhos que nos cabem e pelos quais nossa alma ansiou". (Ruiz)


Atividades de relaxamento ajudam não só a respiração como propiciam abertura para o nível intuitivo, facilitando fluência e criatividade, além de tornar o clima escolar mais pacífico e de qualidade. As melodias da natureza ou músicas instrumentais ajudam a aliviar tensões físicas. Tanto quanto os jogos pedagógicos que estimulem o compartilhar e ressignificam o competir. O alunado pode ilustrar ideias que ocorreram nas atividades de relaxamento ou vivências dos jogos pedagógicos.
 INDAGAÇÃO
Na morta biosfera
o fantasma do pássaro
inquiriu
ao fantasma da árvore
(que não lhe respondeu):
A Primavera já era
ou ainda não nasceu?

Carlos Drummond de Andrade – 1978

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Violência e Afetividade: palavras de impregnação mútua

O livro “A Semente: SOS Florestas”, de Eduardo Albini, serviu como pretexto para conhecermos a releitura de alunos e alunas do 4º ano do Ensino Fundamental e perceber, por intermédio de suas representações, as interferências entre conhecimento e desejo e de como percebem ali o próprio corpo enquanto lugar de experiência, caixa de ressonância emotiva e presença contínua do eu no mundo.

Sabemos que a relação do ser humano com o mundo é determinada pela linguagem nas suas múltiplas expressões: palavra, corpo e cultura. O corpo, sede da palavra e manifestação da cultura, manifesta sentimentos, evoca emoções, tece valores e, por isso, adquire habilidades sociais de exercitar processos criativos e comunicativos. A escola se insere nessa dialogia, reedita saberes e rediscute os processos perceptivos e comunicativos - inseparáveis da memória e dos sonhos - do eu no mundo, como exercício de habilidade social e autoria do pensamento.

Alunado meio agitado, meio quieto ou meio atento... mas, o meio dessas relações compõe a inteireza do ser. A leitura do livro de imagens de Albini faz parte da sequência dessa releitura do meio, também atrela-se à pesquisa em processo sobre fenômeno Bullying na escola. “A Semente” revitaliza os cuidados e sob perspectiva eco-relacional, porque busca estabelecer uma relação íntima de amor entre pessoas e vida em volta, entre humanidade e natureza, assim não separa o sentir do pensar e do agir, reconhece como inerente à condição humana.

A criança, o jovem e o adulto não aprendem destituídos de seu corpo, de seu desejo. A atenção se esvai. Na escola, o projeto AMA (Agentes e Monitores Ambientais), o projeto Horta e o Viveiro de Mudas possibilitam a percepção do corpo relacional e a figuração dos processos criativos atravessando questões intricadas do corpo sensível, corpo atuante e corpo pensante. O ciclo das plantas, o ecossistema, os cuidados mútuos fazem parte das vivências e releituras mediadas.

O ciclo da palavra, do corpo, das plantas e do meio cooperam no multiletramento e por múltiplas influências e conseqüências simultâneas ressonam na palavra-ação, palavra-encontro, palavra-valor, os ciclos-palavras articulados ao corpo-voz, corpo-vozes, corpo-ação, corpo-escrita inscrevem-se na dança da vida.

Aqui retrato da poética do corpo de parte do alunado do 4º. ano da escola, mas, algumas dessas representações não trazem o corpo de seu autor, porque se fazem corpo sublimado das coisas da vida, vamos re-olhar suas releituras e talvez nos descobrir nesse encontro:


O eu pode ser o pássaro no ninho, a planta no vaso, o carro na rua, o boneco sobre o Planeta, o cachorro, o pássaro, a flor enroscada no tronco da árvore ou a árvore cheia de lixo a seus pés, os braços abertos...


Sobre violência que atravessa os processos afetivos, esperamos aos poucos ressignificar a palavra pela fruição dos corpos. É possível!

O foco está na integração do movimento corporal das palavras, sons, cenas, cantos e encantos, memórias, desconstrução e processos criativos, a palavra-mundo de Martins (2008) nos re-liga à esperança: A ressonância da voz amplia a consciência criativa da dança do som dentro do corpo, nas suas relações com as estruturas musculares, ósseas e energéticas, com o tônus, o peso e o fluxo do movimento no espaço. Desde esta teia interconecta para a composição da dança-palavra-som através da ressonância vocal, alvorece o predomínio do sensório, da revitalização da experiência criadora por meio do corpo, de sua energia vital, sensações e impulsos, no processo de composição da palavra em cena, via dramaturgia corporal.

As crianças e jovens de todas as idades assim esperam!!! Afinal, "a linguagem não é apenas um instrumento, um meio, mas uma revelação do ser íntimo e do laço psíquico que nos une ao mundo e a nossos semelhantes" (Fazenda, 1979, p. 53).

Referência
ALBINI, Eduardo. A semente: SOS florestas. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
FAZENDA, Ivani Catarina Arantes (Org.).  Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia? São Paulo: Loyola, 1979.
MARTINS, Janaína Träsel. A ludicidade do jogo vocal no desenvolvimento da consciência criativa. Revista Científica FAP, Curitiba, v.3, p.25-38, jan/dez.2008.
PAÍN, Sara. Os fundamentos da arteterapia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Terra ou Lama Seca: projeto horta em questão

Casa Típica Ribeirinha - Local de Várzea

De professor para professor a fortalecer o bom exercício do ouvir, relacionar aprendizagens, contextos e vínculos com a vida. Discursos iniciais pautam experiências de 2010 com alunos e alunas da Escola Sede e em suas Unidades Pedagógicas situadas em quatro ilhas diferentes: Caratateua, Jutuba, Paquetá e Cotijuba.

Destaco dois dos bons episódios tecidos:

As professoras do Projeto Horta entrelaçam pedagogia, educação alimentar, saberes, sustentabilidade e o ciclo de produção de hortaliças nessas Unidades. Narram o desafio do quadro pedagógico. Aqui destaco, em duas delas, passagens narrativas e mediadoras do processo.

Unidade Pedagógica Jutuba II: de frente para o rio
Casas Palafitas. Rios como Rua. Escola sobre Águas. Encosta Verde. Encontramos o alunado que não gosta de comer verduras, aliás, sem costume. E a começar pela merendeira a dizer que sua alimentação básica, como a de todos dali, é composta de “camarão e farinha” ou “peixe e farinha”. O arroz e o feijão, como frutos de doações do pessoal da Cidade, jaziam esquecidos e bastante embolorados no armário.

Horta? O que é isso? Não, muito obrigada.

O projeto acontece no período de um semestre. A cada semestre mudam-se as turmas ou Unidades. Ciclo completo: diagnóstico do local, perfil do aluno, preparo da terra, escolha das hortaliças, semeio, desenvolvimento, colheita e a festa da colheita com a presença das famílias. Integração pedagógica.

Pois é...
Começam os diálogos de saberes.

Horta em paneiros. Outra alternativa.
Onde plantar na várzea? Horta suspensa. Onde colocamos a semente? As professoras começam o discurso da terra, do preparo e do semeio. As crianças ouvem, entreolham-se e nada entendem. O que houve? Elas são nativas. O que é Terra? Descobre-se logo em seguida com a exclamação relacional de uma delas: “Ah, Professora! É Lama Seca”. Assim ficaram mestras em aprender o linguajar dali. Currículo é vida.


Ao final do ciclo as famílias começaram a plantar dentro de troncos caídos, envelhecidos, renascidos com os cheiros das águas, vasos bem criativos e esteticamente arranjados. A florescer vidas. Equilíbrio e beleza.


A merendeira? Também adorou comer o espernegado de cariru. Os alunos saborearam com gosto o suco da horta: ali o de carambola com hortelã. Depoimentos reconstruídos. Envolventes. Objetivo alcançado.

Educar é aprender a cuidar. Também! A natureza foi generosa. A humanidade sorriu.

Outro episódio.

Alunos da Sede, na Ilha de Caratateua, colhem e catalogam sementes da praia e com elas representam imaginários. Ciência e arte. Ideias compatíveis com o meio. Emoções ressignificadas. Festejam ao final do ciclo com lanche servido à beira-rio e cujo horizonte delineia a paisagem de seus sonhos. Esperanças acenam no cotidiano irrequieto da sala de aula. Alunos ali reescrevem a sua história que se traduz na leitura de mundo a partir da paisagem natural modificada da praia. Tentativas anteriores de escrita e leitura se apequenam. A linguagem transborda. Os dizeres se encontram. Os motivos ensinam. A didática sorri.

Vejamos bem. A turma de crianças de 6 a 7 anos considerada como uma das mais indisciplinada pelas professoras regente, de artes e educação física é aposta de insucesso na praia. Mudança de ambiente. Desafio transposto. A imensidão das águas acalma. Não dispersa. Convida. Integra. Conteúdo apreendido. Dito. Reeditado. Desenhado. Escrito.


Meninos diziam que quem cozinha é "veado" ou "bicha"... Muitas resistências ainda em usar a touca na manipulação dos alimentos. Ao final orgulhosos exibiam-se e apresentavam ideias culinárias, comparavam-se aos badalados "chefs" Edu Guedes ou Olivier Anquier. Desconstruções interessantes.


Escola sobre águas e de frente para o largo e extenso rio. Aluno na ponte a nos acenar a paisagem dos sonhos. É possível! 
Unidade Pedagógica de Jutuba II. Refluxo. Vazante. Lama Seca.
Linguagens Múltiplas. Releituras.
Alegria na Escola. Cotidiano ressignificado. É possível!