quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Terra ou Lama Seca: projeto horta em questão

Casa Típica Ribeirinha - Local de Várzea

De professor para professor a fortalecer o bom exercício do ouvir, relacionar aprendizagens, contextos e vínculos com a vida. Discursos iniciais pautam experiências de 2010 com alunos e alunas da Escola Sede e em suas Unidades Pedagógicas situadas em quatro ilhas diferentes: Caratateua, Jutuba, Paquetá e Cotijuba.

Destaco dois dos bons episódios tecidos:

As professoras do Projeto Horta entrelaçam pedagogia, educação alimentar, saberes, sustentabilidade e o ciclo de produção de hortaliças nessas Unidades. Narram o desafio do quadro pedagógico. Aqui destaco, em duas delas, passagens narrativas e mediadoras do processo.

Unidade Pedagógica Jutuba II: de frente para o rio
Casas Palafitas. Rios como Rua. Escola sobre Águas. Encosta Verde. Encontramos o alunado que não gosta de comer verduras, aliás, sem costume. E a começar pela merendeira a dizer que sua alimentação básica, como a de todos dali, é composta de “camarão e farinha” ou “peixe e farinha”. O arroz e o feijão, como frutos de doações do pessoal da Cidade, jaziam esquecidos e bastante embolorados no armário.

Horta? O que é isso? Não, muito obrigada.

O projeto acontece no período de um semestre. A cada semestre mudam-se as turmas ou Unidades. Ciclo completo: diagnóstico do local, perfil do aluno, preparo da terra, escolha das hortaliças, semeio, desenvolvimento, colheita e a festa da colheita com a presença das famílias. Integração pedagógica.

Pois é...
Começam os diálogos de saberes.

Horta em paneiros. Outra alternativa.
Onde plantar na várzea? Horta suspensa. Onde colocamos a semente? As professoras começam o discurso da terra, do preparo e do semeio. As crianças ouvem, entreolham-se e nada entendem. O que houve? Elas são nativas. O que é Terra? Descobre-se logo em seguida com a exclamação relacional de uma delas: “Ah, Professora! É Lama Seca”. Assim ficaram mestras em aprender o linguajar dali. Currículo é vida.


Ao final do ciclo as famílias começaram a plantar dentro de troncos caídos, envelhecidos, renascidos com os cheiros das águas, vasos bem criativos e esteticamente arranjados. A florescer vidas. Equilíbrio e beleza.


A merendeira? Também adorou comer o espernegado de cariru. Os alunos saborearam com gosto o suco da horta: ali o de carambola com hortelã. Depoimentos reconstruídos. Envolventes. Objetivo alcançado.

Educar é aprender a cuidar. Também! A natureza foi generosa. A humanidade sorriu.

Outro episódio.

Alunos da Sede, na Ilha de Caratateua, colhem e catalogam sementes da praia e com elas representam imaginários. Ciência e arte. Ideias compatíveis com o meio. Emoções ressignificadas. Festejam ao final do ciclo com lanche servido à beira-rio e cujo horizonte delineia a paisagem de seus sonhos. Esperanças acenam no cotidiano irrequieto da sala de aula. Alunos ali reescrevem a sua história que se traduz na leitura de mundo a partir da paisagem natural modificada da praia. Tentativas anteriores de escrita e leitura se apequenam. A linguagem transborda. Os dizeres se encontram. Os motivos ensinam. A didática sorri.

Vejamos bem. A turma de crianças de 6 a 7 anos considerada como uma das mais indisciplinada pelas professoras regente, de artes e educação física é aposta de insucesso na praia. Mudança de ambiente. Desafio transposto. A imensidão das águas acalma. Não dispersa. Convida. Integra. Conteúdo apreendido. Dito. Reeditado. Desenhado. Escrito.


Meninos diziam que quem cozinha é "veado" ou "bicha"... Muitas resistências ainda em usar a touca na manipulação dos alimentos. Ao final orgulhosos exibiam-se e apresentavam ideias culinárias, comparavam-se aos badalados "chefs" Edu Guedes ou Olivier Anquier. Desconstruções interessantes.


Escola sobre águas e de frente para o largo e extenso rio. Aluno na ponte a nos acenar a paisagem dos sonhos. É possível! 
Unidade Pedagógica de Jutuba II. Refluxo. Vazante. Lama Seca.
Linguagens Múltiplas. Releituras.
Alegria na Escola. Cotidiano ressignificado. É possível!

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