quinta-feira, 13 de maio de 2010

Desenhos de crianças: poliédricos irregulares e possibilidades mil


Às crianças que nos falam: eu não posso desenhar ou eu não sei desenhar, o que lhes dizemos?

Essa é uma importante reflexão, pois, dela pode depender a fixação na incapacidade. Por que uma criança fala desse jeito? O que sente? O que vivenciou? Onde está seu bloqueio?

Se em sua vivência recebe palavras de estímulos para que se torne mais sensível ao meio, provavelmente, não pronunciará tais palavras.
- Paulina, olhe para isto: você percebe as delicadas diferenças entre a íris e a falsa íris?
- Toque este pêssego, Murilo, veja que sensação aveludada!
- Preste bem atenção neste silêncio e depois perceba a suavidade deste som...
- Consegue identificar cantos diferentes de passarinhos que estão neste aqui e agora - e "de árvore em árvore" deste quintal?

Se a criança não consegue expressar-se, alguma coisa afetou sua autoconfiança. Algumas crianças ficam presas ao que recebem do meio e se sentem incapazes de produzir qualquer coisa de modo independente. Desenhos só para pintar, copiar, completar tracinhos ou então recebem decalques. Ou ainda recebem críticas erradas dos adultos, “você vai aprender a desenhar melhor”, “seu desenho não é bastante bom”.
- Eu não sei [não posso] desenhar?
- O que você quer desenhar?
- Uma paisagem... (é muito vaga ideia, se faz necessário mediar...)
- Você me falou ontem sobre algo parecido com você ajudando a seu pai consertar o portão do quintal de casa...
- Vamos lembrar o que você fez? Como conseguiu ajudar? [segurava o portão... pegava o martelo...]
- O que você sentiu?
- O que foi que houve com o portão?

Deixar a criança se concentrar na experiência bem definida, colocando-se no mesmo lugar anterior. Se houver outro sentimento mais forte que o vivido, deixar as sensações, impressões e idéias virem à tona, observar, conversar e mediar, com tato e habilidade para não ser invasivo.

- O que pode abrir os cristais da imaginação? Uma música, uma sessão de relaxamento, um conto, uma poesia, uma imagem, uma palavra, uma frase, um gesto, uma dramatização...

Não podemos interferir na liberdade de expressão da criança, mas, podemos evitar a rigidez de sua imaginação.

A criança desenha o pai apenas com uma cabeça e pés, é o que pinta em sua percepção no momento. Ao invés de reclamar sobre tal representação, ou então, ignorar achando que faz parte de sua etapa atual, podemos tornar as relações com seu pai mais viva e facilitar alguns contatos mais significativos e definidos que trocam pai e filho entre si.

Uma figura de um homem levantando uma criança pode evocar boas sensações no menino, e podemos falar juntos sobre as mãos que seguram firme... Se for muito significativo o próximo desenho pode trazer o novo traço, o sentimento forte faz aparecer ou esconder...

A motivação para o trabalho criador acontece nas mediações. Nunca impondo, mas, aguçando as escutas sensíveis. O que mais ecoa na criança e em suas releituras do vivido? Também não é impor o nosso conceito de bonito, ou elogiar indevidamente os trabalhos artísticos da criança. Qual é pior: a discriminação ou os falsos elogios? Qual é o mérito? O esforço? A superação? O elemento criativo? A originalidade?
- Professora, olha como late o meu cachorro? [A criança que assim fala sempre se mostrou calada...]
- Olha o carro do papai? [As portas estão fechadas e seu pai está dentro dele? Não é perigoso deixar o carro em um lugar qualquer? Dá-se vazão e deixa rolar...]

O desenho chama a interpretação e cada pessoa pode ver algo diferente. Aos poucos a comunicação aperfeiçoa as formas de dizer através desse recurso. Os desenhos ganham valor pedagógico e mais comunicativo no cotidiano.

Na maioria dos desenhos das crianças as figuras estão viradas de frente para o “interlocutor” e muitas delas ficam em posição estáticas, não é mesmo? Se aparecer uma figura de costas pode indicar um traço criativo e original... Muitas vozes podem ecoar e é muito bom interagir entre colegas ou com o(a) professor(a).

Os desenhos das crianças são mais reais para seus sentimentos, suas emoções e seu mundo de experiências, do que a realidade dos adultos que para elas podem não ter significado. Ou seja, a criança não deve satisfazer o gosto artístico dos adultos.


Uma pergunta para você: com que idade parou de desenhar? Ou seja, seus desenhos são sempre os mesmos? Desde quando? Qual é o traço original do seu desenho? Alguém lhe apresentou um modelo? Você copiou e muita gente igual você?

E aí nos vem a tristeza? O desenho da maioria das pessoas é o mesmo: o sol, a casa, a árvore, a flor, a menina, o menino, a maçã, o elefantinho, o gato, a borboleta... Desenhos que não nos diferenciam. Por quê?

E nós na escola, o que fazemos continuamos valorizando a cópia, sem identidade, sem estilo? É difícil criar? É difícil escrever? É fácil ser autor? Por quê?

O que faremos daqui para a frente? Vamos delinear nossos traços? Vamos mostrar o nosso perfil? Redescobrir o nosso estilo? E os nossos alunos podem nos ensinar nessas interações necessárias e aprendentes.

É possível resgatar a nossa originalidade perdida nalgum lugar do passado. Ou, é tempo perdido, pois, já fixamos a nossa incapacidade (?). Redesenhar
a trajetória de curvas e outras linhas. Desenhos vividos, definidos, criativos, revisitados e ressignificados - para além do arco-íris...

Boa descoberta!

Imagem 2: arquivo pessoal: jardim de minha casa

6 comentários:

  1. Querida, entrei na brincadeira das "coisas sobre mim", só não convidei outras 3 ... fiquei sem saber quem. Dá lá uma lidinha? Beijos linda.

    ResponderExcluir
  2. Xi, seu comentário no meu blog não está visível... o que será que rolou? Beijos,

    ResponderExcluir
  3. Gostei bastante da sua explanação. O desenho, suas técnicas, análises e utilização é excelente para a Educação Ambiental

    ResponderExcluir
  4. Biosfera,
    É um prazer tê-los por aqui como novos colegas virtuais. Como é trabalhar em quarteto na blogosfera? Deve ser uma delícia... Quero participar das conversas virtuais do grupo. Eu atuo como coordenadora de Educação na Escola Bosque, mas, confesso que adoro trabalhar diretamente com os alunos de Pedagogia e principalmente com crianças da educação infantil. Sejam bem vindos! Abraços!

    ResponderExcluir
  5. Ei, moça! Quando eu crescer quero ser igual a vc! ;)

    ResponderExcluir
  6. Ei, moça! Sempre falo para as crianças nós temos muito mais a aprender com elas, embora sejamos crianças há mais tempo que elas, as novas gerações nos ensinam e nos fazem dar valor às pequenas grandes coisas. Uma delas é o valor da simplicidade e da simpatia.
    Estou sempre por lá na "pedra do sono", nos faz viajar bem e nos sentir em casa.
    Beijinhos!

    ResponderExcluir