sábado, 27 de novembro de 2010

Bonecas e suas histórias: o desafio da aprendizagem reconstrutiva

Aos interlocutores e, particularmente, às alunas da Pós-Graduação em Psicopedagogia que, na data de 26 de novembro, concluímos juntas o primeiro módulo do curso, meu agradecimento pela possibilidade de aprendermos umas com as outras através do estudo de caso nesse destaque.


Ao final algumas perguntas importantes como links abertos e às teias tecidas, por lá as possíveis asas à imaginação desdobraram-se: “qual é o teu nome? Como você se chama? Como ocorreu seu perfil no curso? Quais as palavras-chaves da disciplina?".


Com o objetivo de se perceber protagonista da própria história religando o olhar psicopedagógico necessário, após estudo de caso, passaram a (re)construir a própria imagem, através de bonecos ou expressiva representação ao sabor e temperatura do momento. Iniciamos o módulo dessa forma, assim como findamos, per-fazendo-se, mas, ao mesmo tempo, nos posicionando acerca da função do psicopedagogo, alicerçada principalmente em Alícia Fernández.


Tipicamente o estudo de caso, sobre problema de aprendizagem, nos leva a crer que “o prisioneiro é a inteligência e o carcereiro é da ordem do desejante mítico” (Fernández, 2001b, p.143) e que precisa ser libertado. Em qualquer drama humano, o saber tem um lugar privilegiado porque se vincula a todas as proibições e a todos os mitos. Nossas histórias se entrelaçam, se esbarram ou também nos libertam, mesmo sem perceber.


O caso conta a história de Máximo, um menino que não sabe ler aos oito anos e meio, encaminhado à psicopedagoga pela professora, o problema simbioticamente se enreda no conteúdo materno e o caso aparentemente, no tempo da escola, perdura por dois anos.


- Que tempo ansiamos para que um caso se resolva?
- Qual é a medida do nosso tempo?


Moreno (1983) criador do psicodrama postulou acerca da saúde emocional quando favorece o “treinamento da espontaneidade” e dela a expressão livre do sujeito ator-autor, e que se relaciona à palavra-mundo “ressignificado” de Fernández (2001b).


Descobre-se que Máximo não só copia, ele sabe ler, a partir do esquema de significação-ação e em forma da transposição didática, cachorrinhos passaram a ser personagens humanos. Máximo não escrevia e havia resistido a desenhar. Como então poderia ressignificar-se? Talvez morando no brincar a expressividade desse as pistas. O brinquedo - enredo - atravessou personagens da TV.


Contava histórias. Histórias misturaram-se ao conteúdo mítico, de seu imaginário e amalgamadas por outras da TV. A recriação acontece sob olhar do psicodrama, porque ali se privilegiou a transposição dessa história, inventada como metáfora - pelo menino e à psicopedagoga que lá gravava toda conversa, depois escrevia à máquina e essas histórias transcritas pousavam ocasionais sobre a mesa ao alcance de Máximo. Mas como se ele "não pode" ler?


No reconto, houve um engano meio assim sem querer da mediadora, Máximo toma a folha e lê o que ali estava, porque esse conto ressignificado era a sua história, bastante distinta do que o sintoma nos revelava. Máximo não sabia que lia. Ali ele leu escutando sua voz e de repente leu o que estava escrito e em uma folha de papel deixada - meio sem querer - sobre a mesa.


O gravador foi tomado sutilmente como subjétil, assim tornou-se projétil do desejo de ler aprisionado de Máximo. Construiu-se um espaço novo, na intervenção, menos contaminado pela culpa ou proibições.


[A mãe de Máximo, melhor aluna da turma, engravidou quando cursava o último ano, equivalente ao ensino médio, de um colega de sala e de uma escola de elite, o pai do garoto instruído por seu pai disse que ele não podia saber se era o pai, o pai da mãe a expulsou de casa chamando-a de cadela, além de lhe dizer caso insistisse em ter esse filho, que deixava ele de ser o seu pai. Ela encontrou o pai adotivo do menino e casaram antes mesmo dele nascer. Nove anos depois, sua mãe recorda passagens esquecidas e que dificultaram a aprendizagem do filho].


[Aos cinco anos de idade, a mãe lê uma carta do pai ao filho (querido filho, eu sou seu pai ainda que você não saiba. Eu era estudante e não pude responsabilizar-me como pai...), e de novo se percebe envolta copiosamente por conteúdo extremamente dramático. O trauma de saber que o pai não era seu pai, que parte de sua história lhe foi ocultada e o estado emocional da mãe fizeram com que Máximo sugerisse à mãe, já que seus irmãos mais novos nada sabiam, que juntos queimassem a carta e o problema teria assim desaparecido].


A leitura ficou como um não pensável aos cinco anos de idade. O que segreda o segredo?


- Como podemos culpabilizar uma criança por seu aparente fracasso?


A história envolve a todos em seu detalhamento e por compreenderem o importante papel do psicopedagogo e sua relação ética com a professora e a escola - e logo no primeiro módulo do curso.


Na atividade de construção dos bonecos, último dia do módulo, no embalo do jogo simbólico e do jogo mítico, o conteúdo remetia-se ao que também atravessou a história do menino Máximo no episódio vivenciado no psicodrama, por ocasião da importante transposição da história de cachorros em pessoas. As representações tem valores e significados. As palavras seus sentidos imbricados e imbrincados.


As alunas protagonistas da Pós, sim só tinham mulheres ali em sala, sentem-se à vontade de tornar público seu sentimento diante do outro, passo esse a desaprisionar formas de pensar ou desatar nós. E entre o possível e o provável o cenário liberta. Nesse repente o que é impensável pode tornar-se pensável. Inclusive na assistência de uma plateia que se despoja e se percebe no Outro. O publicável na roda de conversa faz com que outros aprendam a olhar de outro jeito todo o fenômeno psicológico que nos envolveu, ouvem-se partes das histórias dessas bonecas ressignificadas.


A leitura de bonecos. A leitura da palavra gravada.
A leitura fora do papel ou da tela.


Combina-se releitura com processo lúdico que permeiam toda criação, e aí lança-se mão do humor e encantamento, como elemento de prevenção e descontração contra o estresse cotidiano, e nesse caso depois de uma atividade intensa de estudos, reflexões, desconstruções e ressignificações.


O psicodrama é um projeto que nos chama à responsabilidade na condução e mediação de um trabalho no coletivo, ou clínico, tão rico em relação a outro ser humano que está aprendendo a chamar o seu próprio nome, a se re-conhecer no contexto.


Antes de escrever sobre si mesmo, solicitei a todos que representassem a si mesmo através de bonecos e ao estilo próprio, subsidiada em Moreno para quem “o ato é anterior à palavra e a inclui”.


Construir bonecos facilita esse mergulhar-se, resgatar a própria história, assim o despojar-se pode fluir e acontecer, mesmo que através do se dispor a ouvir o outro. No aparente silêncio. Como psicopedagogos aprendemos a ouvir os motivos do outro que podem estar impedindo o superar-se. Entretanto, somos resilientes. A escuta psicopedagógica capta o sintoma, como nos mostra Fernández em nossas re-descobertas, e faz com que o conteúdo desse conflito de repente tome corpo nessas dinâmicas.


A linguagem corporal ou verbal, através da construção do boneco, da representação de nosso eu, do nome que nos constitui, reflete as contribuições que o psicodrama traz à aprendizagem. Cada um se reconhece no objeto de criação. As experiências, os desejos e as fantasias se imprimem nos detalhes e se contextualizam. A linguagem re-busca e comunica parte de uma necessidade pessoal e que assim busca fazer sentido.


O sujeito produz sentidos ao que, talvez, ainda não tivesse sido nomeado, chamado por ele mesmo. E se desenhássemos o que construímos. Novas linguagens recriam o sentido. Brincos no lugar de olhos, flores amazônicas nas representações dos corpos...


A sexta experiência vivenciada em turma de Psicopedagogia foi boa, pois, as aprendentes foram co-oper-ativas - para Piaget, significa - pensar e agir em conjunto.


Bonecas tiveram cheiros, cores, formas, texturas e falas próprias. As imagens falam por si. 


Referências


FERNÀNDEZ, Alicia. A inteligência aprisionada: abordagem psicopedagógica clínica da criança e sua família. Porto Alegre: Artmed, 1991.
_____. O saber em jogo: a psicopedagogia propiciando autorias de pensamento. Porto Alegre: Artmed, 2001a.
_____. Os idiomas do aprendente: análise das modalidades ensinantes com famílias, escolas e meios de comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2001b.
_____. Psicopedagogia em psicodrama: morando no brincar. Petrópolis: Vozes, 2001.
MORENO, Jacob Levy. Fundamentos do psicodrama. São Paulo: Summus, 1983.
_____. Psicodrama. São Paulo: Cultrix, 1997.
PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: LTC, 1990.
WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

sábado, 20 de novembro de 2010

Releitura de Chagall: identidade e reciprocidade

A pagar sem ver... (hic et nunc)


Inspirada em Nietzsche, solicitei como professora aos alunos para ler a reprodução “Eu e a Vila”, de Marc Chagall (1911), a fim de iniciarmos a discussão sobre autonomia e corpo relacional como vínculos importantes para fundamentar conhecimentos da Psicopedagogia, nas passagens sobre a relação da auto-imagem e auto-estima como bases da construção da pessoa e a constituição do sujeito.


Educar é ensinar a ver, também sabemos que “só se vê bem com o coração” (Saint-Exupéry). Escolhi essa imagem como leitura a nos conectar com a vida e os saberes que nos atravessam nela, Chagall aqui nos ajuda a construir a teia do conhecimento.


E a conversa foi muito boa. Através da tela à discussão perpassa conceitos de educação ambiental e psicopedagógicos, provoca questionamentos reconstrutivos e de nossa identidade a partir do nome próprio e suas possibilidades de nos religar ao mundo, assim vai se rompendo com a estrutura “eu-mundo” para uma complexidade do “eu-outro-mundo”, e nesse reinventar-se a teia se horizontaliza, entra nas diagonais, transversaliza e atravessa a compreensão da relação do sujeito como autor, considerando ainda o social como contexto e a aprendizagem como processo.


Para nós que vimos acompanhando a mudança na história da educação brasileira que nos encheu de questionamentos antes e depois do movimento das “diretas-já”... A década de 80 foi um marco nas leituras, fomos libertados pelo conhecimento para podermos “ver” melhor.


O sujeito histórico nos faz repensar a nossa identidade brasileira que se constrói a partir das leituras...


A vila, o burro, o homem, o verde, os fenômenos... Chagall que mistura em sua arte conhecimentos do Fauvismo e do Cubismo, atiça nossa imaginação e dá autonomia aos personagens de nossa realidade, e porque vai ali nos situando em nosso meio, evoca memórias e nos faz compreender a palavra "autonomia", (re)conhecida da ciência, as aprendências do olhar e a sabedoria do re-olhar, relaciono aqui à conceituação de Pedrosa (1968) de que “a arte é um exercício experimental da liberdade”.


Ali nós os aprendentes-ensinantes compartilhamos saberes relacionados às experiências de leitura e Vida. Chagall nos ajudou a reler e a nos conhecer mais, assim como nos inquietou a buscar novas leituras.


A imagem puxou imaginários, abriu as portas da imaginação... linguagens revisitadas ou descobertas a acelerar, desacelerar, inquietar, reinventar a Vida... e nessas promessas, as releituras desdobram-se nas linhas, pautas, ensaios, não-ditos, hachuras, borrões, planos, pontilhados, tramas, tessituras, trilhas redefinindo um contexto, a teoria dos discursos, o agir comunicativo, a aprendizagem situada que vão se materializando no campo dos possíveis da pedagogia dos projetos.


A identidade é construída e reificada continuamente. As linguagens nos entrelaçam nesse movimento. Somos seres inacabados dentro de sistemas inteiros de atividades e formação de identidades.


Como educadores aqui estamos, traduzidos por Nietzsche, na tarefa de “ensinar a ver” enquanto aprendentes dessa trama social, construindo a pessoa e nos constituindo sujeito de nossa história.


- Qual é o teu nome?
- Como você se chama?
- Como o outro te chama?
- Como você gostaria de ser chamado pelo Outro?
- Qual é a história do teu nome?
- Como você ilustra o teu nome?


- Quem é a criança?
- Como ela se chama?
- Como o outro a chama?
- Como ela gostaria de ser chamada?
- Qual é a história do seu nome?
- Como ela ilustra o seu nome?


Reciprocidades...


E a história do Patinho Feio, de Hans Christian Andersen.
As cinzas da Gata Borralheira...
O caminho das agulhas preterido pelo lobo da Chapeuzinho...


Qual é o lugar do negro na literatura infantil? Ufa!!! Nós temos Ziraldo e Ana Maria Machado.
Auto-imagem + Auto-estima = AUTONOMIA, base das aprendizagens...


Como poderei construir a minha própria palavra?
De onde vem a autoria em nossas histórias de submissão?


- “Eu fico com a pureza da resposta das crianças...”


- E o burro na aldeia de Chagall, o que tem a nos dizer?


- “Não me convidaram, p’ra esta festa pobre que os homens armaram pra me convencer, a pagarsem ver’...”.

A tela diz tudo! Sem palavras...

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Psicopedagogia: reacendendo o cântaro

Entre pilhas de livros, baú aberto de ideias abertas, fruição pedagógica, didática destilando, o esvair-se que se vai misturando e me faz pensar naqueles que estarão comigo dentro em pouco, na troca de olhares e tantos dizeres, aprendendo a re-olhar as não-aprendizagens, mas tomando como referência também a si mesmo nos processos do aprender. Nessa expectativa da hora de estar com eles, uma vez mais, volto a sonhar diante dos interstícios de realidade e cotidianeidade a nos permear.


Daí vem a esperança do novo - na interação.


Animada pelas respostas dos colegas e suas congratulações enviadas e recebidas ainda nesta manhã, através de e-mail direcionado, sobre esse processo gravídico e que me torna a pensar ser a mais feliz das criaturas resolvi aqui postar o que a eles enviei... como tantos outros em alguma de suas passagens. Sou mãe duas vezes. Talvez pense estar fugindo do tema do blog ou recriando estilo.


Recoloco aqui, porém, com nuances nesta roupagem distintas e necessárias, buscando a clareza do discurso:


Reinicio hoje as aulas da Pós-Graduação depois de um pouco mais de um ano afastada da função. Fui chamada pela instituição de ensino superior na qual trabalhava, mesmo que tenham deslizado na prestação de contas. Tudo resolvido. Melhor ainda o convite recebido. Revigorando a estima.


Pela dificuldade que hoje ainda estou acometida, devido a cirurgia nos joelhos e o tempo relativamente longo da recuperação, espero que seja temporária ao que falta normalizar nessas caminhadas e flexibilidades, abriram-me por lá espaços de acessibilidade e possibilidades, até porque liberada pelo médico a trabalhar - ainda dentro dos limites.


Volto feliz até porque inicio a nova turma com o módulo de "Fundamentos da Psicopedagogia". É a sexta turma da instituição em Psicopedagogia, e a sexta turma que lá estou.


O resgate inicial é sobre a autonomia e a autoria - através do "quem somos nós" que advém da questão: "qual é o seu nome e como você gosta de ser chamado" - aspectos vocacionais que se misturam e atravessam sentimentos, afetividades e sede de conhecimento. Pois, "só conhecemos com o outro". E logo adiante a construção do boneco de si mesmo, com elementos que qualificam e mostrar-se-ão ao outro - na relação vivida-percebida-concebida (aspectos do psicodrama).


A pedagogia atua no campo da ensinagem (métodos e estratégias de ensino), a Psicologia no campo do desenvolvimento da psique humana, a Psicopedagogia não se dedica a problemas psicológicos ou a conteúdos programáticos.


O que pode ensinar é sobre a tarefa primordial do diagnóstico - que é resgatar o amor!!!


Como educadores (educa-a-dor) carregamos nas tintas do desamor, das queixas... Pouco analisamos sobre o que falta, onde o saber-sabor se evidencia, onde está e onde o amor bem ali é resgatável, pensável que nos escorrega ao nível dos impensáveis ou não-pensáveis.


É o fio da vida de Ariadne em seu símbolo que acolhe, inspira e direciona Teseu a seus principais objetivos (na parceria, na mediação), lá se foi solitário na jornada heróica... depois resgatada pelos desejos e êxtases de Dionísio, que ensinou a bondade sem abrir mão do prazer e da auto-estima...

Lição revisitada e que nos leva às saídas necessárias do labirinto que nos encontramos em determinadas situações. A compreensão nos faz humanos, o auto-conhecimento advém desse resgate, do (re)encantamento.


Trago aqui as músicas que nos acordam diante dos impensáveis e nos faz percorrer o território das aprendizagens:


"Todos os dias quando acordo
Não tenho mais o tempo que passou
(...)
Nosso suor sagrado
É mais belo
Que esse sangue amargo
E tão sério
E selvagem! Selvagem! Selvagem!
(...)
Somos tão jovens...
Tão jovens! Tão jovens!"
(Tempo perdido - Renato Russo)


"Mas é claro que o sol
Vai voltar amanhã
Mais uma vez, eu sei...


Escuridão já vi pior
De endoidecer gente sã
Espera que o sol já vem...


Tem gente que está -
Do mesmo lado que você
Mas deveria estar do lado de lá
Tem gente que machuca os outros
Tem gente que não sabe amar...
(...)
Confie em si mesmo...
Quem acredita
Sempre alcança...
(Mais uma vez - Renato Russo e Flavio Venturini)


Mas, a gente pode resgatar pelo amor. Essa é a função do diagnóstico. Nossa persistência nas aprendizagens da Vida: [no que chamo, vivo e clamo - e por conhecimento de Hugo Assmann e Humberto Maturana] - nas Aprendências!


Assim sou e estou...

As imagens, que aqui aparecem, retratam um de meus retornos à Terra Natal, em passeio pela Estrada da Graciosa, no litoral paranaense. A imagem 1 é de uma das formações na escola em 2007 e a imagem 2 referente a uma das aulas na graduação de "Fundamentos da Alfabetização".

domingo, 14 de novembro de 2010

Bullying e a escola: discurso em curso

À pergunta "O que poderia ser feito para resolver esses problemas?" presente no questionário sobre bullying aplicado aos 477 alunos respondentes da escola, até então, que discursam sobre o fim da violência com o aumento da repressão ou pelo discurso interminável de regras de convivência e moral. Nessa maioria, poucos colocam acerca dos aspectos formativos da consciência e cidadania, mas, dão muito enfoque às questões das justiças dos homens ou com as próprias mãos, da polícia ou por força e desejo da criação de nova Lei, ou se percebem confusos, esvaziados e alheios ou tomados de surpresa pela consulta feita, percebidos por alguns em brancos, uns "não sei" ou transferência do saber aos adultos da escola como tábua de salvação... vez ou outra ainda aparece o discurso sem definição ou da culpa atribuído à família do outro e bem menos à própria.


Nessa parada de meio do caminho, rumo à leitura sistematizada dos dados, sinto-me feliz com algumas das respostas obtidas de alunos da Ilha de Cotijuba que cursam do sexto ao nono ano do ensino fundamental. Impressionada, sobretudo, com a comparação dos alunos da Ilha de Caratateua que faz divisa com o bairro de Icoaraci de Belém pela ponte "Enéas Pinheiro". Para Cotijuba e lá de Icoaraci leva por volta de uma hora no barco da escola.


Ali, nas respostas dos alunos de lá, vejo esperanças na conversa e na família pelos valores reeditados em discursos, depositando também alguns créditos à escola e à política:


- "conversar com os alunos sobre esses fatos que podem ou já aconteceram com alguém..."
- "humilhar pessoas não resolve muitas coisas..."
- "colocar a escola na rua..."
- "os pais devem ensinar seus filhos a ser boa pessoa"
- "se os parentes das famílias se reunissem para conversar com quem tava brigando e decidissem juntos..."
- "se houver discussão entre prefeitos para acabar com as violências, os apelidos. É muito difícil fazer isso, mas, é necessário..."
- "os professores estão na escola para ensinar e não deixar os alunos fazer besteiras. Eles dão um bom ensinamento, às vezes os alunos é que não dão ouvidos, acham que o que fazem é que está certo"
- "acho que não devemos nos intimidar por pessoas maiores que nós ou não tão grandes..."
- "as pessoas poderiam mudar, parar de querer só se sentir e ser mais compreensivas, assim teríamos um mundo melhor. Eu já errei na vida e não gostaria de errar de novo"
- "particularmente, acho que as pessoas têm que entender que ninguém é melhor do que ninguém, somos todos iguais e por sermos todos iguais não devemos machucar, violentar e discriminar"
- "poderíamos todos da escola tentar botar consciência na mente das pessoas para dizer a elas que não é só com agressões, racismos ou colocar apelidos nos outros que se resolvem os seus problemas, mas através de conversas, conselhos e outros modos mais delicados de resolver os problemas".


Nas entrelinhas desses discursos pude ainda perceber muitos valores atravessados pelas leituras de mundo, certa ingenuidade sustentada e muita esperança nas pessoas. Em passagens dessas leituras o que também me encantou ver é por conta da preocupação enunciada com o agressor e na esperança do diálogo:

- "podemos ajudar as pessoas que agrediram as outras pessoas"
- "dar mais atenção para o agressor, bons conselhos podem resolver o fato..."
- "ter uma sala para as pessoas agredidas e a pessoa que fez fosse pega estar com alguém mais experiente para conversar"
- "o agressor que provocou briga poderia pensar mais um pouco e ficar longe da pessoa que quer violentar, porque a briga começa com um simples gesto, podemos sim evitar brigas fazendo reunião com os coordenadores da escola para evitar certas emoções"
- "nós os alunos podemos ajudar conversando com o provocador..."
- "fazer passeios em duplas, entre aqueles que ficam se batendo, e talvez acabem esses problemas..."
- "fazer reunião com quem sofreu alguma agressão e com quem agrediu para conseguir uma convivência pacífica".


Diante dessa temperatura escrita e relida, senti renovados desejos de estar ampliando conversas com os alunos e a partir deles construirmos projetos a serem efetivados através do planejamento 2011. A escola conversando com alunos e aprendendo a reescrever a história que todos protagonizam. Nesse embalo - dos olhares e outros dizeres do alunado dentre eles a linguagem figurativa dos desenhos - se perspectivam nossas expectativas de um mundo mais humano a partir da escola ribeirinha da Amazônia. Muitas ideias se entrecruzam nesses seus discursos e os adultos aqui representados pelos profissionais da escola podem ajudar a tecer pensamentos, cotidianos e sonhos.


No percurso desse processo diagnóstico e nessa parte da amostra de uma clientela de mais de dois mil alunos, embora nos faltem mais quatro turmas, aqui nesse intervalo resolvi escrever sobre a maravilha dessa fase. Em Caratateua, o enfoque tem sido mais da violência e da punição, e em Cotijuba, o enfoque do alunado dá nos conta de respirar mais os ares bucólicos da Ilha, banhar a pontinha dos pés nas águas, ir mergulhando aos poucos naquelas águas menos afetadas pela Metrópole Belemense ou arredores e recolocar a linguagem dos valores, do olhar compadecido também voltado ao agressor e nas possibilidades do reencontro da paz, da alegria da convivência.


Nossas crianças e jovens de Caratateua retratam mais a violência, o soco, a raiva, a desolação, a dor, a falta de perspectiva, a desconfiança, a vigilância constante e a repressão policial como tábua de salvação, dores sobre dores... Penso eu por aqui e neste momento, que há muita influência dos sentimentos humanos atravessados pela cobiça, inveja, ciúmes, desamores, talvez advindos de rompantes capitalistas ainda desenfreados que contribuem para o crescimento da violência e que, nos ares de lá de Cotijuba em cujo território automóvel ainda não chega, pairam alternativas dentre opções de se andar a pé ou de bicicleta, de cavalo ou charrete, apesar de algumas motos já invadirem aquelas ruas de chão batido ou trilhas, parece que não chegaram nesses retratos do cotidiano os tais rebatimentos de Caratateua - dor com e pela dor -, pensa-se na paz e no amor, na conversa e no perdão.


O que o mundo tem feito pelos nossos jovens? a poesia aparece fugindo de discursos ou imagens, imaginários manchados de sangue, assim o bullying – em seu conjunto de violências intencionais e repetidas – atravessa a página ou a tela e pode nos chegar na versão de que isso tudo é normal...

[nesse desenho acima, repare só no sangue logo abaixo das narinas do boneco menor, e veja a simulação do movimento das mãos do maior, embora ainda nesta cena as personagens se coloquem de frente ao leitor, pois, a criança faz desenho ou escreve ao professor, seu interlocutor primeiro, não descobriu ainda que os personagens precisam se relacionar entre si, os pés dos bonecos, apesar do corpo frontal, ainda estão de perfil para a direita - onde sequer o perfil se encontra com o do outro - com a continuidade e a interação bem mediada os traços se aperfeiçoam e não se esgotam, é o processo cognitivo e a criatividade em ação. Estágio bem diferente dos pés dos bonecos da imagem 1 que voltam-se ao personagem central e da imagem 2 que estão interagindo com personagens também de perfil]


Que mundos são esses separados pelas águas paraoaras da Amazônia, pertencentes a duas Ilhas diferentes nos arredores do Distrito de Icoaraci, que para chegar a uma atravessa-se a ponte e a outra se atravessa de barco? Lindas praias e paisagens...


Vamos por aqui inscrevendo nos ares e respirares mediante turbilhão de sentimentos, relações históricas e culturais, clamando pela poesia por acreditarmos no reencantamento.

As imagens que aqui aparecem são desenhos de crianças de nove anos e que cursam o 3o. ano do ensino fundamental.