A pagar sem ver... (hic et nunc)
Inspirada em Nietzsche, solicitei como professora aos alunos para ler a reprodução “Eu e a Vila”, de Marc Chagall (1911), a fim de iniciarmos a discussão sobre autonomia e corpo relacional como vínculos importantes para fundamentar conhecimentos da Psicopedagogia, nas passagens sobre a relação da auto-imagem e auto-estima como bases da construção da pessoa e a constituição do sujeito.
Educar é ensinar a ver, também sabemos que “só se vê bem com o coração” (Saint-Exupéry). Escolhi essa imagem como leitura a nos conectar com a vida e os saberes que nos atravessam nela, Chagall aqui nos ajuda a construir a teia do conhecimento.
E a conversa foi muito boa. Através da tela à discussão perpassa conceitos de educação ambiental e psicopedagógicos, provoca questionamentos reconstrutivos e de nossa identidade a partir do nome próprio e suas possibilidades de nos religar ao mundo, assim vai se rompendo com a estrutura “eu-mundo” para uma complexidade do “eu-outro-mundo”, e nesse reinventar-se a teia se horizontaliza, entra nas diagonais, transversaliza e atravessa a compreensão da relação do sujeito como autor, considerando ainda o social como contexto e a aprendizagem como processo.
Para nós que vimos acompanhando a mudança na história da educação brasileira que nos encheu de questionamentos antes e depois do movimento das “diretas-já”... A década de 80 foi um marco nas leituras, fomos libertados pelo conhecimento para podermos “ver” melhor.
O sujeito histórico nos faz repensar a nossa identidade brasileira que se constrói a partir das leituras...
A vila, o burro, o homem, o verde, os fenômenos... Chagall que mistura em sua arte conhecimentos do Fauvismo e do Cubismo, atiça nossa imaginação e dá autonomia aos personagens de nossa realidade, e porque vai ali nos situando em nosso meio, evoca memórias e nos faz compreender a palavra "autonomia", (re)conhecida da ciência, as aprendências do olhar e a sabedoria do re-olhar, relaciono aqui à conceituação de Pedrosa (1968) de que “a arte é um exercício experimental da liberdade”.
Ali nós os aprendentes-ensinantes compartilhamos saberes relacionados às experiências de leitura e Vida. Chagall nos ajudou a reler e a nos conhecer mais, assim como nos inquietou a buscar novas leituras.
A imagem puxou imaginários, abriu as portas da imaginação... linguagens revisitadas ou descobertas a acelerar, desacelerar, inquietar, reinventar a Vida... e nessas promessas, as releituras desdobram-se nas linhas, pautas, ensaios, não-ditos, hachuras, borrões, planos, pontilhados, tramas, tessituras, trilhas redefinindo um contexto, a teoria dos discursos, o agir comunicativo, a aprendizagem situada que vão se materializando no campo dos possíveis da pedagogia dos projetos.
A identidade é construída e reificada continuamente. As linguagens nos entrelaçam nesse movimento. Somos seres inacabados dentro de sistemas inteiros de atividades e formação de identidades.
Como educadores aqui estamos, traduzidos por Nietzsche, na tarefa de “ensinar a ver” enquanto aprendentes dessa trama social, construindo a pessoa e nos constituindo sujeito de nossa história.
- Qual é o teu nome?
- Como você se chama?
- Como o outro te chama?
- Como você gostaria de ser chamado pelo Outro?
- Qual é a história do teu nome?
- Como você ilustra o teu nome?
- Quem é a criança?
- Como ela se chama?
- Como o outro a chama?
- Como ela gostaria de ser chamada?
- Qual é a história do seu nome?
- Como ela ilustra o seu nome?
Reciprocidades...
E a história do Patinho Feio, de Hans Christian Andersen.
As cinzas da Gata Borralheira...
O caminho das agulhas preterido pelo lobo da Chapeuzinho...
Qual é o lugar do negro na literatura infantil? Ufa!!! Nós temos Ziraldo e Ana Maria Machado.
Auto-imagem + Auto-estima = AUTONOMIA, base das aprendizagens...
Como poderei construir a minha própria palavra?
De onde vem a autoria em nossas histórias de submissão?
- “Eu fico com a pureza da resposta das crianças...”
- E o burro na aldeia de Chagall, o que tem a nos dizer?
- “Não me convidaram, p’ra esta festa pobre que os homens armaram pra me convencer, a pagar ‘sem ver’...”.
A tela diz tudo! Sem palavras...
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