domingo, 27 de dezembro de 2009

A desordem e o caos na educação infantil: a diferença possível e necessária em 2010


No jardim do Éden, o pecado se originou da mulher que morde a maçã e oferece ao homem a outra parte do que era-lhes proibido e do erro original de ambos, tentados por aquilo que não podiam, adveio a desordem do mundo: a dor, a violência, a separação, a fome, o labor (laborare, em latim, é sofrimento, esforço penoso); a vocação, o lar e o lazer aliviam. Outros olhares valorizam outros enredos do contexto. Depende da intenção.

As faces deste recorte tencionam falar do jardim de nossas infâncias. Os desenhos, as falas, a música, a ordem, a indisciplina, as risadas, o desconcerto, a piada, as matintas-perêras assustadoras, os lobos-maus em volta, os bosques escuros, os fantasmas assombrando, o medo de escuro se impondo nos cotidianos, as palmatórias e as sabatinas a ameaçar. A história (re)voltando, revolvendo, remexendo.

De qual semente viemos? Froebel (1912) cuidava de formar jardineiras, substitutas das mães, em um mundo mais feliz, cheios de belas flores. Crianças livres a brincar. A ordem traz a felicidade. A desordem, o caos. E nós vamos por qual caminho? Do alfinete ou das agulhas? Qual chega mais rápido?

Que escola queremos para 2010? A da ordem ou da desordem? Como se equilibra cultura e ciência, saber e conhecimento? Pelas mediações sensíveis e por isso inteligentes. Pode haver outras respostas. No momento satisfaz.

Valorizar as percepções, o conhecimento, as relações, as ideias... Assegura-se a aprendizagem pela compreensão, não somente através de ensaios e erros, daquela feita, de cabeça-bem-feita, os conhecimentos se tornam possíveis, acessíveis e podem ser melhor adquiridos. Bem formados. A afetividade é o motor da inteligência. O que afeta? O que é afeto? Quem afeta? Sobre quem e para quem? Interdependências! Inclusão.





A criança quando desenha expressa a forma como vê o mundo na ponta de seu lápis, riscos leves, riscos fortes, sentimentos mil por hora ou devagar quase parando. Qual é o combustível? Também na assincronia do mouse diante do paint pela primeira vez. O toque criativo frustra e requer do adulto o desenho bonito para só pintar, o programa pronto que no leve toque a cor se ajusta no espaço dado.

Assim, o erro não é permitido, a irregularidade é vergonha ou motivo de piada. Depende do observador. A mão cobre o feito. A mão desiste da autoria pois se percebe incapaz. Os movimentos precisam corresponder aos demais, as falas devem estar num coro só, a música cotidiana traz os mesmos gestos, e ali tudo é felicidade. Quem ousa ser diferente? Quem diz/mostra que as coisas podem ser diferentes.

Nasce o que é bom. Segue-se o mestre. Modelos prontos perfilam no varal. O mais borrado é escondido das vistas. Por quê? Quantas histórias experimentam o lugar comum e tantas poucas ousam ouvir narrativas, aceitam os desenhos livres, incentivam os traços, a rabiscação, o borrão, a descoberta - a partir do movimento circular - do círculo verdadeiro. Dele vem o boneco, até mesmo antes do fechamento completo, já se pronuncia a tal bola que bateu e derrubou o copo de cima da mesa de casa e caiu na cabeça do gato e bem no momento que o pai chegou em casa e daí... e daí... e daí!? O borrão esconde o pecado. Alguém perguntou? E o respeito à liberdade?


Como ver as diferenças? Os diálogos de meninos e meninas. A mídia escancara. Quem dialoga?

Os desenhos trazem narrativas e não mais a casa, a árvore, o sol, a montanha, a chaminé, o sorvete, a menina, o elefante, os pássaros no céu. O que está acontecendo naquele cenário? Que casa é aquela? Como a menina passa por aquela porta diminuta? Por que a menina está feito uma estátua segurando um sorvete? Como a geometria se delineia enquanto perspectiva, figura fundo e segredos? O desenho é para a professora. A professora carimba com um "está lindo", "ótimo", "pinte no limite do desenho" etc. E a conversa?

O filme abaixo nos exige breque com conformação ou mudança, é ficção ou realidade?

A ciência do caos tem ligações com disciplinas científicas tradicionais, unindo tipos não-correlatos de descontrole e irregularidade: da turbulência do tempo até os ritmos complicados do coração humano, do desenho dos flocos de neve até os redemoinhos das areias do deserto varridas pelos ventos. Apesar de sumamente matemático em sua origem, o caos é uma ciência do mundo cotidiano, formulando indagações que todas as crianças já se fizeram: sobre a forma das nuvens, sobre a causa da ascensão da fumaça, sobre a maneira pela qual a água forma vértices numa correnteza (GLEICK, 1993).
A educação é uma questão de gênero? É específico de Eva! Mulheres são mais sensíveis e aceitas entre as famílias. Os homens podem cuidar e ensinar crianças diante dos escândalos da pedofilia? O tema dá um bom debate sobre cultura e educação. A escola dos "pequeninos ou maiorzinhos" é predominantemente feminina. Os meninos veem a professora como uma eunuca, a mãe. Mulher pode. Homem não pode dar aula para crianças. O dito que não é dito e a cultura vela, inconsciente ou não. Assim desvelam os números, da Revista Nova Escola. Que país é esse? Ele se mostra em cada rincão brasilense e bamboleios. Em cada metro quadrado
de escola. A universidade exige pessoas inteligentes. Acolá os homens tem maior número que outros níveis de ensino. Alguém se perguntou por outros números? Por exemplo, por que meninos (sen)tem mais dificuldades de aprendizagem? Por que há mais meninos retidos que meninas? E os números da defasagem? A aprendizagem é uma questão de gênero?

Devemos pensar em recomeçar ou fazer diferente revendo experiências vividas, percorridas e percebidas. Dezembro possui uma energia toda especial, universal, flagramo-nos no amanhã bem ali, dispostos a melhorarmos como seres humanos por causa da passagem para 2010. Por que sempre sentimos a necessidade de evoluirmos na roda-viva? Podemos mudar nossos comportamentos e quebrar padrões para que não se repitam; se erramos, levantamos com as perspectivas das aprendizagens necessárias e possíveis. Podemos fazer com que a nossa própria energia se transforme em sentimentos positivos.

Nem tudo está perdido se não conseguirmos realizar o pretendido, se as mudanças não se efetivam. Tiquinhos de esperanças pululam diante da perplexidade de tanta guerra, morte, crueldade, verdadeiras barbaridades presenciadas a cada minuto na mídia e também a partir do local onde nos encontramos. E o nosso mundo interno? Pode ser melhor e novas conquistas se tornam possíveis.

Não há mudanças repentinas. Não há relação de poder que não se seja acompanhada da criação de saber, e vice-versa, segundo Foucault. Mudar não está acima de nós, exige-nos questionamento reconstrutivo, proposições. A criança inquieta o poder estabelecido por uma sociedade e em um dado grupo social. Nosso medo e insegurança de conseguir realizar alguma mudança pode ter a origem na infância, quando nos faziam acreditar que não seriamos ouvidos e capazes de resolver algo por nós mesmos. Que deveríamos somente ouvir, obedecer e aceitar, não poderíamos questionar, sermos alegres, amorosos e com desejos, interesses e atitudes.

Nem sempre é possí­vel ter certeza do resultado de nossas escolhas, mas lembrar-se de que se não mudar ou tentar, os resultados poderão ser os mesmos e a insatisfação continuará ao final do outro ano. É isso o que se quer? Para mudar o resultado teremos que mudar alguns pensamentos e comportamentos. Como você e eu podemos começar? Repensar, arregaçar mangas e ir em frente! Qual pode ser o primeiro passo? Isto só cada um de nós pode responder, e nem precisamos esperar o próximo dia 31 de dezembro, mas iniciar o processo de mudança desde já! Para saber quais respostas desejamos é preciso saber ouvir aquela voz que nos fala bem no fundo da alma e raramente nos permitimos ouvi-la: ouvi-la é o aprendizado primário - pois é somente a voz do coração que clama por amor, compreensão e paz sobretudo conosco mesmo. Um exercício diário em 2010, a cada dia e todos os dias. Simples assim! Que nossos sagrados sonhos se realizem! É a paz! É o contexto necessário para estar com o outro e continuarmos caminhando.

Referência:
GLEICK, James. Caos: a criação de uma nova ciência. 2 ed. Trad. Waltensir Dutra. 2 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1993.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 29 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Natal combina com leituras: novo selinho


Adrianne Ogêda, chegou de uma bela Ilha, verdes-mares, com uma boa novidade, depois de me oferecer conchinhas imaginárias lançou-me o selinho para casar o espírito natalino - as nossas representações, identidades e "renascimentos" - com leituras, através de livros lidos em 2009, outras identificações ou nascimentos. Vale a pena ir até lá e conferir suas sensações, percepções e (re)descobertas advindas da ventura de conhecer Fernando de Noronha.

As regras são:

Enumere 10 livros que o/a marcaram este ano:

1. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social, de Roxane Rojo
2. Da fala para a escrita: atividades de retextualização, de Luiz Antônio Marcushi
3. Alfabetização possível: reinventando o ensinar e o aprender, de Jaqueline Moll
4. A arte de escrever, de Schopenhauer
5. Tomada de consciência e conhecimento metacognitivo, de Sandra Regina K. Guimarães (Org.)
6. Os significados dos desenhos de crianças, de Ângela Anning e Kathy Ring
7. Frato, 40 anos com olhos de criança, de Francesco Tonucci
8. Tantas palavras, todas as letras, de Chico Buarque
9. Mulher com o seu amante, de Stella Pessôa
10. Memórias de um suicida, de Yvonne A. Pereira

2) Responder a pergunta:

- O que é que gostas mais de fazer no Natal?

Estar com a família e em minha casa, incluindo meus quatro daschund teckelI, popular salsichinhas. Mas, podemos estar juntos em qualquer lugar também. E imaginar, sonhar e planejar o amanhã mais feliz a todos através de meu trabalho pedagógico partilhado com muitos colegas. Ouvindo o diferente e aprendendo muito mais para melhor re-olhar e repensar o cotidiano, o ambiente e as nossas relações interdependentes para novos vôos.

3) Dar este selinho a pelo menos 3 pessoas (clique nos nomes das colegas para chegar até seus blogs).

Lenira, Deolinda, Claudiane e Vanda, penso que vão brigar menos na escolha, eh! eh! eh!, o quarteto está cada vez mais afinado. Dá uma olhadinha no blog delas.

Marli Fiorentin, do delicioso "Ficção versus Realidade".

Raquel, blogueira recém-descoberta, através do blog de professora Socorro Braga, de Bragança-PA.

Estou louquinha para conhecer as leituras de vocês também.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Revanche de edublogueiros nas trilhas da escrita e recursos imagéticos: assim mostram a nossa cara


Partilhar uma mesa com outras e diferentes pessoas tem algo de sagrado. Assim aprendi a ver aquela imagem de Jesus na ceia. Assim entendo as famílias que buscam trazer o sagrado alimento que sustenta a Vida que corre nas veias de todos da casa e de outros mais que a ela se achegam.

Partilhei a mesa, em uma solenidade de entrega dos prêmios para educadores e escolas vencedores do II Educablog Paraense, com outras pessoas que significaram muito para que esse momento acontecesse e sinalizasse um novo tempo na educação pública do Pará.

Lá estive representando a comissão avaliadora do certame, porém, muito mais como apreciadora do processo interativo de professores com a máquina, de professores com seus pares e alunos parceiros que aprendem a lidar com o conhecimento tecnológico e através dele aprimorar competências, habilidades, intensificando ainda mais os protagonismos pedagógicos necessários e em um tempo que exige re-olhar as nossas relações de interdependência com o mundo e suas voltas, a clamar por mais humanismo e ética.

Coube a mim, e a outros dois colegas, a avaliar professores blogueiros. Estilos diferenciados.

O projeto mexe com a educação e o pensamento reflexivo de seus educadores que apresentam a práxis desenvolvida na escola e em todos seus ambientes pedagógicos, incluindo cotidianidades, sentimentos e percepções acerca da vida e sua dinâmica curricular.

Nos blogs a face discursiva expõe suas interfaces representativas de um ou mais grupos, por pilhagem, recortes ou reinvenção, de gerações e localidades, realidades e invisibilidades desfilam e suas subjetividades criativas, prazerosas, significativas e até divertidas permitem, remarcam, questionam e aproximam a relação teoria e prática. A nova face imagética e discursiva repagina e articula os conhecimentos escolarizados. É a tão decantada interdisciplinaridade acontecendo.

Os professores assumem a função de orientar projetos de alunos mediando saberes e conteúdos, latentes e manifestos, que reintegram componentes do cotidiano, observando realidades, texturas, vozes, gestos, luzes, cores, vestimentas, topografias, utopias e recônditos digitais emergem, talentos surpreendentes. É o novo. Os desafios da geração. O melhor são os possíveis advindos da multiplicidade do diálogo, reconhecendo o colega de sala, da sala ao lado, de turnos diferentes, estranhos que se permitem conversar, os comentários exaltam as interfaces dialógicas. Novas aprendizagens com o diferente. Basta ser instigante ou simplesmente saber cativar o outro. As postagens chamam discursos e outros horizontes se descortinam. O conteúdo se desdobra. A vida perpassa a ciência e a cultura.

O mundo pode ser fascinante e dar chances às vocações, às perspectivas, às esperanças, às mudanças. O devir não é indesejado, pois, "o que foi antes já não é, o que não tinha sido é, e a todo instante é uma coisa nova" (Chauí apud Ovídio, 2003). A boa nova, destes novos tempos, é que a alegria é possível. A paz também. Talentos motivam talentos. O fracasso escolar pode ser revisto. As defasagens idade-escolaridade podem ser superadas.

Imagens focam o cotidiano e eventos de aprendizagens promovem seus protagonistas. Reorganiza-se a imagem da escola, a comunidade participa e no trânsito interativo dessa tela - vitrine global - os blogs se destacam.

Desta maneira o novo tempo se descortina, professores escrevem, questionam, ilustram, desconstróem, e também a si, reorganizam espaços e o tempo, argumentam, integram ações, enfrentam realidades e os desafios atuais.

O blog proclama e renova sonhos de um mundo melhor e possível a todos. É o que subjaz nas escritas de cada edublogueiro que tive a oportunidade de avaliar. E aprender. As autorias ganham espaços e deixam aos poucos os velhos tempos do control c - control v. Precisamos legitimar nossos pensamentos nos discursos escritos de que fomos historicamente privados. Essa é a chance, a oportunidade, a revanche de brasileiros edublogueiros.


Referências: CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 13 ed. São Paulo: Ática, 2003. (p.31)
Foto 1: meu arquivo pessoal

Foto 2: Rai Pontes/Ascom/Seduc, disponível em: http://www.seduc.pa.gov.br/portal/index.php?action=Destaque.show&iddestaque=565&idareainteresse=1

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Tempo de Leitura: presentificações e historicidades


Adrianne Ogêda, a querida colega lá do Rio de Janeiro, que leciona também por Macaé, me presenteou com este belo selo.

Fugi da regra, pois, tinha eu que escolher três livros e apresento mais um, talvez esteja em fase mais reflexiva e volte a remexer os livros, quem sabe por estarmos no final de 2009, revisão, limpeza de casa, planejamento 2010, novo ano, perspectivas, presentificações, sonhos, mudanças necessárias, promessas para si mesmo etc e tal. Fiz uma viagem pela filosofia e pela religião...

Para todas as crianças e de todas as idades...
Menino Deus, Menino Jesus e para as Simplesmentes Marias (às músicas, com o tempo necessário, clique nos links anteriores). Homenagens singelas. Supremas a todos nós! Assim começo com um livro infanto-juvenil, para variar. E este primeiro é o meu adendo:

GAARDER, Jostein. Ei! Tem alguém aí? São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1997.

Um irmão espera outro que está a nascer e nesse meio-tempo um outro menino vindo de um planeta distante aparece dependurado como uma maçã em uma macieira, de ponta-cabeça, vindo de outro planeta e nascido de um ovo. Não sabem quem está ao contrário e seguem-se perguntas a questionar o óbvio. Que gosto tem a primeira maçã que alguém tem na vida? Há belezas como a reconhecer o fato de que “quanto mais escura a noite maior é a quantidade de sóis que podemos ver no céu”. E o que nos leva a seguir em frente é saber que “a resposta é sempre um trecho do caminho que está atrás de você. Só uma pergunta pode apontar para a frente”. Assim os dois novos amigos interrogam-se e se divertem muito com os enigmas partindo da premissa que as perguntas merecem reverência. Sobre a amizade no meio-tempo encontrei à significativa passagem “quando duas pessoas levantam a cabeça e cada uma sai do seu vale profundo para encontrar a outra lá em cima da montanha, pouco importa como se chama a montanha, ou de onde cada uma veio”. Por isso vale a pena ler o livro pelas redescobertas que fazemos com as crianças.

NIETZSCHE, Friedrich. Humano, demasiado humano. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

Mudar o mundo e o ser humano a partir de si mesmo, é fácil? É desafiar-se, desafiante, desafiado, pois, de nós não podemos calar. Segundo Nice (prólogo, 1886), este livro exige muito, “ele se dirige a pessoas que não vivem atormentadas por uma obrigação boçal, ele pede sentidos delicados e exigentes, tem necessidade do supérfluo, da superfluidade de tempo, de clareza de céu e coração, de otium [ócio] no sentido mais temerário...”.

ZOHAR, Danah. O ser quântico: uma teoria revolucionária da natureza humana e da consciência, baseada na nova física. 7 ed. São Paulo: Best Seller, 1990.

A autora procura examinar as noções de ser, movimento e relacionamento a partir da física quântica. Para ela “as coisas e acontecimentos que eram vistos como seres separados são agora aspectos múltiplos de um todo maior e suas existências ‘individuais’ se definem através do contato com esse todo”. Apresenta no livro o conceito quântico de “relacionamento não-local”, oferecendo a chave para compreendermos a nós mesmos e nossa interação com o mundo do qual somos parte. Tem muito a ver com o mundo do ciberespaço, o da blogosfera, pois, segundo ela, “todas as coisas e todos os momentos tocam uns nos outros em todos os pontos”.

REVEL, Jean-François; RICARD, Matthieu. O monge e o filósofo: o budismo hoje. 2 ed. São Paulo: Mandarim, 1998.

Gosto de discutir paradoxos. Promover a dialética e buscar o diálogo pela observação de pontos convergentes, motivações divergentes. É a compreensão a traçar o plano dos possíveis e imagináveis. É a reconciliação. A compreensão. O respeito às diferenças. Neste livro, pai agnóstico e filho budista conversam a respeito do crescente interesse sobre o budismo. Um é filósofo ocidental e o outro é um monge ocidental com educação oriental. O livro ajuda aqueles que desejam conhecer mais sobre o budismo. Um bom bate-papo. Não é um livro recente, mas continua atual. Há mais coincidências do que divergências entre quem reza e quem medita. O encontro de religiões, o ecumenismo dos homens e a atitude de abertura espiritual é que fazem a diferença no mundo. A questão da globalização da violência é tema debatido no mundo inteiro. Angustia o educador, o professor que vive no cotidiano das escolas.
Por outro lado, “quando não se tem consciência da verdadeira natureza das coisas, a pessoa se apega ao modo aparente delas. O mal não passa de uma aberração, assim como o erro não passa de uma percepção incorreta da realidade. Em essência somos perfeitos e a ignorância e a violência são os véus que nos afastam de nossa natureza verdadeira e fundamental, então, por isso, ele (o mal) de fato ‘aparece’, mas nem por isso tem existência própria. Quando se toma uma corda por uma cobra, a cobra nunca existiu, em momento algum e de nenhuma maneira, a não ser ilusória. O erro, portanto, só tem um modo de existência puramente negativo, não possui existência própria. É pelo fato de o conhecimento ser a natureza última da ignorância que esta pode ser dissipada. Pode-se lavar uma barra de ouro, mas não se poderia embranquecer um pedaço de carvão” (p.172-3). Há que rever as nossas realidades e enfrentar os fantasmas do mal, do erro, da violência e resgatar a pessoa. O livro nos ajuda a re-olhar todos os cantos e recônditos do ser/estar. “A ignorância aparece no seio do conhecimento, mas, não pertence à natureza última do conhecimento (...) o ouro não muda nunca, mesmo mergulhado na lama; o sol brilha continuamente, mesmo escondido pelas nuvens” (p. 173-4). É preciso acreditar na transformação e acreditar nos projetos pedagógicos diante - e nas - realidades das escolas da vida.

Nessa corrente amiga repasso o selinho ao e às amantes da leitura, como eu:

1. Tati Martins (Rio de Janeiro, RJ)
2.
Lenira, Deolinda, Claudiane e Vanda (Baixo Guandu-ES)3. Eduardo Marculino (Rio de Janeiro, RJ)
4.
Sheila Regina (Marabá-PA)
5.
Mary Sônia (Marabá-PA)

sábado, 5 de dezembro de 2009

Instigante: a palavra da vez


Olha que selinho mais blogueiro...

Boa palavramundo nesse ambiente dos edublogueiros, a INSTIGANTE, através dela encontramos muitos de nós por aí espalhados. Bom passeio instrutivo, amigo...

Recebi este selinho da
Jenny que me fez lembrar de Marisa Monte a conhecer e aprender com gentileza. Estamos a fazer nossas releituras sobre “gentileza gera gentileza”. Podemos e devemos cuidar de nosso tempo e reaprender outros e novos ritmos, cadências, respirações, libertações do eu tão apressado que se esquece e de ver seu semelhante. Espelhos d’alma. Um olhar desvelador para além do espelho. Fez-me à flor da pele de Hilde (em: O Mundo de Sofia) atravessando o lago naquele barco e a se deparar com o tal espelho mágico naquela cabana, paradoxos do mundo real/irreal. Nessa rede autopoiética aprende-se a se auto-organizar e a vibrar com o inesperado, percorremos por novas conexões a ampliar leituras e redescobrir linguagens, percebemo-nos resilientes diante de um mundo caótico, complexo, violento, contraditório que nos exige botar ordem em nosso e noutros ninhos, com cadinhos de esperanças e paz a sorrir, porque somos teimosos e reaprendemos a palavra solidariedade. Reeducações. Superações.

Tecendo os caminhos dos selinhos e no intermédio de suas muitas homenagens cheguei até uma
outra Maria e não posso deixar de aqui transcrever suas belas palavras sobre o que é ser instigante:

Esse selo representa os blogs que além da assiduidade das postagens e do esmero com que são feitos, provoca-nos a necessidade de refletir, questionar, aprender e sobretudo que instigam almas e mentes à procura de conhecimento e sabedoria”.

Diante da textualidade, convido a todos por lá passar e conferir... Nesse momento tenho três blogs a homenagear pelo perfil instigante:


Tati Martins, muito boa instigante que se e nos desdobra em suas boas postagens. Sabe instigar e nos levar a passear pela net.
Adrianne Ogêda, a nova amiga amante da leitura e da educação sempre nos convida a viajar e a encontrar novos e bons amigos. Suas dicas sempre me enriquecem.
Franz, o professor mediador que iniciou muita gente aqui no Pará, as escolas municipais e estaduais estão dinamizando suas didáticas através da blogagem pedagógica, inovando, redescobrindo ânimos e linguagens, além de que, seus post merecem nossa reverência pela diversidade, pelas palavras muito bem colocadas, pela harmonia e sensibilidade educadora e crítica na medida certa. E por isso mesmo instigador, inquietante, ético porquanto educador amigo.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Edublogueiros: reescrevendo o princípio educativo de educar pela pesquisa


O Pará revitaliza escolas estaduais através de concurso de blogs em duas modalidades: de escolas e a outra de professores, ajudando a mobilizar cotidianos, percepções, idéias, conhecimentos, relações, criatividades e autorias. Sucesso garantido a toda comunidade envolvida.

Há poucos dias, navegando pela net, encontrei os blogs de 19 professores participantes do I Concurso de Blogs Educativos do Estado do Pará 2009, através do CTAE, e fiquei muito contente com a iniciativa desse evento promovido pela Seduc que dinamiza o uso de blog na educação. Nas escolas estaduais! Parabéns a todos que chegaram a esta fase. São vitoriosos!


A nova etapa requer novas exigências, não só bom design ou boas postagens de conteúdos que desvelem a práxis interativa, mas, como constroem suas linguagens e buscam cultivar leitores virtuais, em sua dinâmica, estabelecer links e conquistar bons comentários para juntos a outros na rede, potencializar o conhecimento coletivo e a construção de sentidos a se renovar, personalizar, entrecruzar e pluralizar suas leituras de mundo, os seus lugares de vida, os discursos representados que devem culminar na constelação multicultural e necessária da/na escola sem paredes e para além de seus muros. Apesar de hoje alguns tão vulneráveis, frágeis... A educação pode mudar. É o nosso compromisso.


A pedagogia de projetos pode ressignificar a concepção de currículo, desdobrar-se e ampliar ações integradas e promotoras do processo interdisciplinar. Alguns questionamentos vem a cooperar com o processo de construção do perfil desse novo, amplo e aberto ambiente pedagógico, a informática educativa promovida no laboratório de informática disponível, na escola ou na comunidade, define a janela para o mundo, assim se faz necessário re-olhar:


- a identidade construída pela equipe do "laboratório de informática" da escola;
- as referências identitárias de sua imagem e suas afirmações na comunidade escolar;

- o objeto de pesquisa desse ambiente pedagógico;
- os impactos provocados nas aprendizagens.


Acerca da modernidade e de como os novos recursos tecnológicos vão se assentando e ocupando o território pedagógico da escola, encontrei o vídeo abaixo no
Blog da Tati Martins:
Em conversa com o Professor Pedro Demo, via e-mail, tomei conhecimento acerca do livro "Educação hoje: 'novas' tecnologias, pressões e oportunidades", editado pela Atlas e lançado no começo deste ano, em que discute sobre a “web 2.0” e a sua relação com educação. Em nossas habilidades metacognitivas e desenvolvimento, tomamos consciência hoje de que o professor aprende a "ser pedagogicamente correto, como o profissional da aprendizagem, e tecnologicamente correto, como profissional do século XXI" (DEMO, 2009). O que nos espera? Vem vindo por aí a nova onda do Google, que promete revolucionar a forma de comunicação na web, veja aqui e aqui.

O uso das novas tecnologias desperta interesse, remexe bastante com alunos "desmotivados", por isso se torna estimulante e desafiante desenvolver a mediação pedagógica e nos mais diferentes ambientes, mas é necessário que seus protagonistas reúnam e rediscutam interfaces, competências, habilidades, técnicas, meios, recursos para reinventar a educação e não se sintam desprovidos desses conhecimentos e de formação continuada.

Cabe a nós professores voltar o nosso olhar não só para a nossa própria identidade, e que junto a outras e de outros grupos estão sempre em processo, capaz de reconstruir relacionamentos em diferentes espaços e tempos de aprendizagens, que inclui o saber incorporar a globalização midiática na práxis com qualidade e pertinência.


Face às nossas realidades culturais e contemporâneas, de passos acelerados e por vezes energéticos, indecisos, contraditórios, tensos, estressados, Paulo Freire (1996) nos sacode e nos convida a repensar a violência, as relações, os medos, as ansiedades, os sonhos, as esperanças e a tocar na palavra ética, e de como se aplica ao uso do computador e da net enquanto recursos de interação, equidade e qualidade de vida. É um alerta para ao estarmos ligados no mundo a gente não se desconecte de nosso próprio mundo, sabendo potencializar o uso
de tecnologias integradas e o das múltiplas inteligências relacionando-as sempre à educação para o sensível.

“Se sonhamos com uma sociedade menos agressiva, menos injusta, menos violenta, mais humana, o nosso testemunho deve ser o de quem, dizendo não a qualquer possibilidade em face dos fatos, defende a capacidade do ser humano em avaliar, de compreender, de escolher, de decidir e, finalmente, de intervir no mundo”. (FREIRE, Pedagogia da Autonomia, 1996, p. 58-9).
A canoa virou, e eu deixei ela virar... Se eu fosse um peixinho e soubesse nadar...”



- Para onde vai o barco? Para onde queremos que o barco vá? (Rubem Alves, Conversas com quem gosta de ensinar).

Para os 19 professores participantes desse momento histórico da educação paraense a ampliar suas possibilidades pedagógicas diante da rede de computadores e novos relacionamentos e aprendizagens, encontrei e filtrei o poema de Quintana como bom fortificante: "existe uma idade para a gente ser feliz... para a gente se encontrar com a vida... em que a gente pode criar e recriar a vida... e vestir-se com todas as cores e experimentar todos os sabores. Tempo de entusiasmo e coragem em que todo desafio é mais um convite à luta que a gente enfrenta com toda disposição de tentar algo NOVO, de NOVO e de NOVO". (Quintana, A idade de ser feliz).

sábado, 21 de novembro de 2009

Escritores da Liberdade


Para alunos desmotivados e professores ansiosos

Em reunião ocorrida nesta semana com professores referências das turmas do segundo segmento do ensino fundamental e coordenação, discutimos sobre o caso de bebidas alcoólicas entre alunos de uma turma de 8º. ano/7ª. série, que é a mais velha na modalidade, cuja média etária é de 14 a 16 anos de idade. Muitos foram retidos por falta no ano anterior e apresentam poucas presenças neste. A desmotivação, a dificuldade na socialização entre eles, e a questão da leitura e escrita foram apontados como seus principais problemas.


A queixa predominou e a sentença foi a de rever ou transferir responsabilidades para outros órgãos ou a instituição família. E daí refletimos sobre qual é a proposta pedagógica necessária, e se havia alguma sugestão. Os alunos vão continuar na turma até o final do ano. Deste modo, é preciso pensar sobre o que provoca a desmotivação. O contexto social problemático pela violência (a)cometida, a falta de perspectivas, carências, baixa-estima etc. Por quê?


Duas passagens de Arendt (2001) nos sacodem mais um pouco e nos levam a re-olhar a realidade, pois, inicialmente para ela, há duas causas que podem ter relação profunda com a crise da educação atual: a incapacidade de a escola levar os alunos para pensar e a perda da autoridade de pais e professores.
O novo alerta é sobre a questão desconstrutiva do (in)sucesso escolar: “a educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para expulsá-las a seus próprios recursos, [ou transferir a outrem] e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum”.
Precisamos manter acesa a chama das esperanças alimentando novas perspectivas.
O caso parecia se redesenhar lembrei-me do filme “Escritores da Liberdade”, pois, nada li de concreto nessa direção na “memória da reunião” que me foi repassada.
Final de ano e alunos novamente retidos e outros com promoção automática no ciclo quatro, e no próximo ano, se voltarem, como estarão? No filme, a professora sozinha se depara com alunos turbulentos, a falta de recursos e de cooperação da direção da escola.

Cada aluno escreve um diário sobre seus conflitos internos e entrega se quiser à professora e a interface com “O diário de Anne Frank”, daí decorre a tolerância entre eles, aos poucos se aproximam pelos problemas comuns. O legal é que eles produziram um livro que relata a série de dificuldades sofrida na questão racial e a necessidade de se implantar novas realidades sociais.

Penso que a discussão do filme irá acender na equipe docente da turma várias luzinhas no fim do túnel, e provocar a integração entre professores e entre eles e os alunos numa ação interdisciplinar possível e necessária para que a sala de aula faça a diferença na vida dos alunos. Erin Gruwell, a recém advogada que quis ser professora, ou carinhosamente para os alunos, a Miss G, enfrenta problemas íntimos, mas, não se deixa abater, inclusive no próprio ambiente de trabalho.
Veja um trecho do filme, logo abaixo, para re-pensar o desafio da educação que vimos enfrentando:


Fiquei bastante animada para começar a próxima semana. Durante conversa sobre o projeto pedagógico com a professora referência dessa turma, sugeri eventos comuns entre professores da turma para ajudá-los a pensar na situação vivida e percebida. Músicas, filmes, leituras etc. Encontrei esse filme em uma das prateleiras da locadora, espero que ela também tenha obtido sucesso na escolha do gênero.

Se você sabe de algum outro que trate dessa temática por gentileza estamos precisando dessa ajudinha. Se passou por uma experiência semelhante aqui estamos nós para ouvi-la.
Uma pergunta não quer calar:
- Por que "Miss G" fez a opção pela profissão "professora"?

Referência: ARENDT, Hanna. A crise na educação. In: Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2001.

Educação, ética e tecnologia


Repressão ao crime ou reencantar a aprendizagem

Com a abertura do Shopping nesta semana em plena Avenida Visconde de Souza Franco, a Doca, cheia de charme e juventude, de caminhadas e buzinas, traz consigo as mazelas do progresso, tendência ao aumento da criminalidade na área e circunvizinha.

Outras palavras ouvidas nas palestras para diretores das escolas municipais proferidas por representantes da guarda municipal e da polícia militar, no dia 17 de novembro, na mesma data da inauguração: o maior câncer são as casas de jogos eletrônicos e as lan-houses que ficam próximos das instituições escolares.

O que é que há? O que está faltando? Vem-me leituras de contraponto, pois, a ciência e a tecnologia devem estar servindo à cidadania e à felicidade humana. Paulo Freire (1996) afirmava que “conhecemos para: entender o mundo – palavra, significação e mundo; para averiguar – o certo e o errado, numa busca da verdade e para interpretar e transformar o mundo”.

Nesses dezessete da tercina manhã belemense, estampou-se preocupação na maioria ouvinte, uma diretora declarou seu apavoramento com os números da violência que envolve menores, crianças ou adolescentes. 97% dos crimes contam com a participação de menores. Cerca de 15 denúncias diárias surgem das escolas municipais ou estaduais. Quem trafica a droga na escola não é mais o bombomzeiro pelo muro da escola, mas, o próprio aluno dentro da escola. Há mais de cinco vídeos eróticos produzidos por alunos em escolas, na competição cega de qual adolescente de qual escola é a mais ousada. Arrepia-se saber que as autoras fazem questão de mostrar a farda. Falam orgulhosas a respeito dos tantos minutos de fama na internet. Todos apreendidos no último mês. Consolo?

Os preletores falaram sobre a nova modalidade de crime, novas inteligências exigem mais inteligências, o seqüestro relâmpago passou a bola para a abordagem na escola, feita por alunos contra outros alunos e professores, tomam celulares e os trocados para o recreio que somam grande monta, além de cooptar novas crianças para a escola do crime. O ambiente escolar é visto como ponto frágil, vulnerável, interessante.

O menor em conflito aprende logo o significado da impunidade. Choque de realidade. A família entrega a criança para a escola e, ironicamente, a criminalidade a toma das duas instâncias educadoras. Pessimismo? Discurso impactante dos policiais.

Valores distorcidos. No mundo atual, o que não é valor está sendo valorizado.

Oração. Reverência. Respeito. Amor. Solidariedade. Humildade. Caminhadas pela paz. Criam dificuldades para a formação do meliante. Novo vocabulário. Novos sentidos.

O que me deixou triste neste dia foi escutar que o progresso, com destaque ao desenvolvimento da tecnologia, pode estar atrelado às mazelas existentes pela falta de diálogo, a falta de projetos pedagógicos que retratem a(s) realidade(s) que permeia(m) a escola, propostas educativas que saibam dialogar com a Vida circundante e relacionar saber-conhecimento-esperanças.

Podemos crucificar recursos e ações se não soubermos pensar, re-olhar ao derredor. As instituições educadoras demonstram que, por vezes, também precisam de colo. A formação continuada é sempre bem-vinda. É urgente saber trabalhar a educação para o sensível, para além da abordagem dos conteúdos, e o favorecimento do diálogo a partir de questionamentos éticos e reconstrutivos.

Um ponto comum com Terezinha Rios (1999), a escola é o espaço de “transmissão sistemática do saber historicamente acumulado pela sociedade”, que tem por objetivos formar indivíduos, capacitando-os a participar como agentes na construção dessa sociedade. Pais, mães, professores, professoras, alunos, alunas e todos que fazem a escola da vida são os protagonistas de uma nova história que precisa saber ocupar seu espaço na cotidianidade, comprometendo-se com a transformação do lugar, de vidas, pontos de vista a tracejar perspectivas.

Essa corrente educadora é por um mundo com mais equidade, comprometido com a alegria e os bens que nos circundam, se entrecruzam e interpenetram.

É o novo tom das aprendências! É preciso saber viver.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Educação para o sensível: borboletinhas ou cruzes


Poéticas em construção reinventando o derredor

A evolução é um processo conservador. Quando falamos dos seres vivos, da sua diversidade, e pensamos na explicação evolutiva – que propõe cada ancestral comum a todos eles - nos maravilhamos com as mudanças que tiveram que ocorrer desde a origem dos seres vivos até o presente. Essa maravilha, contudo, não deve ocultar-nos o que é fundamental para que a história se produza: a conservação do novo na conservação do velho. (Humberto Maturana)

Olhar a escrita de um menino de 3 anos em pleno vôo da escrita é compreender a fluência e a autenticidade de suas representações, a criança traça dois segmentos de retas um vertical mais comprido sob um outro risco horizontal bem mais curto que o primeiro, faz a cruz e diz que ela representa as borboletinhas, pois, no ato da escrita vai dizendo em sua fala socializada, para si mesmo, “muitas borboletas” e ao final faz uma cruz maior e indica “esta é a mãe”.

No ato da escrita está a nos comunicar algo, e segundo Vygostky (1988), “comunicar é o ato de compartilhar pensamentos”, assim se estabelecem vínculos para as aprendizagens. O que esta criança está a nos chamar atenção? Ver o mundo mais integrado? Ela produz sentidos enquanto canta, dança, se move, pára, olha, coça a cabeça, leva o lápis à boca, sorri, dá-lhe mais animação e acredita estar escrevendo, e de fato está. Qual é o seu conhecimento sobre a escrita? A escrita como representação de significados que ela mesma atribui enquanto vai cantando e nos fazendo visualizar e buscar novos sentidos como mediadores.

Pensamento lógico-matemático, movimentos, sentimentos, acanhamentos, desembaraços, segurança no outro, papel, lápis, escrita, segmentos de retas, geometrias mil, tamanhos e comprimentos, representações, sorrisos, dizeres conexos, a memória do canto entre colegas, muitas borboletinhas e a borboletona.
Apenas três anos a nos ensinar a pensar mais um pouco com nossos borbotões e referências. E se tivéssemos tido a oportunidade de expressão?

Tudo podia ser diferente do jeito que hoje a gente vê. Dá-lhe lembrança de Jandira Masur, em o “Jogo do Contrário”. Livro que vale a pena ler por brincar com as contrariedades.

Falando em contrariedades: e as provas dos vestibulares em que diferem desta prática conceitual dos testes da psicogênese da língua escrita? Aqui e ali na educação infantil a criança aprende a escrever do seu jeitinho e lá mais adiante por que desaprende? O discurso é outro. Os modelos didáticos da escola tradicional não conseguem ser interdisciplinares e contextualizados. Os alunos não conseguem mais dançar sobre o conhecimento com suas memórias e reinvenções geométricas, as narrativas se escondem ou se anulam.

A escola dá excessiva valorização à memória e aos conteúdos em si e assim deixa de colocar o estudante diante de situações-problemas como estudos de caso, aulas-passeio etc. A escola pode solicitar que além dos conceitos o aluno saiba aplicá-los. O espaço cotidiano do currículo deve possibilitar tempos de aprender entre pares, professores na ecologia das salas interativas e abertas.

Por que o futuro profissional ao sair dos bancos universitários sente dificuldade de vivenciar a prática? Como o novo professor se coloca mediando conhecimento e saberes pela primeira vez em uma turma de alunos?

O que perturba, no bom sentido, um acadêmico de Pedagogia no segundo semestre, quando vai a campo, é lembrar que deverá sair da saia justa que as crianças lhes deixam como em outras ocasiões. O teste da psicogênese da língua escrita é o mote para a fluência criativa e autorias quando deixa a criança à vontade para escrever do seu jeitinho.

Educar para o sensível é buscar compreender, a saber interpretar e mediar por sobre conhecimentos e saberes. Que perguntas surgem? Que silêncios operam? Que desafios se colocam?

Os futuros pedagogos voltam-se a fazer o relatório após vivências com a criança colaboradora com bons episódios, belas imagens e sorrisos. E isto nos faz bem por nos encher de esperanças e nessas diferenças criadoras quando podem sensivelmente dizer, e também como Jandira, em um outro seu livro, que “o frio pode ser quente”.
Com Morin (2000) aprendemos que “é preciso aprender a navegar em um oceano de incertezas, em meio a arquipélagos de certezas”, as desconstruções abrem e expandem a nossa sensibilidade em pleno vôo reconstrutivo.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O saber, o aprender e o ensinar: autonomia da criança x autoridade do professor



A professora e a mãe: conversas sobre processos de mediação

Muitas vezes as mães se mostram inseguras e, até mesmo sem querer, criam dependências em seus filhas e filhos, nossos alunos e alunas. Elas querem que seus filhos aprendam, mas, não percebem os limites das aprendizagens e acabam gerando dependência mútua. A conversa entre uma acadêmica do curso e a mãe de uma criança colaboradora despertou-me a vontade de falar sobre tal assunto. A menina de seis anos é sua aluna na igreja de Escola Sabatina. A mãe se surpreendeu com a criança, a professora foi firme, amorosa e decidida na mediação. A criança confiante se sentiu livre para acreditar no seu próprio saber.

"No domingo à noite, após falar com sua mãe levei-a para uma sala reservada e expliquei sobre o trabalho. Antes sua mãe me falou que Marcelle escreve com uma pessoa falando para ela as letras, mas expliquei que ela iria escrever sozinha. Concordou em ajudar e dei as instrucoes. Comecei a ditar a primeira palavra (borboleta - após cantar com ela animadamente a música da borboletinha), e ela me perguntou qual era a letra. Falei novamente sobre escrever como sabia, e então começou a escrever. Soletrava sílabas enquanto escrevia, e assim continuou com o dedo na boca, pensando e soletrando. Quando chegou na palavra nariz, ela parou pensou, falou o som do iz no final da palavra e escreveu marisi. Na frase 'A borboleta está na cozinha', antecipou o s do está. Escrita alfabética, sem segmentação entre palavras. Escolheu a borboleta, o pau e o nariz. Falou bem baixinho, meio sem-jeito, sobre o fato de só saber desenhar o nariz como triângulo, como se desculpando".

O que é o erro? Por que no ato do desenho da borboleta, lembrou-se do nariz? Por sentir vergonha de desenhar assim o nariz e ter exitado em escrever a palavra? O erro deve ser entendido como uma oportunidade, um desafio e não uma ameaça. Na confiança da mediadora que lhe conferiu espaço para problematizar, questionar e reformular estratégias, a criança foi percebendo que o erro pode ser construtivo. Não apagou a sua primeira tentativa de escrever pau, apesar de ter rabiscado em volta. Se verbalizasse seu conflito, encorajada pela mediação, poderia rever saberes, problematizar e encontrar soluções remediativas. Mesmo em seu silenciar, ela encontrou o que buscava. Bons ensaios de Mediação! Comprovada Autoridade!

- E agora, mamãe? Para ajudar as mamães a repensar saberes e rever a função educadora também enquanto mediadoras do conhecimento na escola da vida, tão intensamente entrecruzada de olhares e tocares, idéias, vivências e confluências de sentimentos, emoções, razões, mitos, ilusões, sonhos, verdades e utopias...

Didática Piagetiana e a Orientação Pedagógica: o que as mães precisam saber para se sentirem mais tranquilas, sem deixar de serem amorosas.

A criança paparicada demais pode se sentir tolhida quando a mãe faz tudo por ela como prova do seu grande amor. A pequenina não come sozinha, não escolhe a roupa que quer vestir, não calça seu sapato, não pega um copo de água (?!).

A criança aprende é com a experimentação. O bebê cai e se levanta quando está aprendendo a andar. Ao tentar proteger o filho ou a filha para que não tenha nenhuma queda contribuímos para que essa criança se torne medrosa e receosa.

O meio termo é a melhor medida. A criança que se sente amada na medida certa se torna muito mais segura, se desenvolve cognitivamente, sente vontade de explorar, de aprender coisas novas, enfim, se sente equilibrada. É preciso amar com responsabilidade.

A afetividade é o motor da inteligência, segundo Piaget. E uma forma de se relacionar afetuosamente é demonstrar que se está realmente interessado na aprendizagem da criança. Em sua autonomia. E a nossa autoridade? Ressignificar os próprios sentimentos.

Desenvolvimento Cognitivo• Nunca subestimar a criança quanto as suas capacidades. É muito comum esperarmos que elas não sejam capazes de realizar determinadas tarefas e facilitarmos suas ações como a abrir uma lata de biscoito, a se limpar no banheiro, a desembalar uma bala, a alcançar um objeto que esteja no alto etc.
• Não fazer pela criança aquilo que ela pode fazer sozinha. Propor sempre que ela resolva por si mesma. Quando muito, dar uma pequena ajuda, mas nunca substituir a ação da criança pela sua.
• Não basta que ela faça algo é preciso que compreenda o que faz. Ela precisa construir e edificar as aprendizagens, através de seus próprios modelos, conceitos e estratégias.
• O adulto mediador gradua a atividade de acordo com o nível da criança. E o grau de dificuldade deve ser crescente, por andaimagem.
• Se a criança aprende pela própria ação é preciso deixar que ela tente, experimente, observe...
• Não ensinar verbalizando ou explicando. A criança aprende com a ação! É escrevendo que ela aprende a escrever. Deixá-la consultar suas "memórias", dar espaço para pensar e interpretar.
• Deixá-la e se sentir livre para ler o mundo, falar com o outro etc. A criança conversa quando trabalha. Conversa é socialização. Para ela, é difícil realizar uma tarefa sem conversar. É-lhe natural. Mais espontâneo.
• Se não for possivel uma ação sobre o conteúdo é porque não é útil para a criança. O conhecimento útil é passível de ser transformado numa ação apropriada (motora, representada ou verbal). Torna-se bem mais significativo.

No mundo atual, percebemos que os pais e as mães se sentem meio perdidos diante da correria, da influência midiática, do controle da própria ansiedade, no fortalecimento das próprias inseguranças olhando com a criança o tal amanhã. Nesse atropelo, ouvimos de um pai na escola que nos disse, em desabafo: "eu não sei mais o que fazer com meu filho, ele está aqui para que vocês façam alguma coisa por ele, entrego na mão de vocês ...". Somos mediadores no papel de orientadores educacionais. E vamos enfrentando as realidades assistencialistas e escassa geração de renda. Trabalhamos o imaterial: a formação das crianças.

- E o Brasil?

E daí? Como fica a professora, a coordenação pedagógica frente aos pais que se rendem a determinadas condutas de seus filhos-alunos? O que está errado? E a bolsa-professor? Inspirei-me na postagem da Jenny refletindo sobre a profissão-professor e o comentário que deixei lá em Professores do Brasil.

sábado, 31 de outubro de 2009

Alfabetizar-se letrando na cultura escrita...

RECEITAS NOVAS?
MAIS SABOROSAS?

A postagem feita, em 27.10.09, que me inquietou e igualmente levou educadores a refletir mais um pouco sobre a aprendizagem da leitura e da escrita e a relação alfabetização x letramento x cultura escrita foi provocada por uma aluna de Pedagogia, que atualmente estuda o sexto período do curso. Ver postagem original em noah chiavenato. Fico animada pelo que nós professores aprendemos com os nossos alunos que nos fazem refletir mais sobre o processo que estamos construindo em nossas interlocuções com leituras, práticas, debates, releituras e reescritas. E "dá-lhe" desconstruções! Somos aprendizes a nos deixar tocar e revisitar nossas próprias certezas. É com essa simplicidade que vamos caminhando, conversando e sobre contrariedades, identificações e reinvenções.

As nossas postagens e comentários refletem esse desejo permanente de aprendermos com o outro. Sabe-se que para ser um ato de conhecimento o processo de alfabetização demanda uma relação de autêntico diálogo. Aquela em que sujeitos do ato de conhecer se encontram mediatizados pelo objeto a ser conhecido. Nesta perspectiva, portanto, os "alfabetizandos" assumem, desde o começo mesmo da ação, o papel de sujeitos criadores.

Como nossos interlocutores trago alguns pensadores da área para, em conformidade, com a postagem crítica da Fátima em questão dos métodos
, sobre a reportagem da Folha de São Paulo, a respeito das experiências de alfabetização no país e a relevância de como se dá ao método fônico contrapondo-se à forma de conceber a escrita enquanto representação da linguagem, ou seja, hoje nós da área re-olhamos a escrita não mais como simples código de transcrição gráfica de unidades sonoras. Mas, qual é o método mais acertado? Repetindo-se ao que Noah questiona (?!) e ao de tantos outros estudantes mais.

Sabemos que a criança aprende como um sujeito ativo que interage de forma produtiva com o objeto do seu conhecimento. Desta maneira, para apimentar o debate, segundo Pedro Demo (2009), o que se torna mais decisivo, nesse caso polêmico, é a qualidade do professor - "um bom professor alfabetiza o aluno, partindo do aluno, ajustando o método - método é algo instrumental, não é a razão de ser". E nesse debate reiteram-se:

Freire (1982): "aprender a ler e escrever já não é, pois, memorizar sílabas, palavras ou frases, mas refletir criticamente sobre o próprio processo de ler e escrever e sobre o profundo significado da linguagem".
Ana Teberosky (2005): "consegue ler bem quem teve algum tipo de oportunidade fora da escola. Os que dependem só dela são os analfabetos funcionais. A aquisição das habilidades de leitura e escrita depende muito menos dos métodos utilizados do que da reflexão que a criança tem desde pequena com a cultura escrita".
Emília Ferreiro (2001): "A escrita é importante na escola, porque é importante fora dela e não o contrário".

E por este motivo insisto no trabalho com crianças colaboradoras seja com estudantes de Pedagogia ou com professores em formação continuada a fim de aprender como Freinet (1979), pois, "meu único mérito como Pedagogo é talvez o de haver conservado uma influência tão marcante de meus primeiros anos: sinto e compreendo, como criança, as crianças que educo. Os problemas que elas se colocam, e que são tão grave enigma para os adultos, eu os coloco ainda para mim mesmo, com as claras lembranças de meus oito anos. E é como adulto-criança que detecto, através dos sistemas e métodos com que tanto sofri, os erros de uma ciência que esqueceu e desconheceu suas origens". No meu caso específico, aprendi a ler e escrever aos cinco anos de idade, na década de 60, entre 67-68, minha mãe me disse que de repente me viu lendo e escrevendo e não sabe explicar como. Por quê? Minha mãe, que era só normalista, se aposentou em 1976, e foi durante 33 anos professora de 1a. série. Eu frequentava a escola com ela desde os quatro anos de idade, andava de sala em sala e adorava ficar com as serventes e merendeiras da escola, ouvindo suas histórias e seus contos-cantos-encantos enquanto preparavam o lanche da meninada ou limpavam os banheiros tão cheios de escritas secretas em suas portas e paredes internas. Ah! eu adorava ler gibi. E ela não sabe ainda como aprendi...

Os 70 professores da escola, que eu trabalho como coordenadora, questionaram-se e aprenderam a ouvir melhor as suas crianças colaboradoras, em dezembro de 2008, re-olhando seus processos de aprendizagem:

- O que sabemos das crianças, de seus processos de desenvolvimento, da construção de seus conhecimentos, da ampliação de suas visões de mundo?

- O que conhecem sobre a escrita a partir do lugar de onde vivem? Como adquirem esses conhecimentos?

- Como interagem com a escrita – esse objeto cultural – e como interpretam o ato de leitura?

As perguntas foram as seguintes: "o que é escrita para você? para que se escreve? onde tem coisas escritas para se ler em casa? qual a palavra que você acha mais bonita? mais gostosa? etc.".

Os objetivos dessas entrevistas foram:
Geral: Analisar os processos de aquisição da escrita nas crianças, nas relações de ensino e no movimento das transformações histórico-sociais.

Específicos:
- Investigar processos e estratégias que crianças - da Educação Infantil aos primeiros anos - usam para interpretar a escrita no meio em que vivem.
- Identificar conceitos que a criança desenvolve a respeito deste tipo de linguagem antes do início de uma instrução formal.

Apresento alguns dos resultados na apresentação abaixo:


sábado, 24 de outubro de 2009

Reflexões sobre processos de alfabetização: saber ouvir, re-olhar e mediar

A competência docente – a autoridade do argumento:
O professor é um organizador das aprendizagens quando consegue realizar a transposição didática daquilo que aprende na teoria, de forma reflexiva e práxica, reinventa o conhecimento, mobiliza seus referenciais, recria seus próprios modelos e integra a autocrítica. O professor se permite aprender enquanto ensina, tornando-se sensível às aprendizagens e se dispõe a saber ouvir o aluno, e com ele re-olhar o movimento e as situações das aprendizagens que surgem no processo de construção do conhecimento. Nóvoa (2001) destaca duas importantes competências na prática docente: a organização e a compreensão do conhecimento e isto inclui a tomada de consciência, as habilidades metacognitivas, o autocontrole, os novos discursos. Educar significa propor questões, problematizá-las, reconstruir situações, desconstruir-se no processo enquanto se busca resolvê-las.



A autonomia do aluno:
Dentre as estratégias metacognitivas quando se faz conhecer o próprio conhecimento, os erros e as limitações se colocam a caminho das aprendizagens. É importante mobilizar os alunos a tomarem consciência do percurso de sua autonomia, por meio de atividades que estimulem a produção do “leitor”, daquele que se permite errar e soergue diante da produção de novos significados e sentidos. A autoria acontece nos questionamentos e desafios, na busca de argumentações e idéias, na reinvenção de estratégias para resolver problemas. E novos conhecimentos e aprendizagens advêm de emoções de caráter público, sentimentos de caráter privado, das percepções, relações, assimilações, contrariedades e de acordos que permeiam o cotidiano e suas realidades entrecruzadas. As interpretações e sínteses se tornam parceiras no processo de construção do conhecimento.

Poderia eu passar batida se o meu óbvio não me interrogasse em determinadas situações das aprendizagens dos alunos. Uma das aprendizagens mútuas que travamos em nossa roda cultural na turma do segundo semestre de Pedagogia sobre o conceito da escrita como representação ou enquanto código. Coloquei-me a ouvir o entendimento que tinham sobre representação enquanto liam o livro "reflexões sobre alfabetização", de Emília Ferreiro, e disseram-me haver entendido a diferença entre fonema e letra, a exemplo do “xis” da palavra exame: a letra é x e o fonema /z/... Não haviam percebido que ainda se tratava de códigos e não de representação. Depois conversamos sobre suas outras concepções de representação. Problemas semânticos como porque a letra é arbitrária, algo que ficou mais concreto na transposição conceitual de números e símbolos matemáticos pelos conflitos cognitivos que ainda sofrem... Que resenha seria essa? O entendimento deles era lógico - para eles - assim como para mim a palavra representação era muito óbvia...


Como venho me desconstruindo neste vai e vem, por me permitir escutar e não somente inferir sobre seus entendimentos e dificuldades de compreensão. Neste momento vamos aprendendo juntos a reconstruir o conhecimento. Boas experiências. Melhor ainda quando entram as crianças colaboradoras que eles mesmos escolhem e novos óbvios são desmascarados.


Segundo afirma Perrenoud (2000, p.29), “o professor que trabalha a partir das representações dos alunos tenta reencontrar a memória do tempo em que ainda não sabia, colocar-se no lugar dos aprendizes, lembrar-se de que, se não compreendem, não é por falta de vontade, mas porque o que é evidente para o especialista parece opaco e arbitrário para os aprendizes”.


Comecei a exemplificar para facilitar o entendimento acerca da palavra galinha, enquanto código quando podemos nos referir aos aspectos da consciência fonológica ou transposições fonéticas, com as belezas das falas regionais, ou ainda, esmiuçar a quantidade de letras e fonemas, sobre ainda aspectos sintáticos – referentes à forma – que estruturam a frase valorizando a clareza das idéias etc. Aos exemplos de representação, primeiro a clareza da concepção da galinha enquanto significante. Ela é um ser vivo, um animal, uma ave... bota ovos, tem penas e asas etc. Pode haver crianças que nunca viram uma e aquilo que nos é óbvio deixa de ser para essa criança que mora no décimo quarto andar de um edifício, sem quintal, ligada no mundo das mídias, come frango e não galinha cabidela. Quanto ao significado a galinha pode ser a “galinha dos ovos de ouro; a galinha ruiva; a galinha do vizinho; a galinha da minha vovó que chocou tantos pintinhos; eu vi meu avô matando uma galinha para comer e fiquei chocada; galinha ao molho pardo ou no tucupi; sua irmã é uma galinha; aquele menino é um galinha etc.”. Quantas palavramundos sobressaem à palavra do ditado ou da cópia, articulam-se ao contexto de simples frases ou emergem nas histórias clássicas das fadas e companhias? Quanta diversidade tem as palavras e em suas intensas semânticas!


A leitura da palavra é a leitura de meu mundo, o professor se põe a aprender com o aluno e a viver suas experiências e a dignificá-las no coletivo. A riqueza das trocas está no saber aprender e integrar o mundo da cultura ao mundo da ciência e vice-versa, o mundo de quem FALA e daquele que ESCUTA, quantas vozes permeiam e ali percebem-se em construção pelos sujeitos autores.


O óbvio é surpreendente. Ao nos colocar ouvindo aprendemos a palavra humildade-humanidade e assim aprendemos a aprender com o Outro. Segundo Morin (2003), todo conhecimento é tradução, reconstrução e inclui a interpretação do aprendiz. Basta saber ouvir. Basta re-olhar.