Poéticas em construção reinventando o derredor
A evolução é um processo conservador. Quando falamos dos seres vivos, da sua diversidade, e pensamos na explicação evolutiva – que propõe cada ancestral comum a todos eles - nos maravilhamos com as mudanças que tiveram que ocorrer desde a origem dos seres vivos até o presente. Essa maravilha, contudo, não deve ocultar-nos o que é fundamental para que a história se produza: a conservação do novo na conservação do velho. (Humberto Maturana)
Olhar a escrita de um menino de 3 anos em pleno vôo da escrita é compreender a fluência e a autenticidade de suas representações, a criança traça dois segmentos de retas um vertical mais comprido sob um outro risco horizontal bem mais curto que o primeiro, faz a cruz e diz que ela representa as borboletinhas, pois, no ato da escrita vai dizendo em sua fala socializada, para si mesmo, “muitas borboletas” e ao final faz uma cruz maior e indica “esta é a mãe”.
No ato da escrita está a nos comunicar algo, e segundo Vygostky (1988), “comunicar é o ato de compartilhar pensamentos”, assim se estabelecem vínculos para as aprendizagens. O que esta criança está a nos chamar atenção? Ver o mundo mais integrado? Ela produz sentidos enquanto canta, dança, se move, pára, olha, coça a cabeça, leva o lápis à boca, sorri, dá-lhe mais animação e acredita estar escrevendo, e de fato está. Qual é o seu conhecimento sobre a escrita? A escrita como representação de significados que ela mesma atribui enquanto vai cantando e nos fazendo visualizar e buscar novos sentidos como mediadores.
Pensamento lógico-matemático, movimentos, sentimentos, acanhamentos, desembaraços, segurança no outro, papel, lápis, escrita, segmentos de retas, geometrias mil, tamanhos e comprimentos, representações, sorrisos, dizeres conexos, a memória do canto entre colegas, muitas borboletinhas e a borboletona.
Apenas três anos a nos ensinar a pensar mais um pouco com nossos borbotões e referências. E se tivéssemos tido a oportunidade de expressão?
Tudo podia ser diferente do jeito que hoje a gente vê. Dá-lhe lembrança de Jandira Masur, em o “Jogo do Contrário”. Livro que vale a pena ler por brincar com as contrariedades.
Falando em contrariedades: e as provas dos vestibulares em que diferem desta prática conceitual dos testes da psicogênese da língua escrita? Aqui e ali na educação infantil a criança aprende a escrever do seu jeitinho e lá mais adiante por que desaprende? O discurso é outro. Os modelos didáticos da escola tradicional não conseguem ser interdisciplinares e contextualizados. Os alunos não conseguem mais dançar sobre o conhecimento com suas memórias e reinvenções geométricas, as narrativas se escondem ou se anulam.
A escola dá excessiva valorização à memória e aos conteúdos em si e assim deixa de colocar o estudante diante de situações-problemas como estudos de caso, aulas-passeio etc. A escola pode solicitar que além dos conceitos o aluno saiba aplicá-los. O espaço cotidiano do currículo deve possibilitar tempos de aprender entre pares, professores na ecologia das salas interativas e abertas.
Por que o futuro profissional ao sair dos bancos universitários sente dificuldade de vivenciar a prática? Como o novo professor se coloca mediando conhecimento e saberes pela primeira vez em uma turma de alunos?
O que perturba, no bom sentido, um acadêmico de Pedagogia no segundo semestre, quando vai a campo, é lembrar que deverá sair da saia justa que as crianças lhes deixam como em outras ocasiões. O teste da psicogênese da língua escrita é o mote para a fluência criativa e autorias quando deixa a criança à vontade para escrever do seu jeitinho.
Educar para o sensível é buscar compreender, a saber interpretar e mediar por sobre conhecimentos e saberes. Que perguntas surgem? Que silêncios operam? Que desafios se colocam?
Os futuros pedagogos voltam-se a fazer o relatório após vivências com a criança colaboradora com bons episódios, belas imagens e sorrisos. E isto nos faz bem por nos encher de esperanças e nessas diferenças criadoras quando podem sensivelmente dizer, e também como Jandira, em um outro seu livro, que “o frio pode ser quente”.
Com Morin (2000) aprendemos que “é preciso aprender a navegar em um oceano de incertezas, em meio a arquipélagos de certezas”, as desconstruções abrem e expandem a nossa sensibilidade em pleno vôo reconstrutivo.
Oi Silvana,
ResponderExcluirFiquei muito feliz com o teu contato e em saber do belo lugar que habitas, no Paraná ao também subir a serra rumo a Curitiba deparava-me absorta diante da maior reserva de Mata Atlântica que temos no Brasil, é um belo lugar cheio de hortênsias. Gostaria de reiterar o que disseste sobre "nós professores temos a faca e o queijo na mão, temos conteúdo para isso", complementando o discurso de que nós professores por sermos naturalmente sensíveis conseguimos estabelecer vínculos afetivos com a aprendizagem de forma a aprender com os alunos e desenvolver o conhecimento a partir dos seus saberes. É o processo da reinvenção a partir de questionamentos reconstrutivos, é o olhar crítico a partir do olhar sensível... Aprendemos a saber sustentar a teia da vida com viés intervencionista centrados na solidariedade e a mobilizar racionalidade intuitiva, ambiental e equilíbrio dinâmico. É o veio da educação ambiental! Boas promessas. Seja bem-vinda! Estarei por lá no teu Blog cm certeza. Aquele Abraço!
Maria do Rocio
Olá Maria do Rócio, boas falas sobre a escrita do aluno. Quanta sensibilidade no olhar e quanto despreendimento para a busca do entendimento de traços que poderiam passar despercebidos de significados. É despertar para novas aprendizagens. E como aprendemos ouvindo nossos alunos!
ResponderExcluirBjus... amiga.
Lenira
Olá Lenira, é sempre um prazer conversar sobre a sensibilidade do nosso olhar a redescobrir os sentidos de nossos alunos, pois a partir de seus significados é que vamos percebê-lo construindo o conhecimento. Eu me divirto com o mundo particular deles e a originalidade de suas representações, que nos fazem também percorrer o mundo de anões, dragões e... ah! tem as fadas, como (en)canta Toquinho, pois neste caminho os alunos-ensinantes nos ensinam que "o bem vence eternamente o mal" e que no mundo encantado deles "o bicho papão não vai pegar", e assim eles nos fazem contentes. Muitos de nós adultos vamos saber que "a vida raramente convida a gente para brincar" e assim aprendemos a enfrentar algumas realidades com as nossas reservas de sonhos, felicidades e trocas sábias - munição suficiente para sabermos ir em busca de descontruções e reinvenções que devolvam as alegrias culturais que humanizam a todos. Nesta passagem lembrei-me de Snyders que nos diz que "nada pode pela felicidade de outrem, aquele que não sabe ser feliz ele próprio" (1988).
ResponderExcluirAquele Abraço com o cheiro de alecrim do incenso que me faz mergulhar no infinito...
Maria do Rocio
Seu blog respira educação. Sempre me sinto acompanhanda quando venho aqui e quando tenho a honra de sua visita no meu. bjos
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