sábado, 27 de novembro de 2010

Bonecas e suas histórias: o desafio da aprendizagem reconstrutiva

Aos interlocutores e, particularmente, às alunas da Pós-Graduação em Psicopedagogia que, na data de 26 de novembro, concluímos juntas o primeiro módulo do curso, meu agradecimento pela possibilidade de aprendermos umas com as outras através do estudo de caso nesse destaque.


Ao final algumas perguntas importantes como links abertos e às teias tecidas, por lá as possíveis asas à imaginação desdobraram-se: “qual é o teu nome? Como você se chama? Como ocorreu seu perfil no curso? Quais as palavras-chaves da disciplina?".


Com o objetivo de se perceber protagonista da própria história religando o olhar psicopedagógico necessário, após estudo de caso, passaram a (re)construir a própria imagem, através de bonecos ou expressiva representação ao sabor e temperatura do momento. Iniciamos o módulo dessa forma, assim como findamos, per-fazendo-se, mas, ao mesmo tempo, nos posicionando acerca da função do psicopedagogo, alicerçada principalmente em Alícia Fernández.


Tipicamente o estudo de caso, sobre problema de aprendizagem, nos leva a crer que “o prisioneiro é a inteligência e o carcereiro é da ordem do desejante mítico” (Fernández, 2001b, p.143) e que precisa ser libertado. Em qualquer drama humano, o saber tem um lugar privilegiado porque se vincula a todas as proibições e a todos os mitos. Nossas histórias se entrelaçam, se esbarram ou também nos libertam, mesmo sem perceber.


O caso conta a história de Máximo, um menino que não sabe ler aos oito anos e meio, encaminhado à psicopedagoga pela professora, o problema simbioticamente se enreda no conteúdo materno e o caso aparentemente, no tempo da escola, perdura por dois anos.


- Que tempo ansiamos para que um caso se resolva?
- Qual é a medida do nosso tempo?


Moreno (1983) criador do psicodrama postulou acerca da saúde emocional quando favorece o “treinamento da espontaneidade” e dela a expressão livre do sujeito ator-autor, e que se relaciona à palavra-mundo “ressignificado” de Fernández (2001b).


Descobre-se que Máximo não só copia, ele sabe ler, a partir do esquema de significação-ação e em forma da transposição didática, cachorrinhos passaram a ser personagens humanos. Máximo não escrevia e havia resistido a desenhar. Como então poderia ressignificar-se? Talvez morando no brincar a expressividade desse as pistas. O brinquedo - enredo - atravessou personagens da TV.


Contava histórias. Histórias misturaram-se ao conteúdo mítico, de seu imaginário e amalgamadas por outras da TV. A recriação acontece sob olhar do psicodrama, porque ali se privilegiou a transposição dessa história, inventada como metáfora - pelo menino e à psicopedagoga que lá gravava toda conversa, depois escrevia à máquina e essas histórias transcritas pousavam ocasionais sobre a mesa ao alcance de Máximo. Mas como se ele "não pode" ler?


No reconto, houve um engano meio assim sem querer da mediadora, Máximo toma a folha e lê o que ali estava, porque esse conto ressignificado era a sua história, bastante distinta do que o sintoma nos revelava. Máximo não sabia que lia. Ali ele leu escutando sua voz e de repente leu o que estava escrito e em uma folha de papel deixada - meio sem querer - sobre a mesa.


O gravador foi tomado sutilmente como subjétil, assim tornou-se projétil do desejo de ler aprisionado de Máximo. Construiu-se um espaço novo, na intervenção, menos contaminado pela culpa ou proibições.


[A mãe de Máximo, melhor aluna da turma, engravidou quando cursava o último ano, equivalente ao ensino médio, de um colega de sala e de uma escola de elite, o pai do garoto instruído por seu pai disse que ele não podia saber se era o pai, o pai da mãe a expulsou de casa chamando-a de cadela, além de lhe dizer caso insistisse em ter esse filho, que deixava ele de ser o seu pai. Ela encontrou o pai adotivo do menino e casaram antes mesmo dele nascer. Nove anos depois, sua mãe recorda passagens esquecidas e que dificultaram a aprendizagem do filho].


[Aos cinco anos de idade, a mãe lê uma carta do pai ao filho (querido filho, eu sou seu pai ainda que você não saiba. Eu era estudante e não pude responsabilizar-me como pai...), e de novo se percebe envolta copiosamente por conteúdo extremamente dramático. O trauma de saber que o pai não era seu pai, que parte de sua história lhe foi ocultada e o estado emocional da mãe fizeram com que Máximo sugerisse à mãe, já que seus irmãos mais novos nada sabiam, que juntos queimassem a carta e o problema teria assim desaparecido].


A leitura ficou como um não pensável aos cinco anos de idade. O que segreda o segredo?


- Como podemos culpabilizar uma criança por seu aparente fracasso?


A história envolve a todos em seu detalhamento e por compreenderem o importante papel do psicopedagogo e sua relação ética com a professora e a escola - e logo no primeiro módulo do curso.


Na atividade de construção dos bonecos, último dia do módulo, no embalo do jogo simbólico e do jogo mítico, o conteúdo remetia-se ao que também atravessou a história do menino Máximo no episódio vivenciado no psicodrama, por ocasião da importante transposição da história de cachorros em pessoas. As representações tem valores e significados. As palavras seus sentidos imbricados e imbrincados.


As alunas protagonistas da Pós, sim só tinham mulheres ali em sala, sentem-se à vontade de tornar público seu sentimento diante do outro, passo esse a desaprisionar formas de pensar ou desatar nós. E entre o possível e o provável o cenário liberta. Nesse repente o que é impensável pode tornar-se pensável. Inclusive na assistência de uma plateia que se despoja e se percebe no Outro. O publicável na roda de conversa faz com que outros aprendam a olhar de outro jeito todo o fenômeno psicológico que nos envolveu, ouvem-se partes das histórias dessas bonecas ressignificadas.


A leitura de bonecos. A leitura da palavra gravada.
A leitura fora do papel ou da tela.


Combina-se releitura com processo lúdico que permeiam toda criação, e aí lança-se mão do humor e encantamento, como elemento de prevenção e descontração contra o estresse cotidiano, e nesse caso depois de uma atividade intensa de estudos, reflexões, desconstruções e ressignificações.


O psicodrama é um projeto que nos chama à responsabilidade na condução e mediação de um trabalho no coletivo, ou clínico, tão rico em relação a outro ser humano que está aprendendo a chamar o seu próprio nome, a se re-conhecer no contexto.


Antes de escrever sobre si mesmo, solicitei a todos que representassem a si mesmo através de bonecos e ao estilo próprio, subsidiada em Moreno para quem “o ato é anterior à palavra e a inclui”.


Construir bonecos facilita esse mergulhar-se, resgatar a própria história, assim o despojar-se pode fluir e acontecer, mesmo que através do se dispor a ouvir o outro. No aparente silêncio. Como psicopedagogos aprendemos a ouvir os motivos do outro que podem estar impedindo o superar-se. Entretanto, somos resilientes. A escuta psicopedagógica capta o sintoma, como nos mostra Fernández em nossas re-descobertas, e faz com que o conteúdo desse conflito de repente tome corpo nessas dinâmicas.


A linguagem corporal ou verbal, através da construção do boneco, da representação de nosso eu, do nome que nos constitui, reflete as contribuições que o psicodrama traz à aprendizagem. Cada um se reconhece no objeto de criação. As experiências, os desejos e as fantasias se imprimem nos detalhes e se contextualizam. A linguagem re-busca e comunica parte de uma necessidade pessoal e que assim busca fazer sentido.


O sujeito produz sentidos ao que, talvez, ainda não tivesse sido nomeado, chamado por ele mesmo. E se desenhássemos o que construímos. Novas linguagens recriam o sentido. Brincos no lugar de olhos, flores amazônicas nas representações dos corpos...


A sexta experiência vivenciada em turma de Psicopedagogia foi boa, pois, as aprendentes foram co-oper-ativas - para Piaget, significa - pensar e agir em conjunto.


Bonecas tiveram cheiros, cores, formas, texturas e falas próprias. As imagens falam por si. 


Referências


FERNÀNDEZ, Alicia. A inteligência aprisionada: abordagem psicopedagógica clínica da criança e sua família. Porto Alegre: Artmed, 1991.
_____. O saber em jogo: a psicopedagogia propiciando autorias de pensamento. Porto Alegre: Artmed, 2001a.
_____. Os idiomas do aprendente: análise das modalidades ensinantes com famílias, escolas e meios de comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2001b.
_____. Psicopedagogia em psicodrama: morando no brincar. Petrópolis: Vozes, 2001.
MORENO, Jacob Levy. Fundamentos do psicodrama. São Paulo: Summus, 1983.
_____. Psicodrama. São Paulo: Cultrix, 1997.
PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: LTC, 1990.
WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

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