Leitura começa desde o berço: objetos, imagens, alegria, curiosidade, cor, movimento, textura, temperatura, sentimentos, emoção, expectativa, fome, desejo, choro, busca, vida, eros, compulsão, irritação, sono...
E lá vem eu com nova ou velha preocupação: pais e mães sem tempo criam filhos e filhas para que mundo? E no cenário: babá, escola, janelas ou grades, televisão, ballet, lutas marciais, danças, inglês, esportes, internet, redes sociais, celular, jogos interativos, ausências, lacunas, silêncios, ilusão, castigos, compensação, transferências, poder criativo, euforia, segredos, medos, depressão...
Como as crianças lidam com a pulsão criativa e a pulsão destrutiva neste século das comunicações sociais expandidas nos meios digitais?
E os contos, os gestos, os abraços, os risos, os cantos, a respiração, o semitom, o ruído, a harmonia onde estão?
Motivos que nos fazem repensar nessa expansão da rede comunicativa: por que nossas crianças estão mais agressivas? É só ver o crescente pipocar do fenômeno bullying nas telas e cenários do mundo todo.
- Quem são nossos filhos: autores ou alvos de bullying?
Se eles são da paz, ou seja, nem vítimas e nem agressores, o que pensam, como se posicionam e lidam com o que testemunham entre seus colegas na escola ou em outros ambientes sociais?
Penso em conversa com pais, buscar entender com eles o perfil do aluno alvo (vítima típica), o do aluno autor (agressor), a pulsão criativa e destrutiva vivenciadas em um mundo tão competitivo e a orientação da família neste redemoinho.
Quero melhor refletir as questões deste post com o otimismo de Ilya Prigogine (2001), até porque acredito que se pode produzir ordem no caos, ressignificando a desorganização e o desperdício de energia. Esta forma do olhar otimista me fez entender que a dissipação de energia associada à perda de rendimento e evolução para a desordem [pode ser] fonte de novos estados da matéria. Em nossa escola basta encontrarmos o tom certo e tentar responder para as crianças e jovens da Unidade Pedagógica da Faveira (Ilha de Cotijuba, Pará): e o agressor? Quase todos tendem cuidar da vítima típica do bullying. E o valentão ou a valentona?
Mas que desafio esse alunado nos coloca! Respiro duas vezes e escolho algumas passagens importantes na “Carta para as futuras gerações” de Prigogine, contribuindo com nosso repensar pedagógico, diante da ameaça de sermos refém da violência, a fim de enfrentarmos o fenômeno bullying e o seu desdobramento nas esferas digitais, o ciberbullying.
A escola parece desanimada neste contexto. Vários temas ressurgem nas pesquisas de opinião relacionando educação e o caráter do século 21: comunicação, mundo digital, ciência, música, arte, vitalidade, depressão... Prigogine escreveu na mais completa humildade uma carta e por lá nos pergunta: “a que ponto chegamos, no século 21?”.
Ele mesmo responde: “o homem continuamente explora novas possibilidades, concebe utopias que podem conduzi-lo a uma relação mais harmoniosa entre homem e homem e homem e natureza. (...) Estou convencido de que estamos nos aproximando de uma bifurcação conectada ao progresso da tecnologia da informação e a tudo que a ela se associa como a multimídia, robótica e inteligência artificial. Essa é a ‘sociedade de rede’, com seus sonhos de aldeia global. É bem possível que os imperadores romanos já tivessem sonhado com globalização, como cultura única dominando o mundo” (p.18). Por isso, alerta o cientista cheio de razão e paixão, “a preservação do pluralismo cultural e o respeito pelo outro exigirá toda a atenção das gerações futuras” (p.18).
O homem planetário se pergunta novamente remexendo com a situação determinística da vida: “qual será o efeito da sociedade da informação sobre nossa criatividade individual?”.
E como pensador responde: “há vantagens óbvias nesse tipo de sociedade – basta pensar na medicina ou na economia. Mas existe informação e desinformação. Para diferenciá-las requer cada vez mais conhecimento e um senso crítico desenvolvido. O verdadeiro precisa ser distinguido do falso, o possível do impossível. O desenvolvimento da informação significa que estamos legando uma tarefa pesada às futuras gerações” (p.19).
Embrenha-se em seu questionamento: “Em sentido geral será que a bifurcação reduzirá a distância entre os países ricos e os pobres? A globalização será caracterizada pela paz e democracia ou por violência, aberta ou disfarçada?”.
Assim responde: “cabe às futuras gerações criar as flutuações que determinarão o rumo do evento correspondente à chegada da sociedade da informação. Minha mensagem às futuras gerações, portanto, é de que os dados não foram lançados e que o caminho a ser percorrido depois das bifurcações ainda não foi escolhido. Estamos em um período de flutuação no qual as ações individuais continuam a ser essenciais” (p.19).
E o que me alegra encontrar ainda nesse seu otimismo – re-olhando a imagem do bebê no bercinho criado pelo JBosco acima -, é a perspectiva essencialmente complexa e transdisciplinar, “de que as gerações futuras aprendam a conviver com o espanto e com a ambiguidade” (p.19).
Responsabiliza essa geração e, com muito carinho, partilha a co-responsabilidade ao dizer: “gostaria de propor argumentos com o objetivo de lutar contra os sentimentos de resignação e impotência”. Também pondera que: “as recentes ciências da complexidade negam o determinismo; insistem na criatividade em todos os níveis da natureza. O futuro não é dado” (p.16), e se não é previsível, podemos reinventá-lo!
Enfim até por acreditar que “cabe às futuras gerações construir uma nova coerência que incorpore tanto os valores humanos quanto à ciência, algo que ponha fim às profecias quanto ao ‘fim da ciência’, ‘fim da história’ ou até quanto ao advento da ‘pós-humanidade’” (p.20).
Destaco o inconformismo de Prigogine sobre visões de pesadelo de uma sociedade atemporal que perde sua memória e, por isso mesmo, pede vigilância à juventude para que isso jamais aconteça, pois, “cabe ao homem tal qual é hoje, com seus problemas, dores e alegrias, garantir que sobreviva no futuro. A tarefa é encontrar a estreita via entre a violência e a política, e entre a cultura de guerra e a da razão”.
Por onde começamos? Há sinais dessa esperança até porque “o interesse pela natureza e o desejo de participar da vida cultural jamais foi maior do que hoje”. Criarmos no tempo de aprender brechas para arejar ideias, emoções, insuflar vida, enfim, espaço de respiração curricular, questionamentos reconstrutivos, vazão criativa, recantos de convivência, alegrias culturais, sonhos e desejos.
Assim nessa flutuação, entre pulsão criativa e destrutiva, continuo com Prigogine, afinal diante desse vai e vem do humor universal, de crise planetária, reflexos de violência simbólica, precisamos dar uma nota de otimismo às novas gerações quando ele também nos instiga “navegar seguros entre os perigos que hoje percebemos” (p.20) até porque “escolhas, possibilidades, incertezas são, simultaneamente, uma propriedade do universo e da existência humana” (Prigogine, 2002, p.78). O que mexe com nossas certezas?
A marca do nosso tempo é uma ciência em que o ser e a estabilidade deram passagem para a evolução e a mudança. A cada geração novos aprendizados. Ninguém é dialógico sem inquietar-se, sem sair de si, sem desacomodar-se, desinstalar-se, faz parte do aprender a aprender, e que cada vez mais aproxima o ensinar do aprender.
As árvores centenárias tombam no asfalto, os pássaros procuram manter-se na selva de pedra, quem cuida de plantar outras árvores centenárias neste contexto? Conseguirão sobreviver? Quem cuida do verde novo?
As árvores centenárias tombam no asfalto, os pássaros procuram manter-se na selva de pedra, quem cuida de plantar outras árvores centenárias neste contexto? Conseguirão sobreviver? Quem cuida do verde novo?
Referências
PRIGOGINE, Ilya. Ciência, razão e paixão. Belém, Pa: Eduepa, 2001.
____. Do ser ao devir: entrevistas a Edmond Blattchen. São Paulo; Belém: Unesp; Eduepa, 2002. (Coleção Nomes de Deuses).
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