O mundo de Sofia, título do livro de Jostein Gaarder, nos leva a compreender e nos desafia a propor formas de aprender com as crianças. Quando li este livro há um tempinho atrás, no meio da década de 90, senti-me estimulada a criar a concepção amazônida do Planetário do Pará, em 1997, com uma proposta animadora e interdisciplinar buscando o desenvolvimento de uma visão transdisciplinar. O meu desafio era aprender e mostrar ao mundo como o homem ou a mulher amazônida aprendia com suas questões de olhar para o céu e as perspectivas desse olhar o mundo, além de como lê o cotidiano e o que dele pode nos ensinar.
O planetário deveria trazer o diferencial do povo amazônida... como os povos antigos nos ensinaram a amar pelo conhecimento, ciência milenar parceira da arte, beleza que ressignifica nossa cosmogonia... Tanto encanta porque sabe bem aproximar sabedoria popular e conhecimento científico.
Era o pensamento da etnoastronomia fundante, uma relação inextricável entre cultura, sujeito e linguagem. Assim, a pergunta que me fiz antes de conceber o projeto do planetário foi tentar responder: "como as pessoas olham para o céu daqui deste canto planetário e como podem chamar outros olhares para juntos pensarem novas perspectivas ao mundo que nos é comum e plural". E pela simplicidade! Assim vislumbrava Sofia aprendendo com seu professor de Filosofia. Na vida...
[Abro parênteses desse saber fazer inspirado em Freinet (1992), pois para ele, a aprendizagem através da experiência seria bem mais eficaz quando o aluno fizer um experimento e der certo, assim ele o repetirá e avançará no procedimento. Porém, não avançará sozinho contará com a cooperação do professor. E que professor será este?]
- Com a forma de olhar o céu de um povo ganhei o prêmio Jabuti 2000. Visão antropológica do céu. Olhar natural e consciente. Esse primeiro lugar devo, principalmente, à Gaarder pela forma literata de nos questionar sobre o que fazemos de singular em nossa pluralidade. E nessa interpretação como pode relacionar-se à valorização da simplicidade e com isso nos instigar a fazer bem feito.
Quem chamei para me ensinar a ler estrelas e o manto escuro do céu? Saberes que me foram ensinados pelo professor Germano Bruno Afonso, da UFPR. Embebidos pela inebriante posição de nos colocar no lugar de diferentes sujeitos ecológicos, olhares que observam e se orientam pelos céus brasileiros e mais especificamente pelos céus da amazônia paraense. Povos referentes dessa terra tupiniquim que compõem o patrimônio universal, dotados de consciência ambiental e bem maior que muitos de nós que estudamos em universidades e habitamos as grandes cidades.
A sabedoria popular e o valor da vida também reaprendi com Leonardo Boff, Dalai Lama, Edgar Morin, e outros como Trinh Xuan Thuan, Paul Ricouer, Jean-Yves Leloup, Hubert Reeves, André Comte-Sponville da coleção "Nomes de Deuses" e que me foi concedida por Ilya Prigogine através da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e os pesquisadores do "grupo da complexidade".
E nessa inspiração da vida, dos saberes, das leituras e releituras vejo que muito aprendi com o olhar simples, intuitivo, inspirador, curioso, questionador, instigante das crianças - de educação infantil - belo por ser capaz de reinventar as belezas naturais e ensinar novas formas de rever a nossa complexa humanidade.
Não só sobrevivemos mas transcendemos e cuidamos de tudo que é planetário. Olhares que valorizam o amor e consolidam a paz, o bem-estar e que sabe bem desacomodar-se. Formas de ver o mundo de forma tão esperançosa e capaz de mostrar que palavras como resiliência, tolerância e solidariedade são chaves para mudar o mundo.
Ciência Humana pela não-violência...
Assim relaciono tais conhecimentos ao respeito que devemos ter com a criança. Quem ensina e quem aprende com ela. Ou melhor, o que aprendemos com a criança? Já fomos crianças um dia, conservamos algumas características delas em nós, e por isso talvez consigamos responder a seguinte questão...
"O aluno aprende bem com professor que..."
Valorizo o "educar pela pesquisa", questionando as aulas chatas e decorebas, indagação própria e sugestiva de Pedro Demo. Por isso fecho aqui com a sua provocação pedagógica: "se a criança é levada a buscar seu material, a fazer sua elaboração, a se expressar argumentando, a buscar fundamentar o que diz, a fazer uma crítica ao que vê e lê, ela vai amanhecendo como sujeito capaz de uma proposta própria” (Demo, 2000).
E nós professores, o que aprendemos com as crianças - com os nossos alunos e alunas?
Referências
FREINET, Celéstin. Pedagogia do bom senso. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
DEMO, Pedro. Aprender bem/mal. Campinas, SP: Autores Associados, 2009.
___. Saber pensar é questionar. Brasília: LiberLivro, 2009.
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