Para ilustrar a ideia de metalinguagem poética, trago aqui duas passagens do texto “Um tigre de papel”, de Marina Colasanti, capaz de provocar construções multimodais e movimentar as competências leitoras dos alunos...
"Sabendo que a ele caberia determinar seus movimentos e controlar sua fome, o escritor começou lentamente a materializar o tigre. Não se preocupou com descrições de pêlo ou patas. Preferiu introduzir a fera pelo cheiro. E o texto impregnou-se do bafo carnívoro, que parecia exalar por entre as linhas.
(...)
Em vez de escrever um salto, o escritor transmitiu a sensação de movimento com uma frase curta. Em vez de imitar o terrível miado, fez tilintar os cristais acompanhando suas passadas. Assim, escolhendo o autor as palavras com o mesmo sedoso cuidado com que sua personagem pisava nos tapetes persas, criava-se a realidade antes inexistente".
Da Vinci (1510-1513) Retrata a gestação de bebê dentro do útero É hoje como ícone de integração entre ciência e arte |
Outro texto interessante vem das palavras musicadas de Toquinho:
“Era uma casa muito engraçada não tinha teto, não tinha nada, ninguém podia entrar nela não, porque na casa não tinha chão, ninguém podia dormir na rede porque na casa não tinha parede, ninguém podia fazer pipi, porque pinico não tinha ali, mas ela é feita com muito esmero”. (não parece a descrição do útero gestante?)
A música faz rir crianças ou adultos, enfeitiça, inquieta, descontrói, a mediação ajuda mais a pensar. O conteúdo é do universo da pessoa desde pequenina...
Boas associações, trocas e diálogos podem surgir.
Boas associações, trocas e diálogos podem surgir.
A casa é o símbolo de todas as peles que nos envolvem, o corpo materno, o seio, os cheiros, os sons, os toques, outros corpos do lar, a família, o céu em volta, as luzes e os ecos do universo. É a palavra mundo mais carregada de ressonância afetiva. Nela as fragrâncias e alquimias ganham sentido. Fogos e águas. Luzes e penumbras assustadoras. Portas secretas. Silêncios. Arquétipos que se incorporam nas formas como as crianças se expressam e fazem sua interpretação nas formas de interação com o meio através dos outros que a compõem.
O primeiro esboço que Darwin fez da sua "árvore da vida"
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O texto pode servir como pretexto para diferentes produções. A multimodalidade compreende as diferentes formas de configuração dos significados. A linguagem é mais trabalhada em seus aspectos plurais, dá mais dinamicidade na produção e ajuda a circular mais a idéia e a promover mais a criatividade e a imaginação. Podemos combinar diferentes recursos, tecnologias, simplificar o discurso e facilitar a comunicação e a pesquisa, a elaboração de diferentes projetos pedagógicos com os alunos, entre os próprios alunos. Ajuda na autonomia intelectual. Toma-se a curiosidade como desafio epistemológico.
A troca de papéis é algo natural entre docente e discente. Pois quem ensina aprende e quem aprende ensina ao aprender ressignificando as aprendências. Somos ensinantes e aprendentes.
A troca de papéis é algo natural entre docente e discente. Pois quem ensina aprende e quem aprende ensina ao aprender ressignificando as aprendências. Somos ensinantes e aprendentes.
Mudança na tecnologia, consequentemente, mudança nas atividades linguísticas. O conhecimento cotidiano torna-se multicultural, com colorido multilinguístico e multimodal. Novas autoridades emergem nesse contexto. As fontes mudaram. A televisão soberana há tempos perde mais o seu espaço para diferentes alternativas tecnológicas. Ou deve se modernizar. Ser mais interativa. O diálogo em casa ou na escola talvez ainda faça falta.
As sensações, as emoções, os sentimentos se misturam à fala, à postura, à atitude, à dinâmica, ao letramento, às imagens, aos números, às formas geométricas, aos mapas, aos gráficos, às palavras, aos signos e colaboram com o processo criativo, as construções multimodais e em diversos meios sociais.
Jean Foucambert (1994) me ensinou a entender melhor a leitura de mundo quando afirma que “aprender a ler não é receber um saber existente, mas, sim, transformar a situação que faz com que não se saiba ler”. É preciso reinventar, argumentar, desconstruir, caso contrário, a informação logo será deletada. Servirá apenas ao fim destinado.
O mundo encurta. O tempo se dilui. Estamos bombardeados de informações.
- Por que queremos estar informados?
O que reinventamos revela a forma como pensamos a vida.
- Como forma de sobreviver, fazemos constantes interfaces entre passado e futuro no agora.
- No aspecto do transcender, revisitamos o passado para incursionar no futuro.
Modos de sobrevivência e criatividade visam à transcendência. Assim é a permanente necessidade pela busca, pela pergunta que nos leva a resolver problemas.
Educar para a cidadania.
Educar para a felicidade.
Educar para a compreensão.
[Requer uma nova visão sobre a inteligência]
Educar para a cidadania.
Educar para a felicidade.
Educar para a compreensão.
[Requer uma nova visão sobre a inteligência]
Qual o sentido do aprender para o aluno? E Foucambert de novo me fala que “ninguém torna-se leitor sem querer”. Os saberes não nos alinham à transformação, com eles gestamos a realidade tal como ela é. Só a pergunta nos leva para frente.
Na qualidade de professores de todas as idades que consciência temos do que transmitimos? O que são as informações? Para que serve dar a conhecer? A leitura combina com bons argumentos. Consciência se adquire no espaço da produção do aluno. Quais são os tempos e os espaços de criação da escola?
Há importantes bloqueadores da criatividade, que Goleman (1998) chama de “assassinos da criatividade”, perceptivos, emocionais, culturais e ambientais, intelectuais e de expressão, na escola e fora dela. O pior deles é o tempo. Não saber usar o próprio tempo disponível em uma tarefa. Alguns de nós sofremos com o “vício de novidade”, fascínio pelo novo, pela informação...
Acumulamos informações sem uso. Depósitos ambulantes. Antes vivíamos copiando, reproduzindo. Hoje abarrotamos memórias. Deletamos informações sem gestar ideias ou construir projetos. O mundo do descartável parece anuviar nossa visão de mundo, de sujeito, de cultura e de currículo de vida. Não é também uma forma alienante de viver como dantes?
Vamos re-olhar os determinantes assassinos de nosso poder criador:
- a vigilância: a observação constante inibe autonomia, ou seja, é também sinônimo de invasão da privacidade;
- avaliação importante: não como fonte de castigo, capaz de dar prazer e satisfação, reorientar;
- recompensas: uso excessivo de prêmios;
- competição: uma não progressão pessoal, vencer ou perder;
- controle excessivo: dizer o que deve ser feito;
- restrição de escolhas: limitar atividades, inibir iniciativas e inclinações;
- pressão enquanto desrespeito à motivação.
Comparamos agora com as quatro ferramentas da criatividade apontadas por Goleman (1998):
- fé na própria criatividade: intuição, palpite ou percepção súbita; vontade, força e materialização; alegria, deleitar-se com a atividade; coragem, romper com a barreira do medo e da crítica; compaixão, colaborar e realizar esforços
- ausência de julgamento: silenciar a autocrítica, esboçar ideias, rabiscar, combinar, brincar, dançar, sorrir, retornar, retextualizar, avançar...
- observação acurada: contemplar o mundo com a admiração de uma criança; ter a precisão de um cientista; considerar todas as coisas à volta com uma consciência juvenil
- perguntas argutas: capacidade e vontade de fazer perguntas, mesmo que sejam consideradas imbecis.
O exercício da criatividade convoca a imaginação e juntas se tornam componentes dos projetos pedagógicos. Podemos dizer que criatividade e imaginação precisam estar como elementos de organização do trabalho pedagógico e de construção desse tempo e espaço das aulas.
Segundo Alencar (2001), a “criatividade é um recurso humano natural que necessita ser mais cultivado neste momento da história, onde as mudanças aceleram, levando a incerteza a fazer parte inevitável de nossas vidas. Ela se constitui em uma habilidade de sobrevivência para as próximas décadas”.
Sob olhar polifônico de Bachelard, a imaginação é vista como a essência do espírito humano, originária. Ela dá dinamismo às atividades do homem, atividade intelectual e atividade onírica, colocando-o como pensador, como sonhador.
Assim uma pergunta mais nos vem: como trabalhamos a imaginação do alunado? Ouvindo saberes e encaminhando questionamentos, ações, imagens, relações aprendentes. Precisamos pensar em como as imagens representam o imaginário, como a fala do professor se conduz entre silêncios e respirações, nos agitos e outras respirações e nos silêncios intermitentes do diálogo. Tempo de aprender. Tempo reflexivo. Tempo criativo.
Precisamos parar e pensar na forma que concebemos a imagem em nossa práxis, podemos reconhecer outras e novas possibilidades: reprodutora (percepção e memória), evocadora (imagens afetivas), irrealizadora (tons mágicos, em sonhos, devaneios ou brinquedos), fabulosa (mitos, lendas, crenças, fanáticas) ou criadora (releitura das artes, nas ciências, nas técnicas e na filosofia).
A imaginação orienta o fazer. É o conteúdo humano. É material disponível. Assim precisamos melhor revisitar as interações que movimentam os ambientes pedagógicos das salas de aulas até o portão que se abre para o mundo e se deixa atravessar por ele.
Quais argumentos arrumamos a partir de nossos questionamentos de forma a reconstruir saberes e modelar ideias? E como a "criança" faz isso? Possibilitamos o desenvolvimento de sua consciência com prazer, ou seja, a sua corporeidade relacional? Um saber que ganha corpo, movimento e identidade.
Paulo Freire (1996) nos adverte a provocar o refinamento da curiosidade do aluno motivando a reconstruir a inteligência do objeto ou do conteúdo de que se fala para que se estabeleça a comunicação no sentido de que, como sujeito cognoscente, se torne capaz de inteligir e comunicar o inteligido. Como estratégia didática e relação mais humana, ao escutar o aluno aprendemos a falar com ele. Não basta o aluno realizar a atividade é preciso exercer interlocução e se perceber epistemologicamente curioso no processo.
Porém, "esta curiosidade permanente não deve ser estimulada apenas a nível individual, mas a nível de grupo. O que vale dizer: o convite à assunção da curiosidade na busca da leitura do real, do concreto, deve ser um convite não apenas ao menininho A, ao menininho B, mas ao grupo de estudantes, de crianças". (Freire, 1996, p. 94)
Referências
ALENCAR, Eunice Soriano de. Criatividade e educação de superdotados. Petrópolis: Vozes, 2001.
BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
___. A terra e os devaneios da vontade. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
___. A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
COLASANTI, Marina. Um tigre de papel. In: Contos de amor rasgados. Rio de Janeiro: 1986. (p. 207-208).
COLASANTI, Marina. Um tigre de papel. In: Contos de amor rasgados. Rio de Janeiro: 1986. (p. 207-208).
FOUCAMBERT, Jean. A criança, o professor e a leitura. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GOLEMAN, Daniel; KAUFMAN, Paul; RAY, Michael. O espírito criativo. Trad. Gilson César Cardoso de Souza. Cultrix: São Paulo, 1999.
Imagem 2: http://www.ioc.fiocruz.br/pages/informerede/corpo/noticia/2006/outubro/11_10_06_01.htm
Imagem 3: http://obviousmag.org/archives/2009/02/palavras_para_falar_do_mundo.html
Imagem 4: http://informacaoecomunicacao.files.wordpress.com/2011/01/sem_palavras4.jpg
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