segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Minha Casa, Minha Vida: analfabetismo crônico

Pássaro solitário no telhado do vizinho à espera da companheira

Despertar com o canto dos pássaros é estar com os ouvidos mais sensíveis, limpos da poluição sonora, a que somos assoberbados diariamente, ainda mais nós que aqui moramos no Umarizal.

Corri na sacada para ouvir melhor e percebi que ali havia coro de muitos e diferentes passarinhos, pulavam de telhado em telhado, de fio em fio e a cortar o céu em volta.

Vista do Umarizal
Como aqui conseguem sobreviver? Esse espaço que moro é um dos bairros cujo m2 dizem ser o mais caro de Belém. Um lugar cheinho de espigões. Uma horta de concretos verticais cuja engenharia procura dar o tom natural em suas transparências modernas, a espelhar e sorver o celeste azul.

Os passarinhos... o que pensam daqui desta margem do rio, quando se deparam com um prédio de 40 andares em pleno voo? Talvez muitos deles, é o que parece, insistam em sobreviver por aqui, quem saiba por este rio que encosta... Obstaculizamos a corrente? Depende do ponto de vista.

Aqui de minha casa, ainda enxergo o céu e desperto com o mavioso hino, sem o ruído da serra que agora se produz pelos trabalhadores da construção civil em outros novos prédios insurgindo deste pedaço da Terra.

Umarizal, quer dizer muitas árvores com fruto silvestre do “umari”, seu significado origina a história deste bairro, hoje deveria se chamar “espigal”, nome arrumado para algo nada natural, triste metáfora.

Meu esforço nesta manhã de obter imagens dos passarinhos cantando frustrou-me. Sinto-me tristemente analfabeta para descrevê-los. Ignoro o perfil. Aqui impotente para publicar. Coisas urbanas que assim me fizeram ser. Aqui vou aprendendo a me adaptar como eles aí pelos telhados, pois, as árvores que atrapalham as avenidas estão caindo, atropelam-se, puros ruídos no contexto, assim aqui, ali e acolá caem pelo descuido urbano.

O poder público se preocupa em manter infraestrutura, no mínimo, para atrair riquezas advindas das promessas capitais da construção civil. E o saneamento? A qualidade do ar? Talvez o rio seja o refúgio desses pássaros, lugar de beber água, lavar-se, brincar, namorar, cantar molhado. Mas, e a questão sanitária e os coliformes totais e fecais? Outra história dos motivos a conhecer acerca da persistência de aqui estarem os tais pássaros a cantar.

Temos estudos sobre a resistência canora em lugares como este? Galo meu ouvido não alcançou nesta manhã. Talvez tenham quintais por aqui.

Termino este diário do primeiro dia útil de 2011. Aprendências que depende por aqui de muita gente mesmo para me tirar desse analfabetismo crônico. O IBGE computa esse desenvolvimento/pobreza? O que conta o índice de desenvolvimento urbano? É a história humana de quem vive na cidade e em um bairro que em Belém é considerado o mais nobre da Capital Paraense. Como qualificar esse nobre? Pelos muitos prédios penso.

Pergunta que ainda não quer calar: onde estão os ninhos destes passarinhos, alguns deles se acomodam nas árvores e plantas de casa, passeiam no pequeno canto verde de meu jardim, gostam de ficar no telhado de casa, dos vizinhos, batem em minha janela para fazer suas reclamações...

Há algum programa de governo em atividade que cuide de suas habitações? Passarinho vota? A quem elegeriam? O que nós fazemos quando observamos os programas de governo em busca da qualidade de vida? Talvez o analfabetismo crônico não seja só meu. Este é um motivo de boa comunhão. Motivo de ser comum e feliz. Moro em bairro nobre! Mas, sou professora...

"Querido diário, abaixo algumas das imagens amadoras obtidas na redondeza e mais outra capturada da internet para mostrar o lado do rio que banha as costas do Umarizal. Acordei às cinco com clamores em bela sinfonia, às seis da manhã já batia fotos, seleciono algumas para aqui expor e dizer do re-clamor desses anjos de asas e seus hinos maviosos que por estas bandas ainda sobrevivem a cantar".
Espigões da sacada de casa
Verde sobrevivente
Árvore espremida recebe os passarinhos daqui
O esguio pássaro à direita encontrou a companheira tímida à esquerda...
Nasceu um espigão em meu jardim 
Umarizal sob o olhar ribeirinho 
O sol da manhã rasga o céu da Amazônia

Eu olho Belém da janela [de minha casa]

As aves que passam fazendo uma zona

Mostrando pra mim que a Amazônia sou eu

E tudo é muito lindo

É branco, é negro, é índio

(...) sede urbana dos matos

[Uma] caipora que nasceu na cidade

(...) Sou mais [uma brasileira]

Olhando Belém [daqui] enquanto uma canoa desce um rio

E o curumim [do lado de lá] assiste da canoa um boing riscando o vazio

Eu posso acreditar que ainda dá pra gente viver numa boa

Os rios da minha aldeia são maiores do que os de Fernando Pessoa

(e o sol da manhã rasga o céu da Amazônia)

Olhando os meus olhos de verde e floresta

Sentindo na pele o que disse o poeta 

Eu olho o futuro e pergunto pra insônia 

Será que o Brasil nunca viu a Amazônia 

E vou dormir com isso

Será que é tão difícil

- Os versos acima [pouco modificados] foram compostos por Vital Lima, conheça a belíssima música "Olhando Belém" entoada por Nilson Chaves, um dos pássaros desses recantos paraoaras.
- Daqui penso eu: a Amazônia resiste? Amazônia sou eu. Somos nós brasileiros. Somos nós deste Planeta clamando.


Post Scriptum, Alerta Planeta:
Encontrei um post sobre a mortandade de bichos, no caso, de pássaros, que o bicho-homem, as suas construções urbanas e senso estético acabam transformando as nossas cidades em cemitérios a céu fechado. Sem espaço para árvores e pássaros, que há muito trocaram o pular de galho em galho pelo telhado em telhado, onde vamos parar? Leia um pouco mais: "Morte em massa de pássaros atinge o segundo estado nos EUA".


- É possível fazer de nossas cidades mais educadoras?

Imagens 1, 3-7, arquivo pessoal

3 comentários:

  1. Eu não sei o que aconteceu...
    Você tentou seguir clicando em "Seguir" na navbar? Talvez desse certo.

    Abraço

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  2. Maria,

    Belo texto, belas imagens e belo poema!

    Onde moro ainda ouço e vejo pássaros.
    Há poucos dias vimos um beja-flor, minha irmã e eu, enquanto tomávamos chimarrão. Como não há muitas flores no local, ele parou perto de algumas árvores e foi embora por não encontrar o que procurava.

    Ler seu post só reforçou meu pensamento daquela hora: a cada dia afastamos mais e mais a natureza de nós, como se não fôssemos parte dela. E, pior, acredito que a tendência é ocuparmos todo o espaço possível até que o desequilíbrio natural ameace nosso estilo de vida e tenhamos que tomar o caminho inverso...a muito custo. Infelizmente =(

    Um forte abraço!

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  3. Olá Senhorita,
    Deu tudo certo depois. E você chegou aqui também.
    Contatos estimulados pela fato de gostarmos de ler e de livros, também através de colega com mesma afinidade.

    Max,
    Indigna-me toda essa situação urbana junto aos descuidos das políticas públicas. Viu o que vem ocorrendo com os pássaros fora daqui... e não serve de alerta? Esse caminho inverso delonga. Hoje mesmo os passarinhos ainda estiveram aqui batendo em minha janela e resolveram ali cantar nas árvores.
    Os EUA pesquisam e, por enquanto, acham que a causa são os fogos do final do ano... depois vem os talvezes... Passarinhos com estresse.
    Mundo deserto mundo, sem canto, sem encanto.
    Querido amigo, continuemos a blogar!!!
    Abraços Divinamente Humanos!
    Abraços Afetuosos!

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