sábado, 10 de outubro de 2009

Crianças Colaboradoras: quanto tempo o tempo tem?


Acadêmicos do Curso de Pedagogia, no segundo semestre, vivenciam o Laboratório de Aprendizagem com as suas crianças colaboradoras e reconstroem-se no jogo intitulado "quanto tempo o tempo tem?" (roda de conversa, em 06.10.2009).

As regras do jogo:

1a. etapa: (a) desenhar usando somente retas no papel em todos os sentidos (vertical, horizontal ou diagonal); (b) não pode tirar o lápis do papel (de preferência não utilizar lapiseira, pois, a ponta pode quebrar com a pressão); (c) conta-se o tempo de 4 minutos na execução desta ação.
2a. etapa: (a) no tempo de mais 4 minutos, corrigir a gosto e/ou pintar o desenho realizado. A integração de novos elementos ou dúvidas referentes ficam a critério da criança. Como ela resolve problemas? A mediação, neste momento, observa.
3a. etapa: dar nome ao trabalho depois de pronto.
4a. etapa: relatar o processo vivenciado ao mediador ou a todos os colegas presentes se for uma ação coletiva. Avaliar o que a pressão, a tolerância, o controle, os limites, o processo criativo e o erro significam a cada pessoa, a cada criança. Não dar dicas sobre o relato. Observar o caminho do pensar e as emoções integradas.

1o. ato: os acadêmicos passaram primeiro pela experiência em sala de aula, o controle foi feito através de um instrumento, a ampulheta, a emoção guiada por música estilo new age, e, a mediação pela professora lembrando a todos sobre as regras firmadas.
2o. ato: Fazer o mesmo processo em casa sob as mesmas regras. Atribuir um nome ao desenho feito em casa e um título geral ao trabalho. Comparar os dois processos.
3o. ato: Vivenciar com a criança colaboradora, entre quatro a oito anos, e no processo inicial de letramento, que vai da educação infantil ao 3o. ano de 9 anos do ensino fundamental.
4o. ato: Descrever o processo através de relatórios.
5o. ato: Socializar aos colegas, em sala de aula, o processo vivenciado.
6o. ato: Pensar sobre os próprios significados ao mesmo tempo em que se formulam o(s) objetivo(s) do trabalho mediado.
7o. ato: De aluno para aluno. Tirar as dúvidas dos colegas que não vivenciaram a ação e incentivá-los a passar pelo mesmo processo.

As vivências com as crianças fizeram com que revisitássemos os seguintes conceitos vygotskyanos sobre a relação pensamento-linguagem-desenvolvimento:
- a criança modifica sua linguagem na interação com o outro e vai dando nova forma ao pensamento;
- nos atos e processos mediados se entrelaçam a imaginação (imagem em ação), o uso da memória (relações com o saber cultural) e o planejamento da ação (mais evidenciado nas crianças colaboradoras de 7 a 8 anos).

A linguagem (processos metacognitivos) sistematiza a experiência direta das crianças, como foi observado pelos acadêmicos (dúvidas expressas ou não: eu nunca fiz isto? como eu vou fazer? como eu vou começar? será que vai dar tempo?), sentimentos muitas vezes contrários ao fazer quando não se consegue perceber o sentido da ação.

Executam tarefas porque mandam e não porque querem. Remete-se à neurose da sociedade (Freud) em querer a todo custo que as crianças estejam na escola sem mesmo elas desejarem ir, a não ser vivenciar as práticas sociais lá dentro (recreio, merenda, brincadeiras, competição, cooperação, discriminação, isolamento, inclusão etc.). Por que tenho que ir para a escola? Por que aprender a ler e a escrever? Para que aprender a ler e a escrever? O que eu desejo aprender? São perguntas, dentre outras, que a criança se faz em vários processos de pensamento. Como se medeia?

Essa atividade vivencial é para mediar vários processos de pensamento e sentimento sob pressão interna e externa. Deixar vir à tona a fala internalizada (Vygotsky) ou linguagem egocêntrica ou socializada (Piaget). Há duas lógicas na linguagem infantil, segundo Piaget, o pensamento egocêntrico e a inteligência comunicativa, a lógica egocêntrica é mais intuitiva e seus raciocínios não são explícitos; a lógica comunicativa é mais dedutiva e torna explícita as proposições facilitando a mediação. Porém, para Vygotsky, a construção do real, do pensamento é mediado pelo interpessoal antes de ser internalizada pela criança, assim se procede do social para o individual. O pensamento não origina de forma egocêntrica por ser uma fala internalizada, revista, é a releitura da criança, como ela repensa e reinventa as coisas do seu meio e segundo sentimentos, desejos e interesses.

Aline com Beatriz (8 anos):
1a. etapa: A menina pediu uma pausa antes de começar. Insistiu em mais um pouquinho e disse estar pensando no que iria desenhar. Logo disse estar pronta. No meio do tempo retirou diversas vezes o lápis do papel. Ficou tensa com o flagrante e os traços saíram mais fortes. Terminou antes, em 2 minutos e 47 segundos. Limitou-se à idéia de casa, disse que não pensou mais em nada e perguntou sobre o que desenhar no resto do tempo. Olhou para o desenho e foi fazendo linhas curvas no telhado. Espantou-se com o erro. Tentou amassar o papel, levantou-se da mesa e começou a rir procurando outra folha para refazer o desenho. Aquietou-se quando soube que não era necessário.
2a. etapa: Mais animada, pediu para começar logo. Foi direto ao telhado e tentou consertar as curvas que fez. Mas, o giz de cera não conseguiu apagar. Integrou as maçanetas. O tempo acabou e meio triste disse "Aaaaaahhh!".
3a. etapa: "uma casa" foi o título atribuído.
4a. etapa: a acadêmica perguntou: "por que casa?" e ouviu a resposta: "porque é uma casa!". Aline se sentiu "meio boba", pois parecia muito óbvio. Beatriz lhe disse que gostou mais de pintar, porque "para pintar a gente não tem muito trabalho e porque não gosto de pensar muito". Ao final, Beatriz não quis que Aline trouxesse o seu desenho para a faculdade, com vergonha dos erros.

Segundo Piaget, se a pessoa possui estruturas em formação, o professor deve trabalhar com a idéia de que o erro é construtivo, pode-se corrigir no processo através da mediação, ajudando o aluno a pensar e a superar suas dificuldades.

Qual é o significado do erro para a criança? O que ela vivencia em seu contexto? A mediação vai construindo a forma de interagir no processo da andaimagem, no diálogo com a criança. O erro é uma tentativa de acerto, a questão é descobrir o raciocínio e o ponto da dúvida. Deixá-la repensar o erro através da andaimagem.
A criança nessa faixa etária desenvolve mais o pensamento lógico-matemático, mais concreto, o desenho é o que é, funcional e objetivo. Para Piaget, os processos da inteligência representativa é correlativa a aquisição da linguagem que participa de um processo mais geral que consiste na composição da função simbólica. A criança cria novos sentidos aos objetos, são os progressos da inteligência representativa nos processos comunicativos.

Para os acadêmicos, os objetivos dessa vivência foram:
- observar o raciocínio da criança e do adulto sob pressão ao criar um desenho. Quando nós trabalhamos sob pressão, com regras predefinidas não é prazeroso, pois, não se deixa a criatividade fluir (Layse Costa);
- adaptar-se e se flexível às necessidades, mesmo sob pressão e limitação (Layse Costa);
- entender o que a criança sente quando o processo criativo é interrompido por predefinições que lhes obriga a seguir o que é imposto (Aline);
- como se colocar no lugar da criança: inibir ou soltar a criatividade? (Aline);
- perceber a agilidade da criança e a própria experiência de acadêmica e como aluna no passado (Simone);
- aprender a se organizar e a se adaptar com as coisas do mundo. Vivenciar sem pressão é menos exaustivo (Valdir);
- conhecer nossas limitações; saber onde se pode ir e chegar com certas limitações; encarar essas limitações como reta final ou como desafio a ser superado? (Lauriane).

Socializar experiências anteriores de outras turmas:
Geralmente sofrem impacto ao perceber que alguns alunos conseguem resolver bem o processo da "pressão" das regras sem deixar de planejar a ação no mesmo tempo que todos. Como podemos viver a vida agitada sem deixar de integrar razão e emoção com arte? Como a criança poderá ir para a escola e gostar de aprender?

- Onde está o DESEJO DE LER? DE REINVENTAR? DE SE PERCEBER NAS - E ENTRE AS - APRENDÊNCIAS?

Abaixo os dois desenhos produzidos, em 4 minutos, pela acadêmica Rozeane (ago.2007), só com linhas retas e sem tirar o lápis do papel. Em casa (Pensamento distante) e na Faculdade (Na teia da vida), tendo também mais 4 minutos para pintar e corrigir o erro. Quais inteligências percebemos nesse processo?





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