quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Blog e a Ego-História: impregnação mútua

Por um fio se chega ao novelo - e pelo passado o que está por vir. Provérbio a ressignificar. Diante das metodologias não-convencionais inicialmente conhecidas como pesquisas participantes, pesquisas-ação, pesquisa de natureza etnográfica, onde o sujeito se faz como objeto de estudo buscando resgatar pela memória movimentos que, sendo seus, revelam-se nossos. A antropologia nos ajuda a entender a realidade individual atrelada no fazer e ser da cultura, através de seus pensamentos e sentimentos, dado que a sociedade normaliza as suas ações aceitas ou rebeladas, sistematizando e ordenando as relações em sua teia ou labirinto.


Blog é algo impessoal, informações que despersonalizam o escrevente, ou não, pois de certa forma o estilo sobressai nos gêneros discursivos. O que se espera de um autor de Blog? O que a dinâmica mostra? Talvez como a língua viva de uma comunidade, novas palavras vão sendo incorporadas, outras modificadas, e assim se distingue da língua morta pelo fato de estar em permanente evolução, conservam-se saudosismos, as origens que de qualquer forma se atrelam às outras memórias, e portanto, se torna um esforço inútil não reconhecer as mudanças e suas ligações. O blog personaliza... Há identidade.


No começo, educadores e escola negavam a possibilidade de existir uma linguagem escrita própria da nova geração que acessa a internet. Se fez nascer um novo idioma, a exigir tradutores ou dicionários de significados. Ali onde a fonética faz produzir e perceber o som das palavras, na escrita, na tela, ganham elas novos sentidos... naum (não), aki (aqui), kd (cadê), td (tudo), vc (você), gtn (gente), bju (beijo), bjaum (beijão), fla (falar), t+ (até mais)... A gente analisa a escrita da crianças na fase inicial e classifica como hiposegmentação (uma ou mais palavras sem espaço entre elas) ou hipersegmentação (segmentação indevida de palavras em suas unidades silábicas) e se depara com escritas assemelhadas do tipo: “toaxandumoskema” (estou achando o maior esquema).

O novo estilo marca a busca por maior velocidade nos bate-papos virtuais. O que se quer? Qual é o interesse? Qual é a função dessa escrita? Precisamos ouvir e ver mais. Sem motivos para se escandalizar. É um novo lugar para navegar, conversar, distrair e aprender. Quem não brincou de falar na língua do "p" ou outros linguajares típicos da infância ou adolescência?


Algumas perguntas à essa escola nos fazemos: é o fim da escola e da escrita? diante dessa realidade, qual passa a ser a sua função? qual é a influência da internet no ensino fundamental e médio e seus impactos no desempenho e avaliação?


- Os Blogs mudaram de roupagem? Estão chegando ao fim? Onde estão as autorias e a objetividade de sua origem?


Desdobramos outras questões da escola análoga: como aprendemos a lidar com a nova geração; como nos situamos nesse movimento entrecruzado das linguagens do século XXI; que competências nos são exigidas; como nos posicionamos a escolher - leque mais aberto - e a optar? A se esgueirar nos limites e possibilidades, a assumir estilos e riscos, a colocar uma assinatura em uma postagem...

A interação midiática plugada e vivenciada por crianças e jovens e a mediação multimidiática do conhecimento evocam questionamentos reconstrutivos em nossas posições de educadores e mediadores. Onde pairam os interesses dessa geração? Como chamar às aprendizagens?


A comunicação evolui, flui, influi e remexe com paradigmas. Como nós vamos nas linhas, entrelinhas, sublinhas e desalinhos desse movimento veloz nos metamorfoseando? Acompanhamos de forma ativa ou passiva, observadora, inquiridora e participante ou negamos a existência, saudosos do antigamente, colocando de lado essas linguagens que por aqui, ali ou a distância fazem rolar sem deixar de se presentificar nos diálogos e vidas, assim contrários ao estilo de Proust (2006) quando o sujeito patêmico do desejo, perceptivo da cognição e enunciativo do discurso estão imbricados em novas relações?


Daí me vem a leitura de Vannuchi e Duarte (2001), que nos dizem que essa nova geração quer fazer tudo ao mesmo tempo e que cada um pode pertencer a vários tribos, além de aprender a saber lidar com o excesso de informação, talvez até como uma qualidade requerida de mercado fragmentado.


E a noção de autoria, que na rede é fluída e instável, neste frenesi é possível formar novos pensadores, pinta talvez aí a instabilidade da escrita, do posicionar-se, as inseguranças e o risco de com ela deixar-se para depois largando-se pelas infovias da vida virtual. Sem programar-se às paragens relaxantes de se perceber nas intimidades do pensar.


Por isso trago aqui um pouco do pensamento metodológico da ego-história, como um exercício que marca um estar, o estado de um ser, que aprende a lidar com o erro em conseqüência das virtudes ou dos desmentidos, sem traumas ou excesso de auto-estima, uma notícia aqui pode ser contestada por outra ali mais elaborada, um conceito aqui pode ser complementado ou negado por outro acolá mais reflexivo e aprofundado na horizontal ou vertical e quiçá nas linhas transversais do conhecimento. Assim essa intensa interação se consiste em cada um esclarecer a sua própria história como se fizesse a história de um outro e de tantos outros, de forma impessoal ou pessoal.


No Blog, este novo momento considera mais que a impossibilidade da objetividade, na verdade, admite a subjetividade como fonte de informação, no processo contínuo de construção do conhecimento que busca agir no processo comunicativo. Reescrevo sob as minhas escritas, e sob as escritas de cada um está a história de todos. Um entrelaçar-se na teia do conhecimento!


Não poderia deixar aqui de trazer um trecho da letra da música de Gonzaguinha “Caminhos do Coração” (1982):


E aprendi que se depende sempre
De tanta, muita, diferente gente
Toda pessoa sempre é as marcas
Das lições diárias de outras tantas pessoas


E é tão bonito quando a gente entende
Que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá
E é tão bonito quando a gente sente
Que nunca está sozinho por mais que pense estar...


E assim me misturo um pouco, atravesso saberes, e me identifico através de Jung (2006, p.31), pois: “minha vida é a história de um inconsciente que se realizou. Tudo o que nela repousa aspira a tornar-se acontecimento, e a personalidade, por seu lado, quer evoluir a partir de suas condições inconscientes e experimentar-se como totalidade. A fim de descrever esse desenvolvimento, tal como se processou em mim, não posso servir-me [somente] da linguagem científica; não posso me experimentar como um problema científico”, assim percebo que o “não dito” e a “desconstrução” expressam a ânsia de romper com verdades anteriormente consagradas.

Finalizo com as aprendizagens dos novos bonequinhos, termômetros contagiantes dos humores, co-produzidos pela nova geração da internet:
:-O atônito
:-* beijando
:-P mostrando a língua
:-\ indeciso
:-# meus lábios estão selados
:\ nervoso
}}}}}} : ) cabelo grande
: ) sorrindo
:-D gargalhando
;-) piscando
: ( triste
:’-( chorando
:-@ gritando


- Vamos trocar figurinhas?

Referências
AGULHON, Maurice et alli. Ensaios de Ego-História. Lisboa: Edições 70, 1989.
DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. 2 ed. São Paulo: Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.
FAZENDA, Ivani; SOARES, Magda. Metodologias não-convencionais em teses acadêmicas. FAZENDA, Ivani (Org.). Novos enfoques da pesquisa educacional. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1992. (p. 119-135).
GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
JUNG, Carl Gustav. Memórias, sonhos, reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
VANNUCHI, Camilo; DUARTE, Sara. Geração zapping. Isto é. São Paulo, n.1659, p. 82-87, 18 jul 2001. [link]

Imagem 1:

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg9R6H2JMMO9_TOLIPKAEAYeRMMlwQ9rK4fheqYhtpYyPo3LxjmOEVZ7tw_M6dkrq5SaRFhNZOi_XovfuyKvOsLA147XtdNpOfNN24FcfvjT-JZKyjBAjjVshOB2_-u94pKUEn49FnLYF8/s400/escadadavida.jpg
Imagem 2: http://2.bp.blogspot.com/_fA9cGDUf0ps/TFMTc0oJF7I/AAAAAAAAAFM/6acZQrohVns/s1600/gera%C3%A7%C3%A3o+internet.jpg
Imagem 3: http://www.programactrlaltdel.com/blog/tag/geracao-internet/
Imagem 4: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0cXcStumUCGLWBe1BtB_zt6pqi__74NOIv7Ge7BjPG1YMEh0xrGy_dz1XeLlP9RSt1j8kXvT9B-Nk-W6YQVeenFsoKtazl9sCa1RFYlJj0MHJgrMGJC42tM7h4-Z6PueOEwbg1M8UbkJq/s1600-h/Internet.jpg
Imagem 5: http://portaldasartesgraficas.com

4 comentários:

  1. Que bacana, Maria \o/

    Essa vida de professor-pensante é uma loucura, né? Estar atento ao que acontece nos leva a reflexões como essas. É uma tarefa que muitos docentes ainda não perceberam que é fundamental atualmente: interagir, ouvir, entender como pensam os jovens e flexibilizar o seu modo de ser para entrar em harmonia e fazer parte do crescimento dos alunos.

    Ah, os blogs...a leitura deles pode enriquecer bastante nossos conhecimentos. O que eu mais gosto na "Blogosfera" é o fato de ser praticamente infinita. É um garimpar sem-fim atrás de textos bons, como os que encontro aqui. Entre tantas decepções encontra-se, enfim, um blog gostoso de ler. É um achado que vai para a lista de favoritos e passa a fazer parte dos nossos dias de leitura.

    É verdade que há muitos blogs ruins, onde não se consegue sequer sentir o autor no texto, mas há blogs com alma e esses compensam o processo de busca. Nunca é demais reforçar: o Aprendências é parada obrigatória pra mim pelos motivos que citei acima. Além do fato da editora ser uma pessoa sensacional.

    Beijos :)

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  2. Max,

    A gente interage com diferentes interlocutores em nossas escritas, um movimento típico e explícito ao leitor pretendido, como escrevente entre escreventes , mas, sempre há um movimento particular de onde partem os diferentes fios relacionais, com indício e convite de partilhamento, e é tão bom encontrar pessoas que vivem intensamente esse processo de escrita em conexão com outras leituras, experiências e confluências composicionais provocando nesse atravessamento novas leituras, simultaneidade ou conhecimentos múltiplos.

    A “blogosfera” e as redes sociais mobilizam diferentes pessoas que se redescobrem nas palavras do outro e com elas ampliam horizontes. Sempre é muito bom tê-lo como interlocutor, de modo a compor novas expressividades com a palavra, compartilhar coreografias e a recompor equilíbrio em novos fractais das situações cotidianas ou adversas.

    Amplexus Aprendentes!

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  3. Professora Rócio,
    Sou sua seguidora, sua sensibilidade ao escrever é incrível, nesta postagem conseguistes colocar a antes e o depois. Sensacional.
    Parabéns :)

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  4. Olá Socorro!
    As relações que vamos construindo na vida nos ajuda a recolocar os sentímentos misturados às percepções, pensamentos e as releituras traduzem-nos como sujeitos da história na história sem fim. Somos o intervalo entre o passado e o futuro preocupados também em ser feliz ao participar do processo educativo. As crianças e os jovens trazem essa felicidade na alma, muitos se deparam com a dinâmica social e suas mazelas, por falta de modelos felizes optam pelas falsas alegrias e assumem o desrespeito como se fosse algo "normal". Violência gera violência. A escola quer dizer "alegria" no estudo de sua etimologia. Qua a sua raiz sobrevenha e prevaleça em cada cercania da sua variante "escola".
    Sempre é um prazer ter educadores como você por aqui também!
    Sucesso nos cursos de blogs que vem coordenando.
    Sejamos mais felizes!

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