sábado, 2 de abril de 2011

Ética em sala de aula: ciclos de empoderamento educativo e aprendências

P'ra começo de conversa: os versos inteligentes e a música dos Titãs...


Se você tiver pouco tempo p'ra esta conversa, passe depois, ouça melhor a música e sinta-se à vontade para contribuir com a sua opinião. Aqui quero destacar da música alguns "dos versos [deles] tão meus... tão seus... que esperem" (Skank):


Desde os primórdios
(...) o homem criava
E também destruía...
Homem Primata
Capitalismo Selvagem
Em um mundo apressado onde pessoas estão sem tempo de se relacionar melhor, e até onde parecemos andar para trás em determinadas situações, principalmente, as que solicitam tolerância e humanismo através de gestos amorosos, problematizadores e compreensivos, de empoderamento e humildade, de direitos e solidariedade, de autonomia e cooperação. Algumas pessoas parecem sentir dificuldades em conciliar as inteligências humanas de que somos divinamente dotados, criando sinapses cordatas ou harmoniosas entre nossos hemisférios cerebrais, direito e esquerdo, de afetividade e cognição, de razão e emoção, claro ou complexo, de eixo linear, horizontal ou transversal.


Na escola muitas vezes presenciamos a falta de compreensão pedagógica que solicita integração entre docentes e seus projetos, entre disciplinas de leituras e de fruição convivendo em espaços pedagógicos e de trocas. Onde estão as interfaces que demonstram na prática o fazer interdisciplinar? Por que os alunos e as alunas reclamam também da falta de ética de alguns professores a outros professores, ou demonstram isso nos números significativos da pesquisa?

Afinal, uma questão aprendi a fazer com alguns alunos na pesquisa da escola sobre bullying: quem cuida do agressor? E por aqui sempre me perguntei, aos alunos ou alunas de Pedagogia, de Psicopedagogia e aos leitores do blog: como o docente aprende com o estudante ou o alunado? Outra parece se fazer necessária: como se forma o educador nos gêneros que nos definem, nas funções da escola ou da família? Formação que traz a ética de saber se relacionar com o diferente, de aprender na função cotidiana das salas de aulas e outros ambientes pedagógicos de uma escola?

É urgente revisitar e observar o redimensionamento do ethos escolar. Cuidar, cooperar, exercer responsabilidade, praticar a amorosidade como balizas e caminhos que nos situam, exigem revisão ou ressignificação porque nos levam, sobremaneira, à cultura de valorização do ser e sua inserção na comunidade nativa, imigrada ou readaptada e na sociedade mais ampla.


Em sintonia com as questões mais emergentes do cotidiano e relevantes do mundo atual a nos exigir cada vez mais aprender a ser e com-viver, a multiplicar e a compartilhar, a comunicar e a saber ouvir, a escolher e a comungar, a se perguntar e a propor seja como humanos do planeta Terra ou amigos solidários.

A comunidade escolar prefere sempre a cultura que inspira educadores e educandos a agirem como cidadãos, individual e coletivamente, do local para o global. Assim correspondemos ao que Morin (2000) configura como antropo-ética, cuja visão de indivíduo, comunidade, sociedade e planeta configurem um sistema único.

É o chamado de nossa história...
A violência na escola e os estudos acadêmicos passaram por algumas fases no Brasil:

- na década de 80: a nossa preocupação versava sobre “segurança pública”, cuidados com o patrimônio escolar: depredações, pichações, risco nas paredes e carteiras, quebras de vasos sanitários ou mobiliário escolar, desperdício de merenda etc. Marcas deixadas pelo alunado no tempo de sua escolaridade. "Quando a gente gosta, é claro que a gente cuida" (Peninha)...

- na década de 90: começaram as preocupações acadêmicas sobre questões das relações interpessoais, como o alunado se relaciona entre si, nos grupos, nas equipes, inclusive, com seus professores ou funcionários da escola no tempo de sua escolaridade básica.

- na primeira década deste milênio: começou a se intensificar estudos sobre fenômeno bullying, onde destacamos a pesquisa de Cleo Fante (2005) e que nos serviu de parâmetros para analisarmos a realidade dos números de nossa escola.

- no início desta segunda década, cada vez mais, estamos nos deparando com questões da multimídia, das relações a distância - com suporte nos meios digitais, com isso entra em cena o cyberbullying (Fante, 2008): como a comunicação nos chama atenção e nos exige revisão através de programas educativos e institucionais de informação, prevenção ou cuidados e acompanhamentos.

Mas, com todo esse discurso situado que estamos trabalhando na escola, passando agora para aplicação do questionário com docentes sobre suas opiniões, observações e relações aprendentes de sala de aula, deparo-me com uma mensagem recebida por docente da escola, e que não exerce a função temporária enquanto o titular da cadeira está de gozo ou licença-saúde ou de maternidade.

Indignada trago a reflexão de Freire (1996) considerando que a pedagogia é “fundada na ética, no respeito à dignidade e à própria autonomia do educando” (p.11), assim como cautelosa procura ser “vigilante contra todas as práticas de desumanização” (p.12). Para tanto, é necessário que “o saber-fazer da auto-reflexão crítica e o saber-ser da sabedoria exercitada [nos ajudem a evitar] a ‘degradação humana’ e o discurso fatalista da globalização” (p.12), que nos afastam de nossa humanidade.

Precisamos aprender diariamente, recolocar questões,  tomar e rever atitudes que nos inquietam e promovem conflitos de toda natureza e que as políticas oficiais ou iniciativas individuais de educadores nem sempre nos dão respostas efetivas. Parece que a sociedade que almejamos não se constitui sem uma educação de qualidade, sem distinção socioeconômica, sem discriminação de qualquer natureza, pois o que pensamos não será possível se não tivermos em nossos currículos conhecimentos regados de uma perspectiva humana de educação em todos os níveis, inclusive na formação de educadores.

Trago aqui para vocês me ajudarem a pensar, responder e melhor mediar o desabafo docente que me chegou nesta manhã e outros não-ditos:

“Olá, professora! Bom dia!

E eu me pergunto como podemos melhorar? Como devemos agir diante do bullying praticado por professores?

Essa semana mesmo tive uma conversa acalorada com minha turma referência devido ao comportamento de alguns alunos: ele chamam um colega de "macaco" (eles dizem que é porque ele parece com um macaco) e ele, não gosta, mas, claro, sorri e responde num tom de protesto-brincadeira para lidar com isso. Parei a aula para discutir a situação e um aluno argumentou que enquanto eu não gostava de apelidar, outro professor fazia isso cotidianamente. Fiquei triste e expus minha experiência de escola enquanto adolescente. Aconteceram outras situações nessa mesma aula, mas acredito que de alguma forma houve aprendizado.

A nossa vontade é de tentar mudar a cabeça das pessoas com palavras, mas eu tenho consciência de que só há mudança através das boas atitudes e se houver vontade da própria pessoa em mudar para melhor.

Continuo ‘lutando’...
Abraço e muita saúde!”

Volto com os Titãs, finalizando com outra parte de seus versos:


Desde os primórdios
Até hoje em dia
O homem ainda faz
O que o macaco fazia
Eu não trabalhava
Eu não sabia
Que o homem criava
E também destruía...
Homem Primata
Capitalismo Selvagem
Eu aprendi
A vida é um jogo
Cada um por si
E Deus contra todos
Você vai morrer
E não vai pr'o céu
É bom aprender
A vida é cruel...

- Se somos educadores...


Referências
FANTE, Cleo. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2 ed. Campinas SP: Verus, 2005.
FANTE, Cleo; PEDRA, José Augusto. Bullying escolar: perguntas e respostas. Porto Alegre: Artmed, 2008.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
LA TAILLE, Y; MENIN, M.S.S (Org.) Crise de valores ou valores em crise? Porto Alegre: Artmed, 2009.
MIDDELTON-MOZ, Jane; ZAWADSKI, Mary Lee. Bullying: estratégias de sobrevivência para crianças e adultos. Porto Alegre: Artmed, 2007.
MORAIS, Régis de. Sala de aula: que espaço é esse? 17 ed. Campinas, SP: Papirus, 2003.  
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2000.
ORNELA, Maria de Lourdes Soares. Afetos manifestos na sala de aula. São Paulo: Annablume, 2005.

2 comentários:

  1. Olá, Professora! É realmente lamentável o que foi vivenciado e narrado pela professora. E doloroso saber que acontece no local que nós estamos juntos porque AMAMOS O QUE FAZEMOS, nos propondo a reconstruir saberes, conscièncias e compromisso com a aprendizagem de nossos alunos. Que pessoa (s) é (são) essa(s)e o que de fato busca(m) naquela Escola? - Que expiências de vida essa(s) pessoa(s) te(ê)m para reproduzir(em) com tanta falta de afeto e gentileza sua(s) mazela(s) em sala de aula, para desmerecer(em) o momento de formação ética e de valores humanos da pessoa aluno? Aí, me lembro de um velho ditado "CADA UM DÁ O QUE TEM!", e a impressão que dá é que essa(s) pessoa(s) é sofrida, perdida em si mesma e que está pedindo por socorro. É nosso típico AGRESSOR ADULTO DOCENTE. O trabalho de retorno às turmas sobre a pesquisa bullying que vamos começar, não deverá perder de vista essa conduta lastimável e doentil de alguns docentes que infelizmente temos que aprender a conviver. Nossa outra missão é também discutir ética e valorese respeito humano com eles em nossas horas pedagógicas."..O MUNDO É UMA ESCOLA, AVIDA É UM CIRCO. AMOR PALAVRA QUE LIBERTA, JÁ DIZIA O PROFETA."Monte,2000. RuBEM Câmara

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  2. Rubem,
    "Gentileza gera gentileza", já dizia o profeta e "nós que passamos apressados / Merecemos ler as letras / E as palavras de Gentileza", já dizia Marisa. Repito a preocupação dos alunos e alunas da Faveira: e o agressor quem cuida? Muito fácil encaminhar para o CRAS, CREAS, o DATA (Divisão de Atendimento ao Adolescente), o Ministério Público... Aonde vai ele?
    Se professor ou professora preocupa-se com a ética docente diante da "saia justa" que uma turma inteira cobra de nossa consciência educadora: professores estimulam apelidos como algo normal.
    Abraços Afetuosos Sempre!
    Inadmissível saber do fato...

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