terça-feira, 5 de abril de 2011

Relação de poder em sala-de-aula: perspectiva da função catártica da emoção

A dessemelhança humana, a competição, a hipervalorização do sucesso pela sociedade, pela família, pela escola podem aniquilar a personalidade de alunos e alunas. Tenho esperança de movimentar as agressividades que atravessam os processos de ensino e nossas relações cotidianas na escola.

Como educar para a não-violência considerando o respeito mútuo, a compreensão e a cooperação entre alunado e entre docentes? Cada um de nós tem uma forma de lidar com a agressividade. Qual é o nível de nossa tolerância e como aprendemos a lidar com ela diante de situações conflitantes? O desafio está em mudarmos de paradigma e não fazer a violência crescer ainda mais.

Cartase significa alívio de tensões, desabafo que nos purifica das energias destruidoras e abre a porta para as energias construtivas. Importante para repensarmos as situações de bullying escolar que afetam muitas relações e vidas.

Para ilustrar a palavra e a ação trago aqui cenas do filme “Sociedade dos Poetas Mortos”, direção de Peter Weir, como oportunidade de movimentar, potencializar ou ressignificar a palavra, a leitura, o discurso escrito, o gesto tímido, o dito sufocado, a marcha desencontrada, a marcha coordenada, a poesia que irrompe, a ousadia que faz crescer... Algumas cenas podem mexer mais alguns. Outras mexem com outros mais. Este filme traz, como protagonista, o Professor Keating (Robin Williams), apaixonado e criativo, que leva seus alunos a indagações sobre o significado do conhecimento e a importância da cultura, valorizando a auto-estima de sua turma como importante para conquista da autonomia.

A escola em tela mantém o mesmo padrão de ensino ministrado há cem anos e que a fizeram estar no topo da melhor escola preparatória dos E.U.A. No ano anterior colocou mais de 71% de seus alunos na Universidade. A escola prima por quatro princípios básicos que são: “tradição, honra, disciplina e excelência’. E que os alunos atrás da porta chamam de: tramóia, horror, decadência e excremento.

A sociedade dos alunos era secreta, pela necessidade de não se sentirem tão sufocados. O desejo de transgredir e de descobrir era constante em meio às tantas exigências. Destaco dez cenas e falas que podem se assemelhar de alguma forma com as nossas realidades situadas.
1) "Observem alguns rostos do passado. Não são diferentes de vocês. Mesmo corte de cabelo. Cheios de hormônios, assim como vocês. Invencíveis como vocês se sentem. O mundo lhes pertencem. Julgam-se destinados a grandes feitos. Os olhos deles estão cheios de esperança como os de vocês".
2) "Carpe diem. Aproveitem o dia, rapazes! Tornem a vida de vocês extraordinária! Agarre a oportunidade! As oportunidades vem pra você todos os dias. Hoje já foi futuro daquilo que você já esperou tanto no passado. O ideal nunca chega. Hoje é o dia ideal para quem o faz ideal. Viva o hoje. Viver amanhã é tarde demais, viva hoje. Tudo que temos é agora. O hoje bem vivido prepara tanto para as oportunidades quanto para os obstáculos de amanhã".

3) “Um soneto de Shakespeare é ótimo tanto horizontal como verticalmente, com uma área considerável revelando ser o poema realmente bom”.
4) “Vocês aprenderão a pensar por si próprios. Aprenderão a saborear palavras e linguagem. O que quer que lhes digam, palavras e ideias podem mudar o mundo. “O que é a Sociedade dos Poetas Mortos? Os poetas mortos se dedicavam a sugar a essência da vida. Frase de Thoreau que invocávamos nas reuniões: ‘no encanto deixávamos a poesia cultivar sua magia’”.


5) “Fui à Floresta porque queria viver livre. Eu queria viver profundamente, e sugar a própria essência da vida… eliminar tudo o que não fosse vida...




 ... e não, ao morrer, descobrir que não vivi”. (Henry David Thoreau)




6) “Não é tarde para procurar um mundo mais novo. Minha meta é navegar além do pôr-do-sol. Embora não tenhamos a força que antigamente movia céu e terra... o que nós somos, nós somos. Uma boa índole e corações heróicos enfraquecidos pelo tempo, mas fortes na vontade de lutar, procurar, achar e não ceder”.
7) Quando pensam que sabem algo, olhem de outra maneira. Mesmo que pareça tolo ou errado, devem tentar. Não considerem só o que o autor pensa. Tentem achar sua própria voz. Dizia Thoreau: ‘A maioria dos homens vive em silencioso desespero’. Não se resignem. Libertem-se! Ousem ir em busca de novos campos. Componham um poema”.
8) O grito catártico que Andersen solta é animado pelo professor: “eu solto o meu yawp bárbaro sobre os telhados do mundo”, porque “pensa que tudo nele é insignificante e sem graça”. O grito é, simultaneamente, um símbolo de libertação e de revolta. Nesta mesma ânsia o professor Keating propõe que, antes de chutar uma bola de forma destemida, os alunos lessem, em voz bem alta, um excerto de um poema: “hora de herdar a terra”, “lutar sem grandes chances, encontrar amigos destemidos”, “ser um marinheiro do mundo, destinado a todos os portos”, “vivo para ser um regente da vida, não um escravo”, “avançar para as bocas das armas em perfeita indiferença”, “dançar, bater as mãos, gritar, rolar, flutuar”, “ter vida doravante, um poema de novas alegrias”, “ser realmente um Deus”.
9) Sua provocação começa bem antes, e em sala de aula, pois Andersen suava para falar em público, sentia dificuldades nos dizeres, na leitura ou escrita. O professor mexe com ele, que instigado declama em situação de cartase:

Uma imagem flutua ao meu lado.
Um louco dentuço suado golpeia meu cérebro.
As mãos dele me estrangulam. A verdade é como um cobertor
Que sempre deixa seus pés com frio.
Você empurra, estica, nunca há o suficiente...
Você chuta, bate, e ele nunca nos cobrirá
Desde que chegamos chorando até partimos mortos,
Só cobrirá seu rosto, enquanto você berra, chora e grita...
O caos grita!!


10) Uma das aulas de inglês (língua materna) aconteceu no pátio da escola, três alunos foram convidados a andar no pátio. Antes o professor Keating fala para todos: “não sei mas ouvi dizer que fazer poesia é ter poder”. Alunos bateram palmas e ele comentou: “todos precisamos de aceitação. Mas acreditem que suas crenças são únicas. Mesmo que outros as achem estranhas e que o rebanho diga: “meeeediocre!”. Cita Frost: “duas estradas seguiram diferentes rumos num bosque. Peguei a menos movimentada. Isso fez toda a diferença”. Chama três alunos para andar no pátio enquanto outros assistem: “agora quero que vocês achem o seus próprios passos. O seu próprio jeito, da forma que desejarem. Andem para qualquer direção que escolherem. Orgulhoso ou tolo. Como quiserem. Senhores o pátio é de vocês! Não precisam exibir-se. É para vocês mesmos!”. Dirige-se a um aluno que está encostado em um pilastre a observar, mas, fora do grupo: “vai andar conosco?”, e ele lhe responde: “exercitando o direito de não andar”. “Obrigado! diga claramente, ‘nadar contra a corrente’”.

O filme continua com seu enredo, mexendo com a emoção de cada um dos jovens que aos poucos conquistam seus espaços, mudando a forma de ver o mundo e suas relações. O professor ensina sem ser libertino, instiga, provoca, emociona, inova e não perde o respeito dos alunos. Difícil imaginar uma relação entre aprendentes que prescinda do afeto e do respeito mútuos. É exatamente assim que o conhecimento na escola pode ser emocionantemente mediado.

Talvez desta forma possamos diminuir a incidência do bullying escolar. O terror silencioso, como é chamado o fenômeno bullying, está a exigir do professorado maior atenção em seu projeto pedagógico. A sala de aula, infelizmente, é o local da escola que mais promove interações ásperas, veementes e violentas, de acordo com pesquisas nacionais e em nossa escola.

Como vocês estão enfrentando o bullying em suas escolas? Compartilhando experiências do gênero poderemos melhorar ainda mais a qualidade da educação tão afetada nos índices nacionais.

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