Como acontece a fala e a escuta
em sala de aula? Onde se situam o lugar e a posição das falas e das escutas?
Quem são os sujeitos interlocutores nesses lugares, posições e tempo? Quando
acontece a troca?
“O mal-estar na escola tem diversas
faces para serem olhadas e pensadas: é como se olhássemos um cubo, que tem seis
faces, como sabemos, mas só podemos, de um determinado lugar, ver três faces, é
necessário que nos desloquemos para que vejamos todas as faces” (OUTEIRAL,
CEREZER, 2003, p.1).
Escutar é dar sentido ao espaço
que cerca o aluno. Ouvir ditos e não ditos, produz-se, amplia-se e repete-se o
afeto prazeroso e desprazeroso. Na repetição pode emergir o processo da
criação. Na fala, a falta, a lacuna, o desejo ou o recuo. Escuta sensível mexe
com afetos. A fala se reorienta no processo do ensino-aprendizagem. O saber do
aluno e o conhecimento da forma apresentada pelo professor cooperam na
compreensão do conteúdo exposto. A leitura ajuda a reler o dito e o não-dito, mexe
com os significantes e o significado das relações. A pesquisa ajuda nas
releituras do conteúdo, sob novos pontos de vistas e com isso facilita a formação
de opinião, que pode afirmar ou negar o dito pelos não-ditos ou outros ditos.
A fala faz fazer operar na sua
cadeia de palavras, o divórcio entre significante e significado e aí o sujeito
do inconsciente emergirá nos tropeços da fala, nos atos falhados, nos chistes,
nos sonhos etc. A fala, fala, mas esta é incompleta porque o sujeito falante
sempre tem algo por dizer, a fala comporta um furo no dizer, um semidizer.
Uma lição a ser ressignificada, é
preciso saber matar o mestre, aprendendo a falar, escutar e a tornar o mestre
de si mesmo. Uma rede de sentidos, escutas, falas, faltas, afetos. A autoria
acontece nesse movimento intenso de argumentação e contra-argumentação, de
ensino, pesquisa e releituras.
Na escola com crianças menores de
sete anos a gente aprende a ouvir como se aprende a ler o mundo através da
palavra e sua rede de significados. A palavra loja revela o lugar de trânsito
diário, da proximidade de moradia do colega, do ponto de referência que marca o
início de uma rua, o lugar de compras, o sorriso dos encontros diários, os
olhares desconfiados, os compassos furtivos, acenos de alegrias, o sonho de
consumo, o endereço de brinquedos, e não somente a confusão fonêmica do "g" na
consoante "j".
A fala e a escuta ocupam um lugar
singular no modo de educar.
No lugar de avó fortaleci ainda
mais a maneira de olhar a criança como sujeito de afetos, sem pressa para
aprender sobre seus movimentos, gestos, falas e faltas e não no afã de que
aprenda algo mas, que veja o belo em tudo que vê, onde aprenda a respeitar o
outro, o diferente, o exótico. Compreendendo os sinais da ansiedade, do medo, da
falta, da falha, da brecha e da indagação como importantes para motivar a
busca, a reinvenção.
O que se cultiva em outros meios,
como as pessoas de outros espaços, discursos, lugares ou tempos, aprendem com o
seu meio e o que esse olhar múltiplo ajuda a gente a se refazer em nossas
relações cotidianas e complexas?
Entram aí nesse contexto das
aprendências, a palavra letramento e o desafio de se alfabetizar letrando.
Questões bastante presentes em turmas das séries iniciais, de educação infantil
ou salas de alfabetização de adultos onde aprendemos a nos apropriar do
discurso escrito através da palavramundo*.
E bem ali próximo do universo aprendente dos sujeitos de afetos, prazerosos ou
não, provenientes de sedução, de relação transferencial, de situação ambivalente,
de repressão ou frustração, sempre observadas nas relações com objetos de
estudo e nos mais diferentes ambientes educativos de uma escola ou comunidade
escolar envolvida.
No conjunto é preciso saber enlaçar
educação, representação e afetos como escuta de interfaces a ser construída nas
relações do processo educativo que acontece na escola ou na vida. Ensinantes e
aprendentes, em seus papéis de escuta, fala e falta, trazem nos atos educativos
seus afetos manifestos ou latentes que facilitam ou dificultam a troca de
conhecimentos.
Nessas releituras, “vamos
bordando a nossa vida, sem conhecer por inteiro o risco; representamos o nosso
papel, sem conhecer por inteiro a peça. De vez em quando, voltamos a olhar para
o bordado já feito e sob ele desvendamos o risco desconhecido” (SOARES, 1990,
p. 25).
* palavramundo, é neologismo, criado por Freire (1982), para nomear os contatos iniciais do sujeito leitor do mundo em suas múltiplas dimensões, ou seja, por ser a leitura da palavra, para ele, sempre precedida da leitura de mundo.
* palavramundo, é neologismo, criado por Freire (1982), para nomear os contatos iniciais do sujeito leitor do mundo em suas múltiplas dimensões, ou seja, por ser a leitura da palavra, para ele, sempre precedida da leitura de mundo.
Referências
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 13 ed. São Paulo: Cortez, 1982.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 13 ed. São Paulo: Cortez, 1982.
OUTEIRAL, José; CEREZER, Cleon. O
mal-estar na escola. Rio de Janeiro: Revinter, 2003.
SOARES, Magda. Metamemória,
memórias: travessia de uma educadora. São Paulo: Cortez, 1990.
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