Leitura de mundo, leitura de vida, leitura de si.
O que faz com que alunos – crianças, jovens ou adultos - não escrevam? O que dificulta o escrever em situações que exigem o pensar por escrito? Pode estar relacionado tanto à forma como ao conteúdo ou ainda com a dificuldade de saber lidar com a pressão social, as próprias expectativas, o medo, a frustração, a estima de si mesmo.
Gosto de ler Vygotsky nestas horas que percebo o bloqueio diante de uma folha em branco com lápis ou caneta, ou diante de uma tela, teclado, corpo, mãos e a ponta dos dedos entrelaçados, suados... “Ele” me diz assim que podemos “desenhar, além de coisas, também a fala” (Vygotsky, 1988, p. 131).
Mas, o que é o desenho? A nossa forma de olhar, tocar, sentir, lembrar, perceber e representar o objeto que está a nossa frente? É o objeto em si? Ou é a forma como vivenciamos o tal objeto em um determinado momento e ali expressamos nosso saber-sentir-dizer? Quem viu de forma diferente e prestigiada esse objeto? Saímos em busca de olhares melhores para dizer sobre a percepção de ver a coisa? A inspiração vem das necessidades de sermos também queridos e aplaudidos? Talvez tradução simultânea? Mas, esquecemos de que precisamos sentir e tentar dizer primeiro sobre o que estamos vendo e como representar com os recursos ao nosso alcance e recolocar simplesmente nossos sentimentos, emoções, inquietações, perspectivas e tanta coisa que o momento representa. Descentramos e por vezes nos esquecemos.
O que é o desenho da escrita? A fala escondida, silenciada, inconsciente, pincelada, escorregadia, secretada, aberta, publicável, aceita, feliz, vibrante, chorosa, desperta, ressignificada, sublimada, gritante, desafiadora, irônica, ponderada... Em que momento estamos? Em que momento está nosso aluno? Que lembranças acumulamos dos atos de escrita?
A linguagem escrita possibilita que se simbolizem símbolos – as palavras, as falas – ali no suporte da escrita representada, e no limite máximo, ocorre a transformação de processos intrapsicológicos em processos interpsicológicos combinado à lógica cheia de sequências, organização e processos estruturais a remodelar a fluência e a fruição. A técnica ajuda a poetizar a vida, as emoções e o conhecimento.
Lembro estar em uma cadeira olhando uma parte de um tronco de uma (ex)árvore colocado no meio de uma mesa e bem no centro de uma sala, lá também estavam outros colegas em suas cadeiras. Cada um de nós olhava aquele tronco e ali no papel deveria desenhar a parte que olhava do tronco. Que lápis era aquele? Tinha alguém que ficou na mesma posição que eu e já tinha desenhado algo bastante interessante? Como representar as entrâncias e reentrâncias do tronco, as cores e as luzes que iluminavam parte dele e que me cegavam outras tantas, queria chegar mais perto e tocar, não podia, tinha eu que sentir à distância e pesquisar nas minhas memórias do tocar... Quem impedia? Não sei, não lembro, mas a mesinha parecia me impedir. As texturas saíram, os círculos concêntricos, as espirais, as paralelas, as diagonais, as imagens secretas, fui me experimentando naquele novo dizer. Boas experimentações de mim.
E as redações, os pensamentos dos alunos e as suas formas de dizer lhes são tão desafiantes como aquele tronco me significou em um dado tempo? Preocupam-se com a forma de como fazer com o lápis ou caneta, o conforto da cadeira, a iluminação inadequada, o desalinho do tronco, o conteúdo curricular ou com o objeto em si; com os condicionantes sociais da aprovação ou reprovação, a ironia dos colegas; com a sua própria forma de ver, representar, descobrir-se, arriscar; com a pressão externa, com os problemas que surgem quando algo perde a graça, o encantamento...
Ilustrando essa passagem, encontrei nas palavras de Zeca Baleiro, um pouco desse complexo querer dizer rascunhado em papel: "Eu não sei dizer, O que quer dizer, O que vou dizer". O inconsciente se mistura ao eu consciente e tudo consiste nesse mistério que somos. Segundo Barthes, "o texto é uma textura, uma tecelagem artesanal”, assim como naquele esboço me preocupava em como representar a textura do tronco, tive que fazer algumas rupturas como deixar de lado a vontade de desistir do papel, o “prazer do escritor é diferente do prazer do leitor", a percepção do professor é diferente da percepção do aluno, uma cadeira, o ângulo e o desenho originaram os fazeres... Reinventamo-nos nesse dizer. Somos releituras criativas!!
O que nos move a aceitar os desafios de escrever?
Recorro à proto-escrita para entender melhor esse processo, assim entendo essa passagem de minha memória aprendente quando tentava desenhar o tronco da ex-árvore em cima da mesa, o “desenho” estava além de uma «escrita visual», pois, emaranhava-se em uma rede «hipertextual», de retas indefinidas e com «ligações» múltiplas. Ali experimentava eu uma proto-escrita, mensagem não-codificada, de arquivos, sensações, significados, sentidos, expressos, impressos, relacionados, interativos, dispositivos abertos para pesquisas de si mesmo, de gente como eu ou em situações bem diferenciadas...
A proto-escrita, sustenta Derrida (2002), é invocada pelos temas da arbitrariedade do signo e da diferença, assim elimina-se a metafísica da presença, afasta-se do objeto corpóreo de seu significado. O pedaço da árvore morta ali estava em uma face original no meu papel. Eram os riscos da autoria, de quem se permite rascunhar se achando o último desenhista a desenhar, sem medo de receber a “vaia” da platéia. Consegui representar, pelo menos para mim o desafio aceito teve resultado. Senti-me capaz. Depois ouvi os requisitos técnicos para aperfeiçoar o traçado. A crítica me ajudou a reconstruir o feito. Não a apagá-lo, mas, perceber o desenvolvimento possível e desejável. Entendi o que é construir competência.
Deixo abaixo a apresentação de “Lenha”, composição de Zeca Balero:
Repete-se o que ouve ou se assiste, sem parar para analisar e emitir a própria opinião, ensaiar a própria escrita? Instiga-nos à superação Barthes (2004, p. 51), pois, segundo ele: "a forma bastarda da cultura de massa é a repetição vergonhosa: repetem-se os conteúdos, os esquemas ideológicos, a obliteração das contradições, mas variam-se as formas superficiais. Há sempre livros, emissões, filmes novos, ocorrências diversas, mas é sempre o mesmo sentido". O que estamos sentindo? O que percebemos? Como vencemos o medo de errar?
- Como vão os ensaios de escrita? Cheios de proto-escritas mediatizadas?
Referências
BARTHES, Roland. O prazer do texto. 4 ed. São Paulo: Perspectiva, 2004.
DERRIDA, JACQUES. A escritura e a diferença. São Paulo: Perspectiva, 2002.
VYGOTSKY, Lev. A formação social da mente. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
Imagem 1: http://portuguese.cri.cn/mmsource/images/2007/06/20/yanhua1.jpg
O que faz com que alunos – crianças, jovens ou adultos - não escrevam? O que dificulta o escrever em situações que exigem o pensar por escrito? Pode estar relacionado tanto à forma como ao conteúdo ou ainda com a dificuldade de saber lidar com a pressão social, as próprias expectativas, o medo, a frustração, a estima de si mesmo.
Gosto de ler Vygotsky nestas horas que percebo o bloqueio diante de uma folha em branco com lápis ou caneta, ou diante de uma tela, teclado, corpo, mãos e a ponta dos dedos entrelaçados, suados... “Ele” me diz assim que podemos “desenhar, além de coisas, também a fala” (Vygotsky, 1988, p. 131).
Mas, o que é o desenho? A nossa forma de olhar, tocar, sentir, lembrar, perceber e representar o objeto que está a nossa frente? É o objeto em si? Ou é a forma como vivenciamos o tal objeto em um determinado momento e ali expressamos nosso saber-sentir-dizer? Quem viu de forma diferente e prestigiada esse objeto? Saímos em busca de olhares melhores para dizer sobre a percepção de ver a coisa? A inspiração vem das necessidades de sermos também queridos e aplaudidos? Talvez tradução simultânea? Mas, esquecemos de que precisamos sentir e tentar dizer primeiro sobre o que estamos vendo e como representar com os recursos ao nosso alcance e recolocar simplesmente nossos sentimentos, emoções, inquietações, perspectivas e tanta coisa que o momento representa. Descentramos e por vezes nos esquecemos.
O que é o desenho da escrita? A fala escondida, silenciada, inconsciente, pincelada, escorregadia, secretada, aberta, publicável, aceita, feliz, vibrante, chorosa, desperta, ressignificada, sublimada, gritante, desafiadora, irônica, ponderada... Em que momento estamos? Em que momento está nosso aluno? Que lembranças acumulamos dos atos de escrita?
A linguagem escrita possibilita que se simbolizem símbolos – as palavras, as falas – ali no suporte da escrita representada, e no limite máximo, ocorre a transformação de processos intrapsicológicos em processos interpsicológicos combinado à lógica cheia de sequências, organização e processos estruturais a remodelar a fluência e a fruição. A técnica ajuda a poetizar a vida, as emoções e o conhecimento.
Lembro estar em uma cadeira olhando uma parte de um tronco de uma (ex)árvore colocado no meio de uma mesa e bem no centro de uma sala, lá também estavam outros colegas em suas cadeiras. Cada um de nós olhava aquele tronco e ali no papel deveria desenhar a parte que olhava do tronco. Que lápis era aquele? Tinha alguém que ficou na mesma posição que eu e já tinha desenhado algo bastante interessante? Como representar as entrâncias e reentrâncias do tronco, as cores e as luzes que iluminavam parte dele e que me cegavam outras tantas, queria chegar mais perto e tocar, não podia, tinha eu que sentir à distância e pesquisar nas minhas memórias do tocar... Quem impedia? Não sei, não lembro, mas a mesinha parecia me impedir. As texturas saíram, os círculos concêntricos, as espirais, as paralelas, as diagonais, as imagens secretas, fui me experimentando naquele novo dizer. Boas experimentações de mim.
E as redações, os pensamentos dos alunos e as suas formas de dizer lhes são tão desafiantes como aquele tronco me significou em um dado tempo? Preocupam-se com a forma de como fazer com o lápis ou caneta, o conforto da cadeira, a iluminação inadequada, o desalinho do tronco, o conteúdo curricular ou com o objeto em si; com os condicionantes sociais da aprovação ou reprovação, a ironia dos colegas; com a sua própria forma de ver, representar, descobrir-se, arriscar; com a pressão externa, com os problemas que surgem quando algo perde a graça, o encantamento...
Ilustrando essa passagem, encontrei nas palavras de Zeca Baleiro, um pouco desse complexo querer dizer rascunhado em papel: "Eu não sei dizer, O que quer dizer, O que vou dizer". O inconsciente se mistura ao eu consciente e tudo consiste nesse mistério que somos. Segundo Barthes, "o texto é uma textura, uma tecelagem artesanal”, assim como naquele esboço me preocupava em como representar a textura do tronco, tive que fazer algumas rupturas como deixar de lado a vontade de desistir do papel, o “prazer do escritor é diferente do prazer do leitor", a percepção do professor é diferente da percepção do aluno, uma cadeira, o ângulo e o desenho originaram os fazeres... Reinventamo-nos nesse dizer. Somos releituras criativas!!
O que nos move a aceitar os desafios de escrever?
Recorro à proto-escrita para entender melhor esse processo, assim entendo essa passagem de minha memória aprendente quando tentava desenhar o tronco da ex-árvore em cima da mesa, o “desenho” estava além de uma «escrita visual», pois, emaranhava-se em uma rede «hipertextual», de retas indefinidas e com «ligações» múltiplas. Ali experimentava eu uma proto-escrita, mensagem não-codificada, de arquivos, sensações, significados, sentidos, expressos, impressos, relacionados, interativos, dispositivos abertos para pesquisas de si mesmo, de gente como eu ou em situações bem diferenciadas...
A proto-escrita, sustenta Derrida (2002), é invocada pelos temas da arbitrariedade do signo e da diferença, assim elimina-se a metafísica da presença, afasta-se do objeto corpóreo de seu significado. O pedaço da árvore morta ali estava em uma face original no meu papel. Eram os riscos da autoria, de quem se permite rascunhar se achando o último desenhista a desenhar, sem medo de receber a “vaia” da platéia. Consegui representar, pelo menos para mim o desafio aceito teve resultado. Senti-me capaz. Depois ouvi os requisitos técnicos para aperfeiçoar o traçado. A crítica me ajudou a reconstruir o feito. Não a apagá-lo, mas, perceber o desenvolvimento possível e desejável. Entendi o que é construir competência.
Deixo abaixo a apresentação de “Lenha”, composição de Zeca Balero:
Repete-se o que ouve ou se assiste, sem parar para analisar e emitir a própria opinião, ensaiar a própria escrita? Instiga-nos à superação Barthes (2004, p. 51), pois, segundo ele: "a forma bastarda da cultura de massa é a repetição vergonhosa: repetem-se os conteúdos, os esquemas ideológicos, a obliteração das contradições, mas variam-se as formas superficiais. Há sempre livros, emissões, filmes novos, ocorrências diversas, mas é sempre o mesmo sentido". O que estamos sentindo? O que percebemos? Como vencemos o medo de errar?
- Como vão os ensaios de escrita? Cheios de proto-escritas mediatizadas?
Referências
BARTHES, Roland. O prazer do texto. 4 ed. São Paulo: Perspectiva, 2004.
DERRIDA, JACQUES. A escritura e a diferença. São Paulo: Perspectiva, 2002.
VYGOTSKY, Lev. A formação social da mente. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
Imagem 1: http://portuguese.cri.cn/mmsource/images/2007/06/20/yanhua1.jpg
Precisamos de amigos para enxergar as “entrâncias e reentrâncias” da vida. Seu coração me dá esta perspectiva.
ResponderExcluirGosto muito de você
Fernando,
ResponderExcluirQue bom recebê-lo por aqui, pois, aprendo muito com você através de suas postagens, como um caleidoscópio que a cada momento apresenta combinações variadas e interessanteso e nos possibilita boas sinapses, pois, um escritor proficiente sabe escrever com a alma, e assim brincando como você... Imagino que sabe bem tocar nos alunos, como percebido em algumas passagens, como a da Marinella Souza, a questionar "por que não é possível encontrarmos uma empregada doméstica que adore ouvir Chopin em seu MP3 comprado na promoção das Casas Bahia dividido no carnê em 19 vezes?". Desequilibra. Faz bem!
Rocio, que delícia de post. Você abordou um aspecto para o qual todos os que escrevem devem atentar. Acho que vale a pena criar o que se sente e não só o que vende. Abraço
ResponderExcluirOi Vanessa!
ResponderExcluirPois é, na época desse desafio, um pouco antes e depois, eu questionava, sobretudo a mim mesma: "o que me impede de falar, escrever, sentir, ser?"... E a partir daí procurei a não descentrar o meu eu do fazer. O tronco foi uma das amostras... (rsrsrs). Que bom tê-la por aqui!
Oi, Maria.
ResponderExcluirExcelente texto! O que nos move a escrever?
Creio que um pouco de tudo que vemos, ouvimos, sentimos, enfim, que recebemos como estímulos do mundo que nos cerca. Talvez a necessidade de "desabafo" ou de ouvir resposta às dúvidas que nos acompanham. O que nos move ao certo, eu não sei. O que sei é que me faz bem ver as palavras se formando e se unindo em frases que expressam o que sinto. Acho isso muito bom!
Bjs
P.S. Gostei da mudança no visual do blog. Ficou lindão!
Pois é, Max!
ResponderExcluirEscrever é uma terapia, é um, digamos, "gostoso" desafio, é o olhar a que pensamos que pensamos ali no papel, flash retratado, e depois no re-olhar podemos movimentar a materialização desse pensar... Como fazer com que os alunos vivenciem tais sentimentos e possibilidades? A escrita não pode ser tão dura assim! Escrita é o dizer, o revelar-se, o perceber-se mais, o toque nos limites, a chamada para novas buscas, a humildade em voga, a virtude e não o castigo. Queremos ser amados. E nós nos amamos? Até que ponto? Papo psicopedagógico sobre a escrita.
- Gosto muito de azul, encontrei esse celeste. Que bom que você gostou!