sexta-feira, 15 de outubro de 2010

15 de outubro: nascer nesse dia é ser pedra!

Estou na escola desde que nasci. Ou melhor antes até. Sou filha de professora primária das décadas de 40 e 50, lá do litoral paranaense. Minha mãe foi professora durante 33 anos de alunos de 1ª série, que sempre fala com muito orgulho da função, da profissão agradece a Deus, pois foi por ela que também criou nós três dos quatro nascidos, um filho faleceu bem cedinho e nem conheci.

Foi professora ribeirinha da Ilha do Mel, das Cobras e outras do entorno da Baía de Paranaguá. Ficava por lá o mês inteiro e só voltava para casa um final de semana e ao final de trinta dias. Dormia na escola, pegava siri na beira da praia, dizia que a água era límpida. E gostava da profissão, estudar e trabalhar naquela época era ser "pedra". O mundo era ainda mais machista.

Tudo fez para eu não seguir a profissão. Não teve jeito, desde bem pequena ia com ela na escola, ficava com as serventes vendo o preparo e a distribuição da merenda para os alunos da “Escola de Aplicação” e da “Escola Normal”. Gostava de olhar a "fome" saciada das crianças. E corria para brincar com elas no recreio, e me diziam: “olha a filha da professora”.

Minha mãe adorava desenhar no quadro, a cada traço um pedaço da história, os meninos e as meninas completavam seus desenhos iniciados, criando outros traços. Pois o final cada um refazia, ela nem sempre dizia a sequência, pois, queria que eles fizessem a sua história.

Aprendi a ler sem que ela me ensinasse, dizia também com notável orgulho, aos cinco anos. Não estudava no jardim de infância. O meu jardim era a escola toda. E que escola, parecia imenso o prédio histórico do “Instituto Estadual de Educação ‘Dr. Caetano Munhoz da Rocha’”, onde ali estava a “Escola de Aplicação”, na década de 60 e começo de 70.

Andava de sala em sala, do gabinete da diretora ao banheiro na hora que era limpo pelas serventes, ia da portaria ao pátio, do giz ao caderno, de carteira em carteira. Sentava com todos os alunos e brincava com eles. Via diferentes estilos de escrita e desenhos, dificuldades e facilidades e perguntava o que sentiam, o que estavam dizendo naqueles traçados. E ganhava o meu papel e lápis. Sorria feliz com os alunos.

Por que haveria eu de não ser professora? Também não mandei minha mãe me fazer nascer em nossa casa, no dia 15 de outubro. E daí, dona Yonnne, por que não seria eu professora? Ah! Eu sei o que hoje ainda me diz, você merece ter outra profissão e ganhar melhor que eu.

Infelizmente, bebi dessa cachaça! Desobedeci-a. Fiz o curso de Administração para lhe satisfazer, mas, voltei depois de casada para fazer o “Magistério” assim meio escondida. Não satisfeita, no terceiro ano fiz minha inscrição no concurso para mais de três mil concorrentes e passei entre as 81 vagas. Na época, as vagas não se completaram, pois, só passaram 56. Tiveram que fazer novo concurso, não existia lista de espera. Era muito rigoroso. Minhas professoras tentaram e não conseguiram passar. Apesar de tudo, foi a maior felicidade na escola e muito maior ainda para mim.

Minha primeira sala de aula atuei como professora concursada. Ali a experiência de uma mãe com mais de 33 anos de primeira série. Ela já estava aposentada. Não ralhou muito comigo. Mas, de vez em quando vem ela querer puxar minha orelha. Não tem jeito: sou professora com muito orgulho.

Aqui no Pará, bem distante de lá, onde mamãe está, em 1995, concursada por aqui e nesse mesmo ano, ganhei um livro de uma professora que trabalhava comigo no ISEBE (Instituto dos Educadores de Belém), técnica como eu na formação continuada de professores das escolas municipais. Para mim inesquecível.

Por entre as pedras: arma e sonho na escola”, de Sônia Kramer. Nele percorri todas as linhas, nele reencontrei minha linha de trabalho. Pois, no Paraná, dentre 1986 e 1991, líamos e nos baseávamos em Sônia Kramer, Ana Luiza Bustamante Smolka, Emília Ferreiro, Esther Grossi, Magda Soares, Bruno Bettelheim e Tatiana Belinky, Terezinha e David Carraher, Jean Foucambert, Bárbara Freitag, Maria Cecília Góes, Bakhtin, Benjamin, Luria, Leontiev, Vigotsky e Wallon, Snyders e Marx-Engels, Barthes e Eco, Geraldi e Cagliari, Zilberman, Ziraldo e Ruth Rocha.

Rever as escritas e ser pedra foi a que minha amiga me proporcionou, tantas leituras em Kramer. E ela me dedicou dentre tantas palavras significativas e afetuosas, na segunda página do livro, os seguintes dizeres: “Nascer neste dia já mostra que és pedra e muito, muito mais”.

Mamãe, não teve jeito, aceitei ser professora porque eu quis. Agradeço pelas experiências que tive ao lhe seguir e ao percorrer de mãos dadas ou libertas pelos corredores da escola e em cada metro quadrado dela. Minha infância trazem boas recordações desses lugares pedagógicos. Não me censure mais. Sou pedra!

E por assim ser, termino este post com uma citação por mim pincelada e a nós recolocada por Kramer, de Walter Benjamin, nessa sua obra:

... o narrador é um homem que sabe dar conselhos. Mas, se 'dar conselhos' parece hoje algo antiquado, é porque as experiências estão deixando de ser comunicáveis. Em consequência, não podemos dar conselhos nem a nós mesmos nem aos outros. Aconselhar é menos responder a uma pergunta que fazer uma sugestão sobre a continuação de uma história que está sendo narrada. Para obter essa sugestão, é necessário primeiro saber narrar a história (sem contar que um homem só é receptivo a um conselho na medida em que verbaliza a sua situação). O conselho tecido na substância viva da existência tem um nome: sabedoria. A arte de narrar está definhando porque a sabedoria – o lado épico da verdade – está em extinção”.

Aqui, exponho, as fotos tiradas hoje no café da manhã, recebi duas cestas bem cedinho, antes das sete da manhã. Uma das minhas filhas e de meu querido esposo e a outra do pessoal da escola, assinada do motorista ao coordenador pedagógico. Fiquei imensamente feliz e por isso mesmo, resolvi colocar nossas imagens aqui mesmo no Aprendências, solicitando licença aos leitores deste Blog.


Eu e minha filha Lorena

Eu e Enéas, estamos juntos há 33 anos e meio. Somos "pedra"!

Eu, Lígia e Lorena







Congratulo-me hoje com todos os meus familiares, amigos e colegas de profissão.


Referência
KRAMER, Sônia. Por entre as pedras: arma e sonho na escola. São Paulo: Ática, 1993.


Imagem 1: http://formacaodedocentesieepgua.blogspot.com/2010/06/instituto-estadual-de-educacao-dr.html

13 comentários:

  1. Parabéns triplo, Rocio: pelo níver, por ser uma educadora amante e amada e pelo belíssimo depoimento de vida.
    Abração.
    Jamille

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  2. Querida Jamille,
    Nascer neste dia para nós professores é como para uma criança nascer no Natal. Dupla alegria!
    Obrigada pelo carinho! Retribuo com a mesma intensidade e carinho;

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  3. Ei, Maria

    Que história linda! Pude lhe ver pequenina a correr com os alunos da escolas durante os recreios e lembrei muito de boa parte da minha infância, quando acompanhava minha mãe à escola onde lecionava.

    Não tinha outra escolha a ser feita mesmo, está no sangue. Parabéns à dona Yonne também, pois o amor dela à profissão foi capaz de lhe seduzir a ponto de querer seguir o mesmo caminho, mesmo sabendo das agruras do caminho.

    Esse país precisa de muitas "pedras" como você para ser edificado sob um alicerce seguro.

    Parabéns pelo Dia do Professor!

    Forte abraço \0/

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  4. Ei, Maria

    Voltei aqui pra corrigir uma falta grave.

    Feliz Aniversário, amiga!
    Te desejo o que há de melhor nessa vida.

    Um superbeijo

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  5. Querido Amigo Max,
    Ter amigos como você, nesse mundo virtual e humano, nos faz muito bem sempre. Amizades nos fazem enfrentar o (im)pensável, a modificar-nos no imutável, pois, assim sem elas "nossa vida é [como] um rio secando, as pedras cortando, e eu vou perguntando, até quando?" (Gonzaguinha). Até encontrar-se no Outro. Desaguar-se e encher de novo. Fluimos. Fruimos. Nesse Outro estão nossas histórias, nossos corpos relacionais, nossos alunos e tantas pessoas que nos contituem.
    Muito obrigada pela pedra ofertada. Fazemos parte dos alicerces educacionais desse país, por aqui ou por aí.
    Outro Superbeijo!

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  6. Rocio, que bela vida de experiências, que bela mãe e que bela postagem. Deve, sim, se sentir orgulhosa de tudo que fez e viveu, e se bobear orgulhe-se até do que não fez. Li uma vez uma frase em latim que gosto muito: "Cord ad cord loquir tun"-o coração fala ao coração- é assim essta rua postagem.
    Parabéns duplos, "dona Pedra"
    Franz

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  7. Que lindo Franz!!

    "Coração fala ao coração", aqui o coração de minha mãe, de meus professores, de meus amigos, dos meus queridos daqui de casa, da escola toda e a comunidade que lá frequenta e por onde os alunos vão, somos um pouquinho de tudo...

    Lembrei-me com esta frase de Gonzaguinha, em "Caminhos do Coração", substraio de lá os seguintes versos: "E aprendi que se depende sempre / De tanta, muita, diferente gente/
    Toda pessoa sempre é as marcas/ Das lições diárias de outras tantas pessoas/ E é tão bonito quando a gente entende/ Que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá/E é tão bonito quando a gente sente/Que nunca está sozinho por mais que pense estar.

    Querido professor como fico feliz em saber que juntos fazemos aniversário neste 15.
    Retribuo "de coração" os Parabéns!

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  8. Olá Maria do Rocio,

    Passei aqui para deixar um alozinho pelo nosso dia ontem e que alegria saber que você, assim como o Franz, também nasceu no dia do Professor. Somente aos especiais é dado este privilégio.
    Adorei ler o seu relato. É uma lição de vida.
    Parabéns pelas duas comemorações.
    Com carinho!
    Cybele Meyer
    http://educaja.com.br/

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  9. Olá Cybele!
    "Somos as marcas de tantas pessoas..." e eu digo aqui, "de tantos alunos, alegrias, acertos, erros, desânimos, consertos, superações...". Estar nesta profissão já prova que nós educadores somos "Pedra".
    Buscamos a valorização do magistério, que começa primeiro com a força de nossa auto-valorização, nosso trunfo: as aprendizagens dos alunos, o enfrentamento das mazelas sociais que atravessam nossas escolas, "um bom guerreiro não foge à luta", reencontramos motivos para isso no cotidiano das escolas...

    É preciso equilibrar competência e valorização, a escolha do 15 de outubro, aqui no Brasil também traz a histórica luta de professores paulistas, assim ajudou a consolidar a data como o nosso dia. Quem lembra da história? Cabem aí pelo menos nossos manifestos pela qualidade! É tempo de reclamações e não só de comemorações. O fracasso escolar ainda assombra nossas escolas, não é mesmo?

    Um Abraço Afetuoso!

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  10. Olá, sou um seguidor de vocês!
    Estou no 2º turno do prêmio TopBlog 2010. Clique no link e deixe lá o seu voto. Conto com você! http://migre.me/1xmPf

    Um grande abraço, :)

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  11. Olá Maria!
    Que linda postagem! Parabéns pelo relato e ricas experiências vivenciadas. Dá para entender porque nasceste em um dia tão especial! Amei...
    Assim que der faça uma visitinha ao meu outro blog http://teofilopreservamata.blogspot.com
    Nós estamos concorrendo ao prêmio Top Blog na categoria "sustentabiladade" . Por favor, dá uma forcinha com seu voto. Obrigada,
    Josete

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  12. Que bonito, Mariiiiaaaa!!!! Já tinha lhe desejado um feliz dia dos professores, mas não sabia que era o seu dia em dose dupla!!! Então, ainda em tempo, feliz dia todos os dias, querida!

    És sim pedra, e das mais firmes, e das mais belas!

    Beijo grande!

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  13. Olá Adinalzir e Josete,
    Que prazer recebê-los aqui no nosso cantinho desta imensa blogosfera, passei por lá e prestigiei com meu voto o blog de vocês. Espero que obtenham sucesso, está muito bom por lá!

    Querida IsaBele!
    Sua presença ajuda a tornar bela a aura daqui. Não é que resolvi nascer neste dia e nesse acaso seguir a profissão professora?
    Agradeço de coração e outro beijo grande para você teambém!!

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