segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Post-Scriptum: brinquedos de faz-de-conta e Literatura Infantil na formação de pedagogos

Na turma de 2008, dentre as leituras indicadas, sugeri o primeiro capítulo sobre “O instrumento e o símbolo no desenvolvimento da criança”, o capítulo 3 “O domínio sobre a memória e o pensamento” e o oitavo capítulo que trata sobre “A pré-história da linguagem escrita”, do livro “A formação social da mente”, de Vigotski (1988).

Crianças colaboradoras, familiares das crianças e os próprios acadêmicos de Pedagogia avaliaram a experiência como muito positiva o que nos deu a certeza de que é possível sim combinar teoria e prática em aulas de Pedagogia, pois, o envolvimento e a aprendizagem foram intensos e bastante significativos.


Apresento as questões elaboradas, as respostas a elas nos deixaram muito felizes, pois a teoria ajudou a repensar ainda mais o que produziram. Ao final do período letivo a crítica e autocrítica foram produzidas no sentido de nos ajudar a pensar o processo todo e elaborar outras idéias para o semestre letivo seguinte.

Elaborei quatro questões, como uma das etapas de avaliação, para que acadêmicos do 5º semestre de Pedagogia se posicionassem diante das próprias experiências que tiveram na infância, nas famosas rodas de conversas entre alunos da turma, depois da mediação realizada com suas crianças colaboradoras, além de observação e entrevistas nas casas das crianças.

Os relatórios e conclusões após cada experiência vivenciada eram preparados com fotos do processo de observação, brinquedos feitos pelas crianças, gravação (filme ou voz) e as produções escritas (desenho ou discurso escrito), com permissão para trazer e mostrar na "Faculdade".

Questão 1:
As chamadas funções psicológicas superiores como a memória e a linguagem são construídas ao longo da história social do homem e de sua relação com o mundo. São provenientes de ações conscientes e intencionais dependentes de processos de aprendizagem. A inteligência possibilita invenções, modificações, combinações e recombinações. O que é hábito não é inteligência, ela emerge diante de situações novas, pois, para as situações conhecidas faz-se uso da memória. A inteligência vai sendo construída pela criança na medida em que ela descobre e inventa. A inteligência não é inata. A invenção ou a criação é considerada como a capacidade de realizar experimentações por meio de sucessivas formas de combinações. Segundo Vigotski (1988), “para as crianças menores pensar significa lembrar”, os conteúdos desse pensar são: a estrutura lógica do conceito em si, mas principalmente, a materialização desse pensamento através de suas lembranças concretas.

- Como você compreende o caráter dessa abstração das crianças – partindo do repertório infantil levantado pela turma, com base nas lembranças das crianças sobre os conceitos de vovó e de osga?


Questão 2:
A escrita deve ser relevante à vida. As crianças descobrem cedo a função simbólica da escrita, tomando como referência o pensamento de Vigotski (1988), de que “o brinquedo de faz de conta, o desenho e a escrita [devam] ser vistos como momentos diferentes de um processo essencialmente unificado de desenvolvimento da linguagem escrita”, e tendo como base as suas próprias vivências além das entrevistas, leituras e trabalhos realizados durante o primeiro bimestre, como tornar natural o ensino da escrita na Educação Infantil e, principalmente, nas séries iniciais do Ensino Fundamental?

Questão 3:
Para Vigotski, enquanto imita, a criança apreende a atividade do outro e realiza aprendizagem. Ela não faz uma mera cópia da ação do outro, como um ato mecânico, mas se envolve na atividade intelectualmente, o que implica representá-la e avaliar a adequação de sua imitação. Aprender a ler e escrever faz parte de um longo processo, que tem na Educação Infantil um espaço apropriado para intensificar a participação da criança no mundo da leitura e da escrita, para que no futuro possa tornar-se uma cidadã letrada e capaz de usar a linguagem oral e escrita para suprir suas necessidades no meio social. A criança da educação infantil está na fase da imitação, pois desde muito cedo ela tende a captar como modelo do mundo o que lhe convêm e o que lhe agrada. Dessa forma, ela vai adquirindo novos conhecimentos por meio da sua interação com o(a) professor(a) e seus colegas. De acordo com Ferreiro e Teberosky (1999), nesse período, “a criança imita, e ao imitar aprende a compreender muitas coisas, porque a imitação espontânea não é copia passiva, mas sim tentativa de compreender o modelo imitado”.

- Considerando que Vigotski vê na imitação um processo dinâmico que favorece e possibilita a aprendizagem, desmistificando o aspecto mecânico ou restrito que lhe é conferido, em sua opinião, qual é o significado da imitação no processo de desenvolvimento da escrita e como ela deve ser trabalhada?


Questão 4:
 A pesquisa desenvolvida com as crianças colaboradoras apresentada pela turma favoreceu a compreensão sobre o papel do significado na aprendizagem, tomando como referência as suas próprias experiências infantis e as da criança que te ajudou a pensar sobre o brinquedo de faz-de-conta, descreva quais foram os significantes e os significados de ambos – para, em seguida, analisar a afirmativa “o sujeito é produtor de signos”?


- Por que exponho este trabalho aqui?
 

Na postagem anterior sobre histórias do contexto familiar que envolve as festividades do Círio de Nazaré (clique aqui), contada pelas crianças, pincelei uma de professor e outra de acadêmico, em releitura de crianças. E não posso deixar aqui de ajudar a pensar se o menino que jogou o gato no panelão da maniçoba é culpado ou inocente.

Analisei com os acadêmicos sobre a influência da mídia e dos contos maravilhosos na vida das crianças. Ontem ainda ouvi a atriz Ísis Valverde, que faz a Manuela na novela Ti-Ti-Ti, da Rede Globo, dizer ao Faustão, no Domingão – é ontem, estava eu escrevendo, mas não deixei de ouvir a entrevista “como é que eu saio dessa” -, pois bem, Ísis assim disse: “por pouco não me suicidei e matei minha avó, pois, visitávamos a construção da nova casa da tia e quase me joguei da escada, se não fosse o grito da vovó lá embaixo, eu queria voar igual Peter Pan”.


- No caso da relação menino, maniçoba e gato... Será que não conversaram com o menino ou foram logo dando sermão ou safanão?

Trago aqui os dois episódios que o acadêmico nos contou de seus brinquedos de infância, esse do Círio e mais outro:


1º) Fazia maquetes no quintal de casa usando terra, madeira velha e papelão, com carrinhos desmontados e reconstruídos, depois da cidade montada, preparava a implosão, com bombinhas e jornal como pavio para que as bombas explodissem ao mesmo tempo. Semelhante ao filme que mostrava uma cidade destruída por explosões e tudo ficava em ruínas. Nunca conseguiu sequer se igualar ao filme, pois, sua avó não deixava brincar com querosene. Construiu carros de plástico usando garrafas plásticas, enchia de bombinhas e explodia, adorava ver tudo em pedacinhos.


 2º) Seu primo pegou um dos gatos de casa e jogou na maniçoba, perto do Círio, quando sua avó foi descansar e deixou a maniçoba no carvão, ele viu o primo com algo de pelúcia nas mãos, não deu para perceber de longe, como o quintal era grande demais, ele viu o primo erguer algo e colocar dentro da panela e segurava a tampa por uns minutos, abriu a panela e saiu correndo para dentro de casa, tempo depois quando a avó foi mexer a maniçoba viu a cena macabra, com o que restou do gato por sobre a maniçoba, resto de pelos, ossos e olhos borbulhando. O primo ainda o acusou de ter jogado o gato na panela. Seu primo ficou conhecido no lugar como “matagatos”.

Qual a pergunta que me faço e fiz aos acadêmicos: será que o primo não assistia desenhos e em seu mundo de faz-de-conta embalado pelos desenhos animados do tipo “Tom e Jerry”, “Frajola e Piu-piu”, “Papa-léguas e o coiote”, “A corrida maluca”, e outros mais e atuais que também cometem atos de violência uns contra os outros?


Discursos sobre Bullying espocam nas academias, congressos, mesas-redondas, artigos de revistas variadas ou científicas. E os nossos cotidianos, nossos hábitos e relações com a infância de hoje?

Aqui estamos nós no lugar de adultos e educadores, como pais, mães, tias, tios, avós e avôs, será que vamos perdendo a cabeça em atos como esses, violentando uma criança diante do gato na panela, rotulando como cena macabra, sem passar a mão em nossa consciência?

Quanto tempo uma criança fica exposta de frente a uma televisão, a filmes da locadora, na interação com computadores etc.? Há conversas sobre o que fizeram, o que assistiram? Há brincadeiras conjuntas? Assistem juntos e conversam depois sobre o que viram, sentiram, relacionam?

- Será que realmente este era um causo para nos assustar?

- O que é capaz de nos escandalizar?



Referências:
TONUCCI, Francesco. Frato: 40 anos com olhos de criança. Porto Alegre: Artmed, 2008.
VIGOTSKI, Lev. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1988.


Imagem 1: Por Francesco Tonucci. Frato (2008, p.125)
Imagem 2: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi99gLTJi05psom6EL66w2cYp5KKxL7BkPJXoz96uSWvCMHAEEszsqvwN9dj6ppUVKqO0lY_ThKPwiF_8WJbh_O2KhGlFIQG-vV4kClk1LIXuxvoFMcQwiIT9VLi4ZNVpPDnnDDkgaOtrhE/s1600-h/criança_mundoanimado.bmp
Imagem 3: arquivo pessoal, foto que encontrei em um jornal há mais de 15 anos (desconheço fonte).

3 comentários:

  1. É mesmo muito louco como esquecemos que a criança está imersa no mesmo mundo que nós, adultos, e tenta compreendê-lo com os recursos que tem. Escutá-las, nos desdobrando para compreender de verdade a perspectiva de onde olham o mundo é nosso desafio de educadores. Amo o Tonucci, mais um de nossos elos. bjos

    ResponderExcluir
  2. Pois é, Adrianne!
    Juro que vou conseguir chamá-la de Drika. rs!
    O difícil para nós adultos é ver o mundo "com olhos de criança", como nos faz ver mehor Tonucci, quanta sensibilidade. A gente que aprendeu a ser professora brincando, cantando e construindo conhecimentos com as crianças da educação infantil acabamos sofrendo diante das inúmeras interpretações dos atos infantis pelos adultos, sem chances para compreensão. Fico imaginando muitas situações em que elas estão presentes. Acabam sendo posteriormente adultos frustrados.
    Sabe o que me preocupa agora, o que me veio em mente? As crianças mais novas que viram a irmã por parte de pai sendo jogada da janela do quarto do apartamento... caso exaustivamente noticiado na mídia. Sabemos que o desenho - a linguagem delas poderá revelar muito... Marcas inexoráveis!

    ResponderExcluir
  3. Oi, Rocio!

    Passando já pra deixar um beijinho desejando feliz dia dos professores! parabéns por tudo que você é e vive nesse universo educativo!

    Adoro'cê!

    PS. Depois volto pra ler o post com calma!

    ResponderExcluir