terça-feira, 26 de janeiro de 2010

"Felizes para sempre": 30 anos de reconstrução diária


Abro parênteses para a temática do Blog. Porém, não deixa de ser uma aprendência cotidiana. Permito-me falar de minha história, ou seja, a versão de nossa história de amor.
Crescemos ouvindo a seguinte frase e "foram felizes para sempre". Muito mais eu que adoro conto de fadas e trabalhar com crianças, literatura infantil e toda a sua magia.

Casei aos 17 anos de idade, Enéas tinha 20 anos. Estávamos juntos há três anos, namoro e noivado. Todo mundo achava estranho a seriedade com que encarávamos nossa relação.

Em 26 de janeiro de 1980 "contraimos" nossas núpcias. Estranha palavra, não é mesmo? Talvez seja melhor outro chavão "trocamos as alianças". E enfrentamos a realidade dos "felizes para sempre". O que é viver apaixonadamente a vida e a dois - como um só?
Anos 80, final dos 70. Estávamos no auge da "dancing days", da "discoteque", de "os embalos de sábado à noite" (Bee Gees, Jhon Travolta, Olívia Newton-Jhon), coisas e tal. Namoros, brilhos até nas meias listradas, seduções, emoções mil, músicas, rivais, corpos dançantes, contagiantes, pulantes, felizes. Tinhamos um "maverick" vermelho e com som alto, nosso primeiro carro. Nada de exageros em drogas lícitas ou a "tentação" das ilícitas - pelo contrário, sentíamos repugnância.



Sabemos que o "felizes para sempre" é uma construção diária, como a arte de educar, tarefa que "mobiliza disposição e constante transformação", as últimas palavras vieram da querida amiga Adrianne Ogêda me felicitando na passagem deste ano e que me ensina a desacelerar em suas múltiplas e belas viagens.

Tomamos nosso café da manhã especial junto com minha mãe muito feliz que, então, disse ter
sonhado com meu pai, falecido em 1989, e que havia vindo nos visitar e a beijado nesta noite. Nossa filha Lígia, de 26 anos, estava muito feliz à mesa, os cachorrinhos "salsichinhas" eufóricos por estarmos saboreando uma bela cesta de café da manhã presenteados pela nossa filha Lorena, de 28 anos, que está em Marabá, distante de Belém a 485 Km.

Hoje para nós um dia especial, ouvimos na TV, a Ana Maria Braga entrevistando Rosamaria Murtinho e Mauro Mendonça, que completaram 50 anos de casados em julho de 2009. A atriz Taís Araújo, Helena de "Viver a Vida", fez o seguinte comentário: "a nossa geração hoje desiste muito fácil um do outro".

Foi mais um presente para nós também. Somos felizes e superamos alguns olhares ou desconfianças pelo fato de estarmos juntos assim há tanto tempo. Éramos jovens quando nos conhecemos. Eu tinha 14 anos e ele 17 anos. E daí? O amor é genuíno. Deu certo. Construir felicidade na rotina é algo que nos faz bem. Monotonia está em não saber levar a relação. O sentimento da paixão acaba e o que resta? Aprendemos a lidar com o temperamento um do outro. Sabedorias milenares do amor. Divinamente humanos.

O amor nunca está fora de moda e em qualquer época. Quantos felizes para sempre foram ressignificados? Brindamos ao que chamam de tradicional e sem preconceito. Viva a diferença! Quantas histórias de amor bem-sucedidas existem por aí e sem ser "água com açucar".

Viva o amor!


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sábado, 23 de janeiro de 2010

A ação antrópica presentificando o sentimento de ilegitimidade e o sentido de infância

Habitamos um mundo, porém, segundo Maturana e Varela (2001, p. 28), "não vemos o 'espaço' do mundo; vivemos nosso campo visual. Não vemos as cores do mundo; vivemos nosso espaço cromático". E daí? precisamos acordar, e no jogo de palavras dar-a-cor. O tom de nossa consciência corporal está nas multirreferências, interlocuções, acessos, sobrevôos, mergulhos e conhecimentos que vamos estabelecendo nas (re)leituras de mundo. Assim construimos nossa autorreferencialidade.

Diante dos fatos atuais que assolam a realidade do Haiti, das enchentes a focar pessoas em risco e sofrimento, lembrei-me de outras tantas tragédias chamados a assistir, como sempre, na tela global. E as imagens que nos acompanham cotidianamente? Muitas vezes nos são invisíveis.
As estatísticas da escola pública no Brasil nos mostram uma história assustadora e precisamos avaliar o que mudou em menos de um século. Patto (1999, p.19) nos estampa um cenário desolador do pós-guerra, pois, "do total de crianças que se matricularam pela primeira vez no primeiro ano, em 1945, apenas 4% concluíram o primário em 1948, sem reprovações; dos 96% restantes, metade não concluiu sequer o primeiro ano". Precisamos revisitar esse período histórico na tentativa de entender o papel de educadores que enfrentam e herdam a história da educação brasileira.
Na páginas da vida...
Após 1945, o mundo soergue-se com muitas mulheres e crianças órfãs... O que significaram o entrelugar de 1945 a 1948 que levou a um novo movimento mundial, exigindo novos paradigmas a revisitar dores para proclamar alegrias. Muitas razões e ideologias se misturavam. O Brasil ainda tentava se livrar das marcas escravocratas, das muitas submissões e corrupções.

Em 1948, o Estado de Israel é criado para ser a pátria dos judeus. A crise de 1948, no pós-guerra, delineia a construção do Muro de Berlim dividindo a Alemanha. A guerra fria perdurou por quase 30 anos. E o Japão desolado passou por períodos caóticos, conseguiu se reconstruir e tornar-se a segunda maior potência econômica mundial na década de 90. Em 1989, a queda do muro de Berlim inaugura um novo tempo na história mundial.

Ainda em 1948, proclama-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos na Assembléia das Nações Unidas, por sua vez fundada em 1945, com o objetivo de criar uma plataforma de diálogo entre países e evitar guerras tão devastadoras para a humanidade.

E hoje, o que significa agora a devastação de um único país? É uma tragédia mais uma vez humana, provocada por homens e suas nações inteligentes que sobrevoam as naturezas circundantes e interpenetrantes. Como o princípio do poder, interdependência e solidariedade são vistos nesta guerra ambiental? A sustentabilidade da vida?

Quantas crianças órfãs soerguem-se dos escombros? O que ocorrerá neste intervalo que antecede definições mundiais das nações humanas? Como está a "Deusa Gaia" (na mitologia grega é a personificação da Terra, propiciadora dos sonhos e protetora da fecundidade)?
O planeta adoece. E em cada esquina assistimos a miséria de olhos vendados (!?). A desolação a nos devastar o espírito. O choro inaudível. Alunos reprovados mais uma vez. Histórias de submissão e clamor proclamam por direitos humanos desde antes até daquele 1945-1948.

O que fazemos no cotidiano das salas de aulas e nos metros quadrados pedagógicos da escola? Conscientizar ou sensibilizar? Talvez nos tornamos mais humanos quando nos permitimos ouvir nossos alunos, alongar o olhar e a aplicar - com cuidado - o método da falseabilidade que atesta a necessidade de inclusão de mais uma criança que se apresenta com diagnóstico de cuidados especiais na escola...

O que isso significa? Uma criança no chiqueirinho ficou por mais de seis anos a clamar pela atenção da mãe que, com toques especiais, fazia bolinhos de carne para o pai vender durante o dia inteiro, assim poderiam juntos sustentar a família. A venda dos bolinhos para exigentes paladares aumentava, a mãe preocupada com a higienização dos alimentos e na conquista de mais clientes acabava esquecendo de ser feliz e de fazer feliz seu filho. A criança cresceu e a linguagem era precária, bom material de estudo psicopedagógico.


Seu andar era arrastado e por bloco, como robocop, sua fala ininteligível, sem autonomia não brincava, o olhar congelado parecia saltar do corpo ao ver um armário multicolorido e cheinho de brinquedos da psicopedagoga. Sequer sabia apontar com a mão um dos brinquedos à sua escolha. E o sorriso onde estava? Mas, o que lhe significava aquela oportunidade? Pegar o novo então tornou-se algo mais difícil ainda. Sua fala disártrica e a lentificação psicomotora instigavam a comunicação e as novas aprendizagens. Barreiras a serem vencidas entre dispostos interlocutores.

O tempo nem foi percebido pela mãe, que conseguiu comprar uma casa para a família com seu esforço e o do marido também ausente na criação da criança. E mais de seis anos se passaram naquela prisão abaixo da mesa da cozinha. Nem o choro era linguagem. Devia esperar o tempo do misturar, enrolar, fritar, limpar, guardar, embalar. Essa é uma história dentre tantas outras que nos fazem aprender a lidar com a criança pedagogicamente sem rotulá-la, mesmo com diagnóstico.


Todos podem aprender e nos surpreender com seus avanços. A miséria humana está em deixarmos de lado os preconceitos, as dificuldades pessoais, o conforto que nos aprisiona e nos desumaniza.

Zilda Arns venceu a barreira que separa territórios, o amor transcende limites e rompe paradigmas, é linguagem universal. Com ela aprendemos a enfrentar nossos distanciamentos e proclamar amor em cada esquina e por entre veículos a nos guiar nas ruas, avenidas e becos da cidade. Caminhamos e as pessoas não são mais invisíveis. Saimos do conforto de nossa prisão domiciliar. Um gesto, uma palavra, um olhar pode salvar vidas. Inclusive a nossa.

Talvez descubramos que aquele bem ali foi nosso aluno, que repetiu ou saiu da escola no meio do caminho cansado de nossos discursos cheirosos, assépticos, cheio de verdades, motivos e suas razões. De que lugar falamos?

Quem visitou o aluno faltoso, sujo, irrequieto, desmotivado, imaturo, preguiçoso e cheio de deficit educacional? É cômodo culpar a família pelos desalinhos dos alunos das escolas acreditando na "teoria da carência cultural", pois, tradicionalmente as causas do fracasso escolar foram localizadas em características bio-psico-sociais do educando, no contexto de uma concepção funcionalista de vida social.

A escola e a sala de aula podem fazer a diferença na vida dessas crianças. Quem sabe podemos evitar que novos muros se ergam. Ficaremos a aguardar algum movimento da massa a clamar por aquilo que ajudamos a fazer quando jogamos o papel de bala nas vias que nos circundam (?).

Sabemos que a educação sozinha não é a redentora de um sistema. Qual é o significado dos projetos "políticos" pedagógicos nas escolas? E do planejamento no início de cada ano?

Devastação humana no período de guerra, ação humana; perturbação climática, terremotos e enchentes assolam o planeta neste último ano da primeira década do século XXI, reação das naturezas - e dentre elas, a humana. Suicídio coletivo. Devastação nos bancos escolares.

2010 - ano da biodiversidade...

Saúde e meio ambiente. Tema transversal? Interdisciplinaridade? Deusa-Gaia em perigo! Exige-se sensibilidade, compreensão, atitude, conhecimento, medos enfrentados, nojos e vergonhas desconstruindo/descontruindo-se...

Visitando uma criança da escolinha próxima do lixão descobre-se o motivo de sua saída da escola dos limpos, sua casa foi toda construída de material que veio do lixão, inclusive os copos, talheres, pratos, panelas, ventilador, cadeira, mesa, cama e a roupa da família. Crianças brincam com ratos e baratas e assustam a professora. Famílias segregadas pelos muros urbanos.

Qual é a linguagem da escola? Somos professores formados numa academia que prepara pedagogicamente o educador para receber o aluno ideal. Somos representantes e reprodutores da cultura da "classe média". Didática que romantiza a idéia de florzinhas de papel crepom, unhas limpas e cabelos sem piolho. E basta isso para limpar e criar consciência na(s) família(s) e comunidade?

- Em que contexto está situada a escola pública?
Recomendo a (re)leitura do livro de Maria Helena Souza Patto, "A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia", e o de Nadia Bossa, "Fracasso escolar: um olhar psicopedagógico". Sobre sentimento de infância, melhor ler "História social da criança e da família", de Philippe Àries, e revisitar a edição de Sônia Kramer sobre "A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce" - e dar um novo sentido a infância. Emergências. Urgências. Como contrapartida, três livros de Georges Snyders, "A alegria na escola"; "A escola pode ensinar as alegrias da música?" e "Escola, classe e lutas de classe". Os dois primeiros indicados (Patto e Bossa) trazem seis estudos de casos importantes e contemporâneos que nos fazem descontruir (pre)conceitos e derrubar os muros que nos afastam das crianças que se assentam nos bancos das escolas em busca de equidade e sua materialização, alimentos, nutrição, revitalizar realidades e seus sonhos. Dentre eles está o de G., o menino de 6 anos e 11 meses e seu cotidiano no chiqueirinho, de choros sufocados e olhar contemplativo.

"A educação é, pois, um constante trabalho de saber traduzir e reconstruir sinais codificados pelos sentidos (…) o futuro de um organismo nunca está determinado em sua origem" (Maturana, 1999, p.29).
Amém!
Referências
MATURANA, Humberto. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.
MATURANA, Humberto R.; VARELA, Francisco J. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. São Paulo: Palas Athena, 2001.
PATTO, Maria Helena Souza. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.
Imagem 1 - muro de Berlim: http://www.holandesa.blogger.com.br/2008_05_01_archive.html
Imagem 2 - lápis de memória - cartum: http://jboscocartuns.blogspot.com/

Imagem 3 - deusa Gaia: http://sagrado-feminino.blogspot.com/2009/12/volta-da-deusa-mae.html
Imagem 4 - muro de Berlim: http://blog.zequinhabarreto.org.br/category/historia/page/2/

domingo, 10 de janeiro de 2010

Novos neurônios, música barroca e mais aprendizagens: renovação da vida


Início de ano. Matrículas. Aquisição de material escolar. Impostos. Faxinas. Revisão. Restaurações. Promessas. Desejos. Caminhos. Novas aprendizagens. Revitalização. Desafios. Medos. Enfrentamentos. Resiliências. Renascimentos. Novos amores. Renovação de promessas.

Parênteses. Estou a completar neste ano com o meu esposo 30 anos de casados. Daqui a alguns dias. Quantas emoções passamos juntos. Nossas filhas estão com 28 e 26 anos de idade. E eu continuo amando as crianças.

Algumas crianças começam a ingressar na escola. Pré-adolescentes iniciam a segunda etapa do ensino fundamental. Jovens encaram o desafio do ensino médio. Outros procuram ver a profissão que mais se identificam e preocupam-se com os aspectos motivacionais. Adultos encaram a primeira pós-graduação. Quantos a concluir etapas de estudos.

E quantos estão à margem desses sonhos. E nós educadores devemos nos preocupar com os alunos que não aprendem o que a escola deseja. E o que eles querem aprender? Que sonhos se esvaem e por quais são substituídos? Chega de ilusões à base de drogas psicotrópicas. Há muito por fazer.


Todo certificado/titulação vale a pena quando percebemos resultados que minimizam este estado de coisas. Todo mundo é capaz de aprender! Quais as determinações? O conhecimento pode tornar verdadeiro muitos saberes e tornar possíveis os sonhos. E tudo começa com a nossa sensibilidade e a nossa sensibilização. Os sentimentos abrem caminhos. Há ligação com o sagrado. A vida é sagrada!

Interesses e novidades nos relacionam à vida. O hipocampo é uma região do cérebro fortemente ligada à memória, à aprendizagem humana e bem ali também ocorre a neurogênese, ou seja, o crescimento de novos neurônios.

Nós temos dois hemisférios cerebrais e o temperamento das pessoas tem relação direta com a predominância de um desses hemisférios. Quem tem o lado esquerdo mais desenvolvido tem tendência a usar de forma adequada a lógica, possui habilidades para planejar e organizar suas ações. É o nosso lado mais intuitivo. Ser introspectivo, amoroso, delicado e mais racional. As pessoas que usam mais o lado direito do cérebro possuem habilidades para analisar esquemas e técnicas em oratórias, pois, esse lado é responsável pela imaginação criativa, a serenidade, a capacidade de síntese, a facilidade de memorizar.

A música altera a atividade das ondas cerebrais assim como o ritmo respiratório provoca um estado psicofísico de concentração relaxada, ajudando-nos a aprender melhor. O Dr. Norio Owaki durante 10 anos identificou pautas sonoras que geram ondas cerebrais alfa, batem como um pulso humano (60 compassos por minuto), são movimentos lentos, largos barrocos, como os mantras.

O ser humano distrai-se com muita facilidade. Com a mente mais alerta, Bach, Vivaldi, Handel embalam a superaprendizagem. A música é como uma massagem que alivia a tensão do trabalho mental intenso, ajuda a centrar a atenção para dentro, em vez de escapar para fora. É o relaxamento aprendente.

A escola deve estimular a linguagem falada, desenhada, cantada, dramatizada e escrita de forma a criar um clima mais afetivo com a presença de cor, de música, de cheiros, de interações e jogos que desenvolvem as capacidades cognitivas e memórias futuras. Somos mais seres emocionais do que seres cognitivos (JENSEN, 2002).

Todo ser humano possui habilidade para expandir e aumentar sua própria aprendizagem. Apreciando, escutando e respeitando o Outro mobiliza a capacidade de crescer e aprender e aproveita-se mais o potencial da aprendizagem.

A escrita começa bem antes da criança entrar na fase escolar. E "a leitura e a escrita deve ser algo de que a criança necessite", pois, a "escrita é uma atividade cultural complexa" (VYGOTSKY, 1988, p.133). E esse desejo deve permanecer até suas pretensões/conclusões/ressignificações.

- O que eu quero ser quando crescer? (quais as influências ou inculcações? e os contrapontos ou dialogias?). Como o meu pai, diz a criança, outras querem ser bombeiro, polícia e há quem queira ser ladrão. Minhas alunas ficaram "perplexas" quando veio à tona na locução de uma criança de 1a. série. Por quê? Oras! Seus desenhos eram convites às nossas leituras. Sua escrita, seus dizeres, podem ser um alerta para nós... A fala modela a maior parte da vida interior, e isso inclui o desenho (VYGOTSKY, 1988, p.127).

Nota-se que quando "uma criança libera seus repositórios de memória através do desenho, ela o faz à maneira da fala, contando uma história", nesta outra passagem Vygotsky (p.127) nos faz repensar a narrativa como significativa à compreensão da escrita. É a alma, o espírito da criança que flui. A escrita é o nosso instrumento de comunicação, interlocução, interação, de encontro ou desconstruções.

As pessoas, em geral, tem pressa para que as crianças escrevam, entretanto, aprender antes não significa aprender melhor. É preciso saber ouvir as crianças, ler com elas seus dizeres. As atividades corporais são como a escrita no ar e "os signos escritos são, frequentemente, simples gestos que foram fixados" (op. cit., p. 121). Os riscos e rabiscos das crianças, inicialmente, tendem a ser mais gestos do que desenhos, pois "quando ela tem de desenhar o ato de pular, sua mão começa a fazer movimentos indicativos do pular o que acaba aparecendo no papel"(p. 122). Os jogos fazem um elo entre os gestos e a linguagem escrita, segundo Vygotsky, "o mais importante é a utilização de alguns objetos como brinquedos e a possibilidade de executar, com eles, um gesto representativo. Essa é a chave para toda a função simbólica do brinquedo das crianças” (id.).

Quantas descobertas nos fazem as releituras diante de novos contextos. Obrigada hipocampo! É a sacralidade da vida. As crianças de todos os tempos nos fazem renascer sempre. A corporeidade do Outro, e a nossa em particular, contam-nos múltiplas estórias, transpiram símbolos e aventuras míticas e vamos redescobrindo o horizonte multicolorido da inteireza humana. Há uma ligação entre os gestos e a escrita pictórica. A escrita pictórica é a primeira forma de comunicação humana com o mundo. A deusa-mãe do alfabeto.

As crianças usam a dramatização, demonstrando por gestos o que elas deveriam mostrar nos desenhos. Para falar sobre corrida, seus dedos galgam primeiro a folha do papel, depois vem os rabiscos. Esses são rudimentos da escrita?

A emoção move a vida. Move o papel. Move a comunicação. "O que torna um lugar sagrado é a nossa maneira de andar nele" (LELOUP, 1998). É a nossa maneira de ler e respeitar o outro.


Referências
JENSEN, Eric. O cérebro, a bioquímica e as aprendizagens: um guia para pais e educadores. Lisboa: Ed. Asa, 2002.
LELOUP, Jean-Yves. O corpo e seus símbolos. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 1998.
___. Cuidar do ser. Petrópolis: Vozes, 1997.
MATURANA, Humberto. Cognição, ciência e vida cotidiana. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001.
VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

domingo, 3 de janeiro de 2010

O que significa o não-aprender dentro do aprender?

O aprender acontece em diferentes dimensões do pensamento, do sentimento, da ação e das interações socioafetivas. O não aprender faz parte do processo de desenvolvimento da pessoa. As pessoas se constroem em relação e se constituem a partir da qualidade da relação que estabelecem.

- Como construimos a nossa forma de aprender?
- O que representa o não-aprender? Desvios? Culpa? Medo? Descaso? Acaso? Um outro dia? Eclipse? Ecos? Silêncios? Isso existe?

Nem todos aprendem em silêncio ou olhando para o(a) professor(a). A indisciplina pode ser o lado humano se manifestando. As emoções precisam ser acolhidas (Taille; Wallon, 1992; 1989) e dependem da acolhida afetiva do adulto (do Outro), a maneira dele influencia a troca, na criança pequena, assim como, o aspecto cognitivo. O afeto é o motor da inteligência, segundo Piaget. Cognição e afeto estão indissociáveis no ser humano. São os desejos, necessidades, emoções, motivações, impulsos e inclinações que dão origem ao pensamento e este, por sua vez, exerce influência sobre o aspecto afetivo-volitivo (Rego, 1998).

As emoções são manifestações da vida afetiva, como os sentimentos e os desejos. A afetividade possui um conceito mais amplo, abarca todos os tipos de emoções.

Para melhor representar o significado do "não-aprender", como objeto de reflexão, compreensão e novas aprendizagens, diante de um contexto de submissão e rebeldia, selecionei o caso de Nailton (Patto, 1999), um aluno de 9 anos, classificado como "deficiente mental" pela orientadora da escola, esse menino acumulava duas reprovações na 1a. série (1982-1984).

Sua persistência e habilidades colocam em questão a "oligofrenia leve" diagnosticada posteriormente por um psiquiatra. O menino revela capacidade cognitiva ao realizar atividades lúdicas aos olhos da pesquisadora. Crianças que convivem e interagem com atividades lúdicas são mais capazes na relação fundamental de limites e valores (Haetinger, 2006). E a prescrição pedagógica?

As atividades lúdicas integram o conhecimento à ação prática. O jogo é indispensável no ato de aprender e ensinar. É forma vivencial. É base epistemológica. Brincar, jogar, relacionar, viver, simular, imaginar, aprender. Jogos e brincadeiras são nossos mediadores na relação com as coisas do mundo. Por isso devem ocupar papel de destaque na educação de crianças.

O jogo é a base do desenvolvimento cognitivo e afetivo do ser humano, além do fator mágico, possui aspectos fundamentais para a aprendizagem racional e emocional. Nailton constrói seus brinquedos e de seus irmãos. Prefere inventar diferentes modelos de pipas. Propõe-se desafios, do tipo, construí-las sem a armação de linha. Passa tempo com esmero para encontrar os pontos de equilíbrio. Com pedaços exíguos de papel lida com noções de espaço e superfície, planeja e antecipa resultados, dali originalmente surgem pipas, como a do peixinho, a da estrela etc.

Na época construía arapucas também cuidadosamente até acertar o ponto "x" entre uma vareta e outra para melhor acionar a arapuca e o corpo da armadilha.

Seu irmão Gilmar, menos habilidoso, mantinha com ele uma relação de competição e cooperação, Nailton aceitava o título de "nervoso", o irmão qualificava-se como colaborador, calmo e inteligente aos olhos da família e da escola. Embora Nailton se irritasse sempre com a interferência do irmão, aceitava a "superioridade" de Gilmar procurando se beneficiar dela. "Escreve para mim aqui".

Segundo o pai deles, seus dois filhos gostavam muito de desenhar, mas, logo perderam o interesse, pois, para eles, caracterizados pela estereotipia, na escola tinham que reproduzir o mais fielmente possível o modelo fornecido pela professora.

Ao escrever seu nome, Nailton diz que aprendeu a copiar da professora. Mostrou-se aflito para recordar sílabas e letras. Sem modelo, escreveu "ELA" para a palavra escola dizendo estar fazendo qualquer doideira.

No caderno, há muitas cópias de cartilha. Quando lê, aflitamente puxa pela memória, faz associações, troca por sinônimos. Limita-se a escrever reproduzindo palavras da escola, assim como os desenhos. Apesar do bloqueio e ansiedade ainda demonstrava interesse em produzir escrita.

O discurso de ser lesado é muito evidente em seus depoimentos, a professora arrancava a folha do caderno quando Nailton fazia outras coisas que ela não pedia, diz que trazia a lição de casa, mas, a professora nunca via a dele, pois, sentava em uma fila que nunca dava tempo dela olhar o que ele fazia.

Frequentemente desenhava com uma régua, uma escola quase do tamanho da folha de papel, mas, o problema de acesso era sempre mal resolvido, para quem calculava os pontos de equilíbrio em suas invencionices, a porta era pequena demais, nunca colocava janela em sua escola, e quando desenhava escada, não chegava a lugar nenhum, pois esquecia sempre da porta. Assim desistia de desenhar e saía.

Sobre o significado do não-aprender e suas escolhas, tendo como referência esse caso de Maria Helena Souza Patto (1999), dentre outros, a nos fazer revisitar as teorias da "carência cultural" e "crítico-reprodutivistas" - historicamente alargadas no país de 1950 a 1980 - nos exige re-olhar o fracasso escolar de forma interdisciplinar e ressignificar posturas docentes herdadas desses tempos - bem mais de submissão do que de rebeldia, assim questionamo-nos de forma reconstrutiva:

- O que Nailton aprendeu com sua professora?
- No contexto atual, o que as crianças estão aprendendo com seus educadores?
- Qual o limite que educa e provoca o desenvolvimento e qual cerceia e impede o desenvolvimento?
- Qual o limite que deve e precisa ser transposto e qual precisa e deve ser respeitado?

A violência é fruto do desconhecimento, da fragmentação do olhar, da pobreza (em todas as esferas), da falta de solidariedade, de valores que nos destacam, sobretudo, como seres humanizados e amorosos.
- Quantos e diferentes Nailtons existem?
Referências
HAETINGER, Max Gunther. Jogos, recreação e lazer. 2 ed. Curitiba: IESDE Brasil, 2006.
PATTO, Maria Helena Souza. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. 2 ed. 2 reimp. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.
REGO, Tereza Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 8 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
STAREPRAVO, Ana Ruth; PAROLIN, Isabel Cristina; BOZZA, Sandra (Org.). Na escola sem aprender? Isso não! três olhares sobre o aprender e o ensinar. 21 ed. Pinhais, PR: Melo, 2009.
TAILLE, Yves de la et al. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. 9 ed. São Paulo: Summus, 1992.
WALLON, Henri. As origens do pensamento na criança. São Paulo: Manole, 1989.
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Imagem 2: http://thecrivablog.blogspot.com/
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