domingo, 17 de abril de 2011

Bullying na escola: desenvolvendo fortalezas

Trago aqui a tirinha criativa, séria e bem-humorada de Nanuka Andrade para ilustrar o post. A quem agradeço cedência ao Aprendências.


É preciso ajudar as vítimas típicas a descobrir suas próprias fortalezas e assim superar seu medo com bastante inteligência e equilíbrio. O humor é um dos indicadores de resiliência. A tira nos dá ideia e abre boa discussão sobre a melhor abordagem. Ação cultural casando ação dramática, jogos educativos, dança, pintura, literatura, enfim, a multilinguagem compõe a didática inteligente e bem concertada (com c mesmo).

Meu maior receio, como psicopedagoga, é que a sociedade fique saturada do tema bullying pelo sensacionalismo que cerca eventos dessa natureza na mídia. Não se pode abandonar escolas à sua própria sorte. Mais do que leis de proteção é o desenvolvimento de estratégias educativas realizadas nas escolas e pelo conjunto de educadores como ação formativa a favor da não-violência.


O perfil de ex-alunos como o de Wellington, da Escola Municipal Tasso da Silveira, de Realengo (RJ), que protagonizou no seu tempo de escola a "vítima típica" e fê-lo agravar problemas psicológicos. Era um garoto tímido, quieto demais, com tal conduta apartada sentia dificuldade de olhar nos olhos do Outro, acabava se auto-excluindo e sofrendo no íntimo. Seu único amigo de lá também sofria bullying. Os dois eram ridicularizados o tempo todo.


Wellington planejou pouco a pouco, pormenor a pormenor, a sua vingança. Ficou claro que o alvo não eram os adultos da escola, professores ou funcionários, mas neste derradeiro tempo, focava alunos indefesos, transferindo-lhes toda fúria e raiva mal-resolvida. Essa carga destrutiva lhe consumia por dentro. Alucinações foram parte de sua energia retida e cancerígena. Wellington entrou nas mesmas salas que havia estudado, memória registrava ainda o mesmo turno e as mesmas séries. Os personagens é que eram outros. A obsessão lhe cegou. Alunos e alunas inocentes a ocupar cenário e as mesmas carteiras de seus antigos agressores ou provocadores.


Sabemos que muitos passam pela escola sem potencializar patologia mental como a dele. Porém, o sentido de exclusão, de forma disfarçada e até silenciosa, ainda persiste a discriminar alunos ou alunas com necessidades educacionais especiais ou que a maioria julga diferente. Wellington foi alvo de muitos apelidos, além de tudo mancava de uma perna, achavam-no esquisito, diferente e frequentemente era expulso do lugar que sentava.


Na escola em que trabalho aconteceu recentemente uma agressão física a um aluno atendido por uma das professoras de educação especial. Os cuidados fundados no conhecimento são importantes como prevenção ou processo de acompanhamento, que inclui orientação à comunidade escolar, sobretudo, envolve projetos de professores e professoras que atuam com o aluno entre outros alunos da mesma turma. É tempo de inclusão.


O bullying se caracteriza por um conjunto de agressões que um aluno ou aluna sofre constantemente de um agressor ou grupo de colegas e da mesma turma, conforme a maioria das pesquisas e estudos. Entretanto, o bullying só acontece se o outro permitir, resolver silenciar a procurar ajuda de adultos ou colegas. Até porque perversamente os agressores visam afastar, aos poucos, toda possibilidade de amizade que o alvo de suas chacotas e agressões físicas ou simbólicas ainda mantenha com alguns poucos colegas.


Os afastados protagonizam as cenas de intimidação, assédio ou agressão como espectadores, de certa forma "seduzidos" pelo agressor, ou vítimas agressoras, e preferem firmar o pacto do silêncio. Veja o exemplo ilustrado por um aluno de 13 anos, da nossa escola. Poucos como ele, em suas representações, focam o papel do espectador, recluso em seu medo, incertezas e zona de conforto.




A forma de atuação da escola é fundamental neste contexto quando se entrecruzam preconceitos e informações desencontradas, fora opiniões de não-especialistas no assunto, com poucos parâmetros e argumentos fundados no conhecimento, a repassar opiniões ou conceitos insipientes. A escola precisa atuar de forma a promover projetos pedagógicos que fortaleçam alunos e alunas em suas relações interpessoais com mais responsabilidade (responsa-habilidade).


A didática docente ajuda bastante a disseminar grupos fechados, criando sempre novas formas de trabalhar em equipe, misturando de forma inteligente e criativa o alunado de cada turma e, principalmente, observando se há algum aluno ou aluna que é excluído ou se auto-exclui do conjunto.


O trabalho pedagógico deve ser bem mais cooperativo. A competição deve ser evitada ou orientada. Como os "perdedores" são vistos pelos outros colegas? Como os valores - respeito e solidariedade por exemplo - são estimulados nas turmas?


Com toda a informação disponível na mídia e muitas orientações importantes vão nos ajudar a desenvolver estratégias pedagógicas que humanizem mais as relações interpessoais de toda e qualquer escola. Não basta boa vontade é preciso leituras, questionamentos, ação reconstrutiva, pesquisa e cooperação de todos aqueles que movimentam saberes escolares e as interações com a Vida.


Melhores dias na escola despontam horizontes mais humanos. É preciso acreditar e desenvolver a função estimuladora da expressão, da reflexão, facilitar o acesso ao conhecimento, assim como, valorizar a função de integração social e desenvolvimento pessoal, como fortalecimento da auto-estima, respeito ao Outro e cooperação. 


Abro aqui os parênteses da compreensão do sentido buscado, aproximando-me mais do conceito piagetiano, como sentido de co-oper-ação (pensar e agir em conjunto), operar em comum, ou seja, ajustar ações por meio de novas operações de correspondência, reciprocidade ou complementaridade, as operações executadas pelos parceiros - com os parceiros. Fortalece assim a ação do trabalho em equipe, aprender com o outro, conhecer com o outro e desenvolver a autonomia e o sentido de alteridade.


Finalizo com a orientação de Freinet (1998) sobre a nova vida na escola, que, para ele, supõe como invariante pedagógica a cooperação escolar, ou seja, "a gestão da vida pelo trabalho escolar pelos que a praticam, incluindo o educador".


P.S. Sugiro aos leitores do blog que acessem aos links apontados nos comentários pelo colega Nanuka Andrade. Os vídeos ajudam a visualizar o projeto da Sokai Gakkai Internacional, apresentado no programa "Ação" da Rede Globo de Televisão por Serginho Groisman. 


Referência
Freinet, Celestin. Educação pelo trabalho. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
Piaget, Jean. Estudos sociológicos. Rio de Janeiro: Forense, 1973.

5 comentários:

  1. Maria,

    Tudo bom?

    Muito obrigado por expôr a tirinha nesta postagem tão atenta e preocupada com a questão do bullying.

    Concordo e admiro a participação do educador, que não se engaja apenas na erudição, como uma simples transmissão de conhecimento, mas na criação de valores positivos a fim de cultivar o caráter de seus alunos. Observo que, cada vez mais (embora me pareça raro), vêm surgindo educadores assim como você, que visam a felicidade daquele que está ali, não apenas para aprender, mas para se encontrar enquanto ser humano.

    O xis da questão,acredito, seja este. Incentivar alunos a sentirem-se felizes em aprender.

    Recentemente, participei de uma proposta de arte educação do Projeto "Makiguti em Ação", onde era feito um teatro com os professores para avaliar a participação dos educadores em situaçoes diversas. Em uma delas, crianças ameaçavam outros alunos dentro de um ônibus. A ideia era simples: os professores envolvidos teriam de improvisar suas atuações, ora como os próprios alunos baderneiros, ora como o motorista do ônibus, ou como eles mesmos, professores. Neste caso, não foi nada fácil encontrar uma solução, já que a ideia era que todos agissem conforme as atitudes reais, que poderiam de fato acontecer numa situação como aquela. Assim sendo, a pergunta que se fez foi: qual era o papel do professor, fora da sala de aula? Alguns se omitiram, e acharam que a responsabilidade por acabar com a bagunça era do motorista. Outros acharam que os professores deveriam intervir. E isso gerou uma discussão produtiva e reveladora.

    Maria, obrigado mais uma vez!

    Caso queira conhecer o projeto, segue o link:

    http://www.bsgi.org.br/educacao_coordeducacional_makiguti.htm

    E no youtube, no programa "Ação" da Rede Globo:

    http://www.youtube.com/watch?v=59D9JXIx4Nw


    Abração!

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  2. Olá Nanuka,

    Que prazer essa parceria no post. Há dias vinha estreitando a ideia. Fico bastante feliz com nossos objetivos comuns de aprender com as crianças, alimentar esperanças de um mundo melhor e bem mais humano, vamos cultivando com elas o caráter e a felicidade.

    Gostei demais do projeto indicado, boas ideias acendem em nós a perspectiva da transcendência...

    A utopia é nosso compromisso histórico com a Vida! Sonhos acalentam nossas esperanças e consolidam nossa cidadania planetária.

    Tin-tin!

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  3. Com certeza, Maria! Este tipo de contato sem dúvida é o que nos faz ainda melhores e capazes de mudar. Fico feliz de ter este contato com quem estudou e é mestre na educação. Enquanto desenhista, aprendo muito como você!

    E brindemos mais uma vez,

    Abração!

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  4. Olá Maria,

    Voltei a ativa, postando no blog, comentando nos blogs dos amigos, voltando mesmo!!! Claro que as leituras por aqui nunca cessaram mas não estava dando tempo para dedicar umas palavras a altura das leituras que encontramos nesse caminhar. Sua postagem sobre esta situação de bullying muito especial e cuidadosa. O olhar para tais situações é muito novo e cada vez percebemos mais quanto tempo deixamos passar como se tais atitudes fizessem parte da normalidade. O desenho da criança é tocante, uma multiplicidade de leituras.
    Mais uma vez você enriquece nosso pensar.

    Abraços, boa amiga.

    Lenira

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  5. Oi Lenira!
    Quanta alegria recebê-la por aqui!
    Felicidade pelo retorno à blogosfera.
    As crianças sempre nos ajudam a reler a realidade.
    A pesquisa na escola se desdobrou a partir dos olhares que perpassam todo sentimento delas na vivência e na expressividade.
    Seja bem-vinda amiga!
    Vou passar por lá.

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