domingo, 10 de julho de 2011

Princípio da leitura e da escrita: alfabetização emocional

A mãe olha para o bebê. E o bebê olha para onde? Através da mão ele olha para a mãe. E a mão brinca. No brincar vai exercitando o processo de ler o mundo. Os dois ensinam e aprendem. O bebê é quem ensina a mãe a ser mãe.


A primeira superfície que se desenha, que se escreve é a pele da mãe. Ali no ato de mamar interage com a escrita do outro através de seu próprio ato de escrita.


As modalidades de aprendizagem se entrelaçam no Outro. Os primeiros ensinantes são os pais, as mães e seus corpos entrelaçados no amor. A escrita tem a ver com estes momentos íntimos de troca de afetos. Uma boa escrita ajuda no processo de autoria. Estamos autorizados a escrever pelo amor.


A mão e a boca no útero materno e nesse tocar se inscreve a vida, leitura íntima de si no Outro. Através desse Outro o contato com o mundo vem através do som, da vibração, das emoções que fazem presentes através da corporeidade. Linguagem entrelaçada.


Entre o ensinante e o aprendente abre-se um campo de diferenças onde se situam os prazeres de aprender e de ensinar. O bebê é descoberto pela tecnologia e pela ciência como ser que aprende a conviver no processo de sua formação.


Educar para a sensibilidade criativa é sentir-se assim no aconchego do outro. Ou nas lembranças desse estar. A busca por estar de novo com ele. As mãos vão descobrindo as texturas e as temperaturas do Outro. Novos desenhos se formam nesse contato primeiro com o mundo. Leituras que o olhar traz para si. Toque no cabelo. Toque no colo. Toque com as mãos, com os pés ou o corpo inteiro. O significado humano de pele se ressignifica e atravessa as emoções do outro. E o som? As mães cantam e contam histórias enquanto conversam e nas linguagens múltiplas que ali entre eles se estabelecem.


Contar histórias ecoa através de diferentes relações corporais e as releituras vinculam com a vida. Novo ciclo aprendente desperta.
Nesta releitura psicopedagógica da leitura de mundo, no lugar de futura vovó, a partir da leitura do bebê no ventre materno compreendo que, para ocorrer a aprendizagem, alicerçada em Wallon, é preciso sentir e religar que quem aprende possa se conectar mais com seu sujeito ensinante do que com seu sujeito aprendente, e quem ensina - nessa troca íntima do sentir e do pensar - possa conectar-se mais com seu sujeito aprendente do que com seu sujeito ensinante.



Segundo Wallon (2008): "o ato mental 'projeta-se' em atos motores. O ato mental se desenvolve a partir do ato motor". O tocar é importante para a criança enquanto mama, pois, todo ato motor leva ao ato mental. Quando a criança desenha, desenha o rosto da mãe psicanaliticamente. Segundo Wallon (1986), o ser humano forma primeiro a imagem do que a palavra. Para Wallon (apud Dantas,1992, p. 38), na espécie humana, o contato com o meio físico nunca é direto, é sempre intermediado pelo social, tanto em sua dimensão interpessoal quanto cultural.


A escrita é um objeto cultural e advinda de um ato de amor. Mesmo que o amor esteja ao contrário, na ausência, o processo criativo acontece pelo amor e pelo desejo. Assim penso. O esquizofrênico não consegue desenhar formas circulares, formas geométricas, por quê? Pela dissociação constante que lhe mistura sentimentos, pela dificuldade de comunicar-se com o outro. 


Círculo em "fechamento completo", esse êxito ocorre
 normalmente por volta de 3 anos. (Greig, 2004)
O círculo agrega tudo - revela proximidade afetiva. Do círculo, muitas possibilidades, e a primeira, o rosto humano. Por volta dos seis anos de idade, a criança fecha um círculo verdadeiro, sem ser rabisco em anel, fechamento buscado, em arco ou atado. Completa um ciclo.


Olhar aprendente
Neste desfecho agora com Alicia Fernandez que nos ensina a pensar sobre as relações primeiras das aprendizagens de leituras e releituras e nossas autorias de pensamento: "Desde o início de sua existência, o bebê já está constituindo o sujeito aprendente sempre em relação com a modalidade de ensino e de aprendizagem de seus pais" (Fernández, 2001b, p.56). Com o pai ausente, a modalidade ensinante dos avós e amigos fazem toda a diferença.


O que a criança precisa é de afeto e de descobrir sua linguagem nessas relações de olhares, toques, pensamentos e reescritas.


Referência
DANTAS, Heloysa. Do ato motor ao ato mental: a gênese da inteligência segundo Wallon. In: La TAILLE, Yves de. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992. (p. 35-44)
FERNANDÉZ, Alicia. O saber em jogo: a psicopedagogia propiciando autorias de pensamentos. Porto Alegre: Artmed, 2001a.
_____. Os idiomas do aprendente: análise das modalidades ensinantes com famílias, escolas e meios de comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2001b.
GREIG, Philippe. A criança e seu desenho: o nascimento da arte e da escrita. Porto Alegre: Artmed, 2004.
RODULFO, Ricardo. Desenhos fora do papel: da carícia à leitura-escrita na criança. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
WALLON, Henri. A atividade proprioplástica. In: NADEL_BRULFERT J.; WEREBE, M. J. G. Henri Wallon (antologia). São Paulo: Ática, 1986.
_____. Do ato ao pensamento: ensaio de Psicologia Comparada. Petrópolis: Vozes, 2008.

2 comentários:

  1. Faço pedagogia e seu blog é esclarecedor!
    Se puder visitar o meu , ainda estou iniciando...

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  2. Olá Miriã!

    O bom desse movimento de blogar é conhecer outros aprendentes como a gente. Estamos é no meio do caminho... gosto do intertexto de Fernando Pessoa, Drummond, Lewis Caroll e as muitas telas de Van Gogh sobre o caminho e a relação antropofágica com o conhecimento.

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