sábado, 23 de julho de 2011

Mulheres Italianas sem-nome: as 100 e 1 maravilhas ocultas no patriarcado


Carnevali, Zibardi, Manolossi, Bertelli mulheres acabavam com a tradição da família. Avós e Pais queriam filhos homens. Por quê?

As mulheres que me antecederam, do lado paterno, perderam suas identidades.

- Minha Trisavó virou Maria Rodi, sem mais o vínculo com os Carnevali, onde estão?
- Minha bisavó virou Anna Rodi. Onde estão os Zibardi?
- Minha trisavó, mãe da bisavó paterna - Anna Zibardi, virou Margarida Zibardi. Onde estão os Manolossi?

- Minha bisavó virou Florida Alboite (na escrita do Brasil, de origem ARBOITE). E onde estão os Bertelli?
- Minha avó Paulina, manteve os Alboit no nome, depois de casada, chamava-se Paulina Alboit Rodi. No meu registro de nascimento estava como Alboite.
- Meu pai foi o único filho, de quatro irmãos, que herdou o nome dos AVÓS MATERNOS. Meus tios e tia se chamaram Nelson Rodi (falecido), Edgar Rodi (falecido) e Tereza Rodi.

Meu pai foi criado, dizendo minha mãe, por avós maternos porque mais vivia lá. Falava italiano com eles, assistia a nona fazer macarrão, minha mãe dizia que eles ficavam todos pendurados em uma "corda" para secar e poder cozinhar. Era muito apetitoso comer assim, o macarrão feito em casa, bem caseirinho. Perdemos a tradição italiana.

Compramos tudo pronto em supermercado. Aliás, também o pão, o bolo, a bolacha. Acostumamos com pouco, nada mais in natura, cultural, manufaturado, cultivado... Vida moderna!

Mas, o que eu estava mesmo dizendo é sobre nós as mulheres... Quem somos? Quantas mulheres foram abandonadas, esquecidas, amordaçadas, mortas! Quantas crias fêmeas são levadas para longe da casa, das mães gatas ou cachorras. Alguns enterravam suas filhotes ainda vivas. Como me entristecia saber dessas histórias de infância.

Vidas sem nome, sem história... Casou? Pois bem, o dono era o marido. Era honra! O nome dele prevalecia riscando o sobrenome [do pai] da esposa. A história dela e de seus filhos era dali em diante dele.

Estou tentando resgatar o nome da família, mesmo com dificuldades de recuperar dados, informações... Nasci sem avós ou avôs paternos. Uma briga de família atravessou minha existência. Problemas de muito e pouco dinheiro. Nós ficamos no pouco. Talvez pelo castigo de meu pai ter casado com uma não-italiana. Filhos de italianos por parte de mãe e de pai rompeu com a tradição. No começo estranharam e depois aceitaram, havia outro jeito? Meu pai era italiano tinhoso.

Minha mãe, filha de Pereira e Mendes, era ainda uma professora convicta. Ora, sabemos, mulher não trabalhava na época, ficava em casa com os filhos. Forte sina patriarcal. Minha mãe não quis assim se perpetuar na espécie, transgressora desde jovem, formou-se para trabalhar e mesmo contra vontade de seu pai. Enfrentou as auguras de trabalhar em ilhas paranaenses. Muito se orgulha de nos contar. Lágrimas furtivas nos contagiam.

Também não queria que eu fosse professora, queria algo melhor para mim. Sina de quem nasceu no dia 15 de outubro. Contrariei-a, aqui estou na profissão docente e na função coordenadora. Gosto mais de estar com crianças porque gosto de entender melhor o ser humano assim na base de sua formação. Acompanhar o desenvolvimento cognitivo e afetivo para pensar em pessoas melhores.

A educação exige-nos responsabilidade. Amar é saber cuidar! O mundo precisa andar na contramão pela paz e através do amor. Duvidam?

Histórias se reescrevem e mudam o destino da saga da família patriarcal. As mulheres hoje caminham valorizando as histórias que nos antecederam. Sem revolta. Somente libertas ou brigando pelo espaço comum em seu diferencial e em todo canto. Temos um nome.

Quem souber das famílias Carnevali, Zibardi, Manolossi, Bertelli, ou mesmo, ainda mais sobre os Alboit, Alboite, Arboit ou Arbouit por gentileza entre em contato. Gostaria muito de saber das mulheres de nossa família. É tempo de fazê-las renascer entre nós. Quero ouvir cem e uma vezes mil histórias, de nossas Sherazades. Como é bom imaginá-las contando. Faz-nos relaxar e nos dá um até aquele sono gostoso. Uhaaaaaaaaaaa ahhhhhhhhhhhhh! [Ráááá!]

Para fomentar conexões íntimas de imagem e conteúdo, cá neste ponto final, trago fragmento destilado do exercício borgeano porque para “falar em mil noites [passadas] é falar em infinitas noites. E dizer mil e uma noites é acrescentar uma além do infinito” (Borges, 1983, p.75). E no mapa do tempo temos chão e céus pela frente e nessa caminhada aprendente. Até porque aprendi com Abramovich (2006, p. 23) que querer ouvir histórias é também perceber a capacidade que atravessa o desejo de protagonizar e “estimular o desenhar, o musicar, o sair, o ficar, o teatrar, o imaginar, o brincar, o ver o livro, o escrever, o querer ouvir de novo. (...) Afinal, tudo pode nascer dum texto!”. Um novo texto e de um novo tempo. “No princípio não era o verbo?”.

Aprendi, e também com Bachelard, a seguinte premissa que nos reverbera: “como não ver, na influência afetiva, a correção de uma falta no desenvolvimento cognitivo”. Aprendi sem recorrer às histórias de minhas avós, mas, tive as de minha mãe como mulher guerreira, amante da natureza, dos desenhos, da alfabetização ecológica nas ilhas, na captura do siri quando a fome por lá apertava, como matriarca da família por boa parte de minha infância.

A arte de amar não deixa que a chama se apague. Despertamos com a luz a cada amanhecer. “é o estímulo, e não a resposta, que permanece o fator de controle na construção dos objetos do sentido” (Baldwin apud Bachelard , 1996, p. 194). E coisa curiosa, a mesma chama que o vento impetuoso apaga, no decorrer da história do patriarcado, volta a se acender pela carícia do sopro suave, em nosso despertar!

[Ah! não tenho Pereira e nem Mendes da história familiar de minha mãe no meu nome. Sei vocês dirão: por que um nome tão grande? Meros adjetivos, será? Mas, conheço os Pereira e Mendes. Conheci avó e avô, tios e tias, primos e primas somente por parte de mãe. O outro lado sempre me foi uma incógnita. Post relacionado: http://rociorodi.blogspot.com/2010/04/italos-brasileiros-bate-no-peito-uma.html].

Referências
ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. 5 ed. São Paulo: Scipione, 2006.
BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
_____. A psicanálise do fogo. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
_____. A filosofia do não. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
BORGES, Jorge Luís. As mil e uma noites. In: Sete noites. Trad. Moisés Limonad; Samuel León. São Paulo: Max Limonard, 1983.

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