sábado, 4 de abril de 2009

No entrelugar casa e escola: sentidos, movimentos e identidades


Para Vigotski (1989), a grande maioria das crianças já é capaz de ler aos quatro e cinco anos. É importante ampliar o conceito de leitura, segundo Paulo Freire (1986), para leitura do mundo e através de múltiplas linguagens. A linguagem (estereognóstica, corporificada, falada, cantada, tocada, desenhada, lida, discurso escrito etc.) é um fato social, por isso, desejada e comunicativa. Segundo pressupostos vigotskianos o processo de construção da leitura e escrita deve considerar o sujeito que aprende, sua atividade e toda a bagagem que antecede a escola -, e bakhtinianos que dizem que o ser humano não entende a palavra como unidade isolada, desvinculada do seu sentido concreto e da sua contextualidade.

Leva-se em conta a memória significativa da criança, advinda de processos vivenciais ou lúdicos... As crianças de quatro anos têm acesso e convívio com atos de leitura e escrita em contextos sociais de uso real. A trajetória cotidiana que a criança caminha de casa para a escola, e da escola para casa, em tempos diferentes, ao longo de um espaço e de tempo tão repletos de reversibilidades e informações, sentidos e vida, tessituras e cores, movimentos e sons, se torna importante no processo.

A casa é o lugar dos afetos. E na escola, os novos afetos. Carregadinhas de emoções, novas tessituras e alfabetizações. As tais palavras estão repletas de ressonância afetiva. A palavra CASA vem cheia de cantinhos, fragrâncias, líquidos, ruídos, silêncios, passagens secretas, alquimia etc. agregam-se outras peles, sentidos, significados, perspectivas...

O entrelugar articula e tece idéias, histórias, interações, mediações e produz novos sentidos através do conhecimento, das vontades, dos sentimentos e das ferramentas disponíveis aos sujeitos que arranjam sentidos, combinam elementos e recolocam pensamentos e redescobrem palavras-mundo. É o espaço mediador de saberes, conhecimentos e jogos de linguagem.

As primeiras letras que formam as palavras dessas realidades estão na casa, no caminho da casa-escola e na escola. Por isso pensei em como incorporar o uso de mídias em turmas de Jardim I? Através de desenhos e em sequência como a contar histórias, também pensei em arriscar através de quadrinhos. Quem pode me ajudar nesse desafio? Quais referências pertinentes?

A criança identifica e registra pouco a pouco, dia a dia, as memórias que evoca e traduz, as percepções que vai adquirindo e comparando nos três lugares: A CASA – A FAMÍLIA - O CAMINHO – A ESCOLA.

Como? Narrando oralmente, por desenhos, objetos trazidos desses lugares, por passeios, imagens, cantos, entrevistas, as lembranças são motivos de ler e escrever as palavras desses caminhos, palavras-mundo.

A criança se alfabetiza nos cantinhos de casa, nas pedras dos quintais, nas calçadas e nas vias, nas paredes e nos morros, nos vales ou outdoors. Não mais somente na escola ou em lugares determinados. A criança é “nativa” e nós adultos é que somos “imigrantes” ao depararmo-nos com um computador (PRENSKY apud DEMO, 2008).

Ela mexe sem medo de errar e mesmo sem saber ler. Sua aprendizagem é situada e fascinante. Aprende a exercer sua autonomia e autoria por desejo. O mundo da tecnologia é fascinante e cheio de relacionamentos. Sem a pressão escolar que engessa.

Esse mundo animado da tecnologia pode ser um excelente meio de novas aprendizagens. Agora seremos nós os adultos a também aprender com seus olhinhos diante da tela. Pois, não fomos essa criança há muito tempo atrás. Somos simultaneamente ensinantes-aprendentes como nos ensina Fernández (2001).

A criança é ensinante do presente em suas múltiplas relações com o aprender, o ensinar, o saber e o desejar. O belo desse processo é se dispor a aprender revelando aos nossos aprendentes os nossos próprios modos, estilos e potenciais de aprendizagem, percebendo-nos que em solidariedade e parceria podemos nos atualizar e amorosamente compartilhar as exigências, os interesses e a vontade epistemológicos de (re)construção do conhecimento, em direção aos estudos das novas ecologias cognitivas.

Assim caminho buscando aprender a ler suas marcas através da enunciação de seus desejos em desenhos, desejos de escrita, de comunicação... Aprendo com turmas de Jardim I, crianças não-alfabetizadas, mas em "estado de letramento", como podem ver no vídeo abaixo...

Um comentário:

  1. Olá, Maria do Rocio

    Seu blog é uma descoberta e tanto.Parabéns! Vou idicar aos professores de minha escola.

    Grande abraço

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