sábado, 24 de outubro de 2009

Reflexões sobre processos de alfabetização: saber ouvir, re-olhar e mediar

A competência docente – a autoridade do argumento:
O professor é um organizador das aprendizagens quando consegue realizar a transposição didática daquilo que aprende na teoria, de forma reflexiva e práxica, reinventa o conhecimento, mobiliza seus referenciais, recria seus próprios modelos e integra a autocrítica. O professor se permite aprender enquanto ensina, tornando-se sensível às aprendizagens e se dispõe a saber ouvir o aluno, e com ele re-olhar o movimento e as situações das aprendizagens que surgem no processo de construção do conhecimento. Nóvoa (2001) destaca duas importantes competências na prática docente: a organização e a compreensão do conhecimento e isto inclui a tomada de consciência, as habilidades metacognitivas, o autocontrole, os novos discursos. Educar significa propor questões, problematizá-las, reconstruir situações, desconstruir-se no processo enquanto se busca resolvê-las.



A autonomia do aluno:
Dentre as estratégias metacognitivas quando se faz conhecer o próprio conhecimento, os erros e as limitações se colocam a caminho das aprendizagens. É importante mobilizar os alunos a tomarem consciência do percurso de sua autonomia, por meio de atividades que estimulem a produção do “leitor”, daquele que se permite errar e soergue diante da produção de novos significados e sentidos. A autoria acontece nos questionamentos e desafios, na busca de argumentações e idéias, na reinvenção de estratégias para resolver problemas. E novos conhecimentos e aprendizagens advêm de emoções de caráter público, sentimentos de caráter privado, das percepções, relações, assimilações, contrariedades e de acordos que permeiam o cotidiano e suas realidades entrecruzadas. As interpretações e sínteses se tornam parceiras no processo de construção do conhecimento.

Poderia eu passar batida se o meu óbvio não me interrogasse em determinadas situações das aprendizagens dos alunos. Uma das aprendizagens mútuas que travamos em nossa roda cultural na turma do segundo semestre de Pedagogia sobre o conceito da escrita como representação ou enquanto código. Coloquei-me a ouvir o entendimento que tinham sobre representação enquanto liam o livro "reflexões sobre alfabetização", de Emília Ferreiro, e disseram-me haver entendido a diferença entre fonema e letra, a exemplo do “xis” da palavra exame: a letra é x e o fonema /z/... Não haviam percebido que ainda se tratava de códigos e não de representação. Depois conversamos sobre suas outras concepções de representação. Problemas semânticos como porque a letra é arbitrária, algo que ficou mais concreto na transposição conceitual de números e símbolos matemáticos pelos conflitos cognitivos que ainda sofrem... Que resenha seria essa? O entendimento deles era lógico - para eles - assim como para mim a palavra representação era muito óbvia...


Como venho me desconstruindo neste vai e vem, por me permitir escutar e não somente inferir sobre seus entendimentos e dificuldades de compreensão. Neste momento vamos aprendendo juntos a reconstruir o conhecimento. Boas experiências. Melhor ainda quando entram as crianças colaboradoras que eles mesmos escolhem e novos óbvios são desmascarados.


Segundo afirma Perrenoud (2000, p.29), “o professor que trabalha a partir das representações dos alunos tenta reencontrar a memória do tempo em que ainda não sabia, colocar-se no lugar dos aprendizes, lembrar-se de que, se não compreendem, não é por falta de vontade, mas porque o que é evidente para o especialista parece opaco e arbitrário para os aprendizes”.


Comecei a exemplificar para facilitar o entendimento acerca da palavra galinha, enquanto código quando podemos nos referir aos aspectos da consciência fonológica ou transposições fonéticas, com as belezas das falas regionais, ou ainda, esmiuçar a quantidade de letras e fonemas, sobre ainda aspectos sintáticos – referentes à forma – que estruturam a frase valorizando a clareza das idéias etc. Aos exemplos de representação, primeiro a clareza da concepção da galinha enquanto significante. Ela é um ser vivo, um animal, uma ave... bota ovos, tem penas e asas etc. Pode haver crianças que nunca viram uma e aquilo que nos é óbvio deixa de ser para essa criança que mora no décimo quarto andar de um edifício, sem quintal, ligada no mundo das mídias, come frango e não galinha cabidela. Quanto ao significado a galinha pode ser a “galinha dos ovos de ouro; a galinha ruiva; a galinha do vizinho; a galinha da minha vovó que chocou tantos pintinhos; eu vi meu avô matando uma galinha para comer e fiquei chocada; galinha ao molho pardo ou no tucupi; sua irmã é uma galinha; aquele menino é um galinha etc.”. Quantas palavramundos sobressaem à palavra do ditado ou da cópia, articulam-se ao contexto de simples frases ou emergem nas histórias clássicas das fadas e companhias? Quanta diversidade tem as palavras e em suas intensas semânticas!


A leitura da palavra é a leitura de meu mundo, o professor se põe a aprender com o aluno e a viver suas experiências e a dignificá-las no coletivo. A riqueza das trocas está no saber aprender e integrar o mundo da cultura ao mundo da ciência e vice-versa, o mundo de quem FALA e daquele que ESCUTA, quantas vozes permeiam e ali percebem-se em construção pelos sujeitos autores.


O óbvio é surpreendente. Ao nos colocar ouvindo aprendemos a palavra humildade-humanidade e assim aprendemos a aprender com o Outro. Segundo Morin (2003), todo conhecimento é tradução, reconstrução e inclui a interpretação do aprendiz. Basta saber ouvir. Basta re-olhar.

5 comentários:

  1. Eiiiii! Que muito bom vê-la em plena atividade nesse blog nos brindando com suas postagens de tão alto nível.
    Quem mandou nos acostumar mal? Depois que a gente se acostuma com bons blogs, boas postagens e principalmente a visitar os amigos... não tem jeito.

    Mas, como já disse o poeta..."Tu te tornas eternamente responsável por aquele que cativas"

    Essa blogosfera não pode ficar sem sua contribuição... Nó não podemos...

    Recebi seu e-mail e fico muito feliz por não ter deixado a peteca cair...

    Bjus...

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  2. Oi querida, que sintonia! Hoje passei o dia em Macaé, uma cidade litoranea a 3 horas do RJ, aonde moro, justamente ministrando uma disciplina no curso de especialização em Alfabetização em uma universidade de lá. Gosto sempre de começar (e continuar) minhas aulas levantando os conhecimentos prévios dos alunos. A partir daí, ao nos relacionarmos com os possíveis textos de referência, vamos construindo no cotejo entre as ideias que possuimos, aquelas que se apresentam e como as compreendemos. Também gosto de propor formas diferentes de leitura e produção escrita, por compreender que esse exercício de sistematização vai dando subsídios aos estudantes nesse percurso de formação. Hoje, por exemplo, pedi que fizessem um "verbete" definindo "alfabetização". Sairam produções muito bacanas e vi que eles também ficaram satisfeitos em perceber o quanto já caminharam. Depois disso, lemos o texto de Maria do Rosario Mortatti que aborda definições do que é alguém alfabetizado que foram construidas na história do nosso país, pudemos pensar na relação entre as concepções de leitura e escrita e as distintas práticas.
    O livro de Ferreiro que você trabalho é um dos mais densos dela. O seu tamanho pequeno "engana" aos desavisados e é um desafio compreender o "bichinho", não é?! Muito legal o caminho que você foi traçando com sua turma. Acho que falta mais nós, professores de professores, conversarmos sobre nossos caminhos didáticos... quem sabe fazemos um Blog coletivo, nós duas, postando ora uma, ora outra, questões focadas nesse ponto? Me veio essa ideia... beijos,

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  3. Olá, Meninas do Baixo Guandu (ES)!
    Vocês são bastante generosas e nos motivam um persistir, imagino que alegria é para uma turma de vocês. Venho acompanhando uma reflexão eo trabalho de vocês com as crianças, destaque com um Lenira unidocente em escola e naquele lugar maravilhoso do Mutum. Vejo-me por lá tamanha paixão das postagens! Parabéns quadruplicado!!
    Aquele Abraço!
    Maria do Rocio

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  4. Olá, minha mais nova amiga blogueira - menina do Rio!
    A idéia que lançaste acendeu-me as lamparinas...
    Macaé parece ser um belo lugar pelas fotos.
    Adorei sua paixão de ler e a forma como sabe mexer com os olhares e os desejos dos alunos de lá.
    Réguas, compassos fazem múltiplos traços e vamos revitalizando nossos passos agora incluindo ondas, curvas e espirais...
    E Aquele Abraço Modificado!
    Maria do Rocio

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  5. Olá Maria do Rocio, passei no blog de sua ex-aluna, Noah, que me levou a outro blog de Fátima e por aí fora vamos descortinando parceiros que como nós, pensam com seriedade a formação do leitor e escritor. Abraço!

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