terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Sobre o processo de estudar a aprendizagem a partir da matemática na educação infantil


A inquietação de saber o como as crianças aprendem a contar e a fazer contas na escola e como relacionam esses novos conhecimentos com aqueles que adquiridos dia a dia de suas relações culturais com o mundo físico e social, há muito nos incomodava. Constatamos certo distanciamento entre a matemática da escola e a matemática da vida.

A maior curiosidade é de verificar em nosso cotidiano que as crianças tem facilidades para aprender muito mais a matemática da educação infantil e do primeiro ano e encontram mais dificuldades em aprendê-la a partir do quarto ano (terceira série) do Ensino Fundamental.

Onde está o problema e até que ponto as crianças estão de fato aprendendo nas séries iniciais a matemática?

Ao entrar em contato com uma das obras de Kamii, que muito nos ajudou a pensar, provocou-nos o desejo de não só estudar pré-escolares, mas, principalmente, o desejo de contribuir com a prática de educadores dessa modalidade de ensino. Para isso necessitamos aventurar-nos a desconstruir o processo de escolarização, por onde também passamos, com esses docentes.

O Distrito de Mosqueiro (Belém-Pa), um lugar de praia de rio com ondas, foi onde localizamos o belo cenário vislumbrado a partir da escola estadual e de sua turma de 48 alunos, com idades de 5 a 6 anos.
Rios-mares com ondas e as muitas aprendizagens...
Uma pergunta pode demonstrar por vezes a curiosidade que alguém tem para descobrir algo, desvendar mistérios, desmistificar preconceitos. A pulsão do querer saber mais amplia o olhar com diferentes possibilidades de redescobrir as múltiplas relações que a vida cotidiana nos tem facilitado. Precisamos ser pretensiosos e buscar descobri-las.

A matemática ajuda o sujeito a pensar. A Educação Matemática busca traduzir o conhecimento entre saberes, quando aprendemos a exercitar o saber pensar.

A Teoria de Piaget implica tão somente em ensinar a matemática, como qualquer outra disciplina, em um contexto que inclua a habilidade de que a criança pense autônoma e criticamente, e de maneira a reconstruir a lógica. Para ele a autonomia da criança deve se dar em um ambiente aconchegante e provocador que encoraje o pensamento crítico e autônomo, e que indissociavelmente, estimule a autonomia social, moral e intelectual. Aqui acrescentamos a afetividade que libera a autonomia, própria de um ambiente humanizado e cidadão.

As relações humanas são por vezes caóticas, e o caos exige ordem e a necessária auto-organização. A matemática deve também se preocupar com o desenvolvimento humano, na prática de saber viver, criticar e reinventar cotidianos, para que o cidadão saiba fazer, reivindicando no estranhamento a aproximação, na acomodação o enfrentamento, que fazem-no superar, na constante busca da equilibração, desafios com saltos quânticos.

Aos poucos a matemática deixa de representar o papel de “bicho de sete cabeças”, culturalmente temido, e constitui-se como ferramenta que rediscute e desconstrói o número, a geometria, as medidas e as operações relacionadas.

Se a matemática é só para pessoas especiais, como o indivíduo/sujeito, cidadão desacreditado e comum, aprende a construir a própria capacidade de desvendar e recriar dispositivos semióticos, ao saber representar e traduzir necessidades, identificar novos problemas e indagações que se “apresentam” no cotidiano?

Aprender a pensar remete-nos à pergunta do como a escola tem possibilitado ao aluno construir o seu próprio pensamento. O aluno se percebe indivíduo (plural) e sujeito (singular)? Para obter respostas precisamos fazer perguntas para a ciência/matemática da escola.

Que opções estão sendo disponibilizadas?
Que escolhas o sujeito tem conscientemente feito?
Que matemática faz parte do nosso processo de escolarização?
Que discurso incorporamos e consequentemente repassamos?
Que verdades e realidades perpassam na escola?

Acreditamos na iniciação científica de escolares da educação infantil. O espírito científico e o processo propedêutico atendem às intenções de buscar re-ligar o pensamento pela não fragmentação do conhecimento. Consideramos ainda o conceito de alteridade, com respeito às diversidades culturais, à complexidade de relações e à pluralidade de ideias e pensamentos. Reconsideramos a subjetividade quando o sujeito se vê nos processos interacionais. É indivíduo e sujeito.

Tanto na escola como na vida, deve se aprender a ouvir e a sentir o outro, sem inibir a própria fala, para isso é preciso saber ocupar espaços, investindo na autonomia do pensamento, na liberdade de exercitar o poder, o erro e o medo e aceitar desafios.

Também se aprende com a insegurança do caos, a dificuldade de enfrentar críticas, a alegria das descobertas, a dúvida das certezas, a aventura de lançar-se ao desconhecido, a incerteza da negação, a coragem de se dispor ao outro, o querer mais viver e aprender.

Quem é a criança da pré-escola? Quem é o seu professor? Que escola pública forma o contexto da educação brasileira? Que tipo de representações ilustram a nossa Região Norte? Que imaginário social possuem os representantes da Amazônia paraense? Qual a cultura do cidadão que habita a capital paraense? Quem são os ribeirinhos, pescadores, caseiros, comerciantes, artesões, funcionários públicos e desempregados que circulam e sobrevivem na Ilha de Mosqueiro? Que currículo está sendo viabilizado nas escolas públicas desse local? O que e como as crianças aprendem?

Mais perguntas precisam ser feitas para que essas crianças tenham prazer de matematizar a sua realidade na escola, com dados significativos, e não apenas sobrevivam à matemática temida.

Como fazer com que os professores dessas crianças gostem e redescubram a matemática e o prazer de aprender e ensinar? Segundo Freire (1998, p. 25), “ensinar é a melhor forma de aprender”. Por aqui se sinaliza o desejo de se aproximar do educador e ajudá-lo a repensar o significado da matemática em seu dia-a-dia.

Para isso se faz uso das oportunidades epistêmicas vividas na didática dos jogos matemáticos. É uma forma de melhor perceber o potencial do aluno, e a sua capacidade de pensar e de comunicar o pensamento. Esses exercícios efetivamente colocam o aluno diariamente em interação com seus pares e professora. O desenvolvimento da autonomia dá à criança o poder de saber buscar, porque estimula construtivamente a sua ousadia e sua autoconfiança. Sem esquecer da construção da beleza de sua corporeidade também pelo conceito de alteridade.

Os jogos aplicados proporcionaram a aproximação entre experimentadores e alunos possibilitando melhor circulação de conhecimentos, entre eles e os professores da escola pública escolhida, buscando facilitar a interlocução de percepções, problemas, questionamentos, idéias e sabedorias.

Resolvemos mudar o termo experimentador para o de problematizador, para nós vai além do significado de facilitador, porque vimos tanto a necessidade de nos aproximarmos do aluno e da escola, dialogarmos com eles, sermos mediadores do conhecimento que representamos, mas que de repente aprendemos com eles, sujeitos de interlocução. Temos consciência de que podemos redescobrir novos significados porque aprendemos a teorizar a própria prática, que singularmente nos dispomos a conhecer.

Responder perguntas e provocar outras no exercício da filosofia que é o de problematizar o conhecimento, ressignificar e popularizar a ciência, para que ela não estacione e não seja apenas para alguns sujeitos que se consideram privilegiados. Isto porque percebemo-nos capazes de também interrogar e aprender, e de exercitarmos e nos deliciarmos com a pesquisa e a sabedoria de aprender a aprender, advindas da troca interativa que nos propomos. Vale descobrir problemas e socializar os questionamentos que a vida pulsa e proporciona, desafiando-nos à exposição, à demonstração e à busca de soluções, ensaios e motivos para não desistir de viver.

As perguntas sempre abrem novos caminhos, as respostas, inversamente, indicam uma caminhada já percorrida. Que aprendamos em nossa vida cotidiana a sempre fazer perguntas. E que surjam outras mais.


A ciência progride porque tem regras de jogo, que dizem respeito à verificação empírica e lógica (...) a ciência estabelece um comércio particular com a realidade do mundo dos fenômenos, sua verdade, enquanto ciência, não reside em suas teorias, mas nas regras do jogo da verdade e do erro (Morin, 1998).




Referências
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à pratica educativa. 9 ed. São Paulo: Paz e Terra 1998.
MORIN, E. Ciência com consciência. 2 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.





Um comentário:

  1. Gostei do teu blog!

    Sugestão: http://professorubiratandambrosio.blogspot.com/

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