quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Letramentos e Ecologia no movimento das aprendizagens: materiais para ler e não para aprender a ler


As professoras de nossa escola estão observando crianças da comunidade e da própria escola sobre como elas se relacionam com práticas e materiais reais de leitura e escrita, para melhor valorizar a procedência de suas formas de ler o mundo, considerando que as pessoas ocupam lugares sociais diferentes, têm atividades e estilos de vida associados a esses lugares e que “nem todos têm o mesmo nível de letramento, [até porque] cada família, cada comunidade e cada sujeito constrói saberes que não são universais” (Soares, 2001).

Embalagens familiares e de grande circulação social são usadas como suportes de textos e gêneros do mercado (rótulos de produtos diversos, bulas, receitas, prescrições médicas, catálogos, cardápios, placas de lojas, sinalização urbana, cupom fiscal, conta de energia elétrica, tickets, cartão de chip de celular etc.).


Nas experimentações das professoras, a metáfora ecológica oferece termos importantes que podem proporcionar um marco para as discussões sobre letramento na nossa escola, denominada Eco-Escola. O termo “ecologia do letramento” (Barton, 1994) se encaixa no projeto pedagógico por traduzir a interação entre indivíduos e seus ambientes. Em cada lar uma história desenha relações próprias ou imbricadas com outras histórias de vida.

Nichos ecológicos, ecossistema, equilíbrio ecológico, diversidade e sustentabilidade podem ser aplicados à atividade humana de usar a leitura e a escrita. A “ecologia humana” estuda a relação entre a atividade humana e o meio ambiente. E o letramento nessa ótica faz “parte do ambiente e ao mesmo tempo influencia e é influenciado pelo ambiente” (Barton, 1994, p. 29). O termo está sendo internalizado na prática das professoras a partir de suas interações. As professoras descobrem que há algo em comum no que analisam em crianças de idades diferentes.

Nessa amostragem e com referenciais expostos as professoras compreendem que as crianças têm um conhecimento prévio sobre o que elas apresentam e aos poucos se surpreendem com as possibilidades do aprender nas interlocuções durante suas pesquisas, o que lhes solicita aplicar conhecimentos ou acessar novas leituras para saber pensar melhor mediar o observado. Verificam o dito e o não-dito, o que e o como as crianças dizem, sabem e expressam em seus olhares, gestos ou silêncios e sobre o que vivenciam nos momentos de suas interações intensas e diversificadas com o suporte textual, as outras crianças e a professora - que ali representa de alguma forma os adultos de suas relações.

A práxis importante das professoras está em compreender o papel mediador durante essas dialogias individuais ou coletivas da criança e o seu processo de construção do conhecimento, além de relacionar tais vivências com suas concepções de currículo, didática, criança, adulto, habilidades de leitura e escrita, natureza e frequência de usos dessas habilidades.

As crianças do processo do aprender a aprender das professoras são da faixa etária que elas atuam em sala de aula, como forma de repensar o planejamento e o ambiente pedagógico; socializar experiências durante formação continuada de nossa escola, conhecida como HP (Hora Pedagógica), onde há cooperação (pensar e agir em conjunto) das professoras e coordenação pedagógica.

Durante leitura dos suportes de escrita buscam identificar e definir concepções de letramento básico e letramento crítico, observando o que a criança lê do rótulo apresentado, por exemplo:

- imagens, slogan, cor ou linguagem de fundo, logomarca (função apelativa do produto – busca influenciar o consumidor);
- o modo do preparo (forma secundária - função injuntiva – instruir o consumidor);

Depois, aos poucos a professora ensina a ver função informativa do produto (composição, classificação como alimento, higiene ou limpeza, selos de qualidade, qualidades nutricionais, peso líquido, SAC para o consumidor, informações do fabricante, endereço completo do fabricante - inclusive site na internet, preço em formato de códigos de barras, selos sinalizadores de reciclagem etc.).

O que é ser criança e o que é ser adulto, são perguntas para a criança que facilitam a compreensão e a ajudam a repensar as mediações pedagógicas.

Se para o educador Rubem Alves, "o papel do professor é ensinar o aluno a pensar provocando a curiosidade da criança ou adolescente", para mim, percebo também a professora se espantando durante interações com a criança. Algo inédito ocorre nessas relações. Como ela não sabe o que a criança colaboradora irá responder, por vezes, se admira com a resposta, se espanta com as colocações da criança porque, sobremaneira, reside nas professoras algo importante na função pesquisadora, o de ter ouvido sensível e no processo da escuta, aprende a fazer perguntas fora do  seu roteiro, ou seja, criança e adulto se tornam aprendentes e ensinantes.

Em vídeo sobre ser um professor de espanto, o próprio Alves nos diz que:

Inteligência não é saber as coisas. Para saber as coisas, basta você ter boa memória. Há idiotas de memória perfeita que guardam todas as coisas. (...) Então a questão da inteligência não é saber as respostas. A questão da inteligência é saber fazer as perguntas e as perguntas surgem deste espanto diante das coisas. Estou com a ideia de que é preciso criar um novo tipo de professor: professor de espanto. O que é o professor de espanto? É o professor que não sabe nada, ele não precisa saber nada, ele não precisa saber as respostas, mas ele fica espantado. A missão do professor seria pegar os alunos e mostrar os espantos para eles. Por exemplo: o espanto da mosca azul, o espanto dos caramujos, fazer as crianças pensarem. Cada professor devia ser um professor de espantos, antes de serem professores que dão as respostas.

Uma professora que não sabe nada é aquela professora que sabe lidar com conceitos de aprender, desaprender e reaprender, cujas certezas não cegam o movimento das aprendizagens. Assim percebo as relações das professoras com os saberes das crianças que, nesses momentos, se deliciam com suas novas aprendizagens.



Referências

- ALVES, Rubem. O papel do professor: http://www.youtube.com/watch?v=_OsYdePR1IU&feature=player_embedded
- BARTON, David.  Literacy: an introduction to the ecology of written language. Cambridge, USA: Blackwell Publishers, 1994.
- FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artmed, 1999.
- KLEIN, Lígia Regina. Alfabetização: quem tem medo de ensinar? São Paulo. Cortez, 2002.
- SOARES, Magda. Letramento: como definir, como avaliar, como medir. In: SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. (p. 61–125). 
- TEBEROSKY, Ana; GALLANT, Marta Soler. Contextos de alfabetização inicial. Porto Alegre: Artmed, 2004.

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