As professoras de nossa escola
estão observando crianças da comunidade e da própria escola sobre como elas se
relacionam com práticas e materiais reais de leitura e escrita, para melhor valorizar
a procedência de suas formas de ler o mundo, considerando que as pessoas ocupam
lugares sociais diferentes, têm atividades e estilos de vida associados a esses
lugares e que “nem todos têm o mesmo nível de letramento, [até porque] cada família,
cada comunidade e cada sujeito constrói saberes que não são universais”
(Soares, 2001).
Embalagens familiares e de grande
circulação social são usadas como suportes de textos e gêneros do mercado
(rótulos de produtos diversos, bulas, receitas, prescrições médicas, catálogos,
cardápios, placas de lojas, sinalização urbana, cupom fiscal, conta de energia elétrica, tickets, cartão
de chip de celular etc.).
Nas experimentações das professoras, a metáfora
ecológica oferece termos importantes que podem proporcionar um marco para as
discussões sobre letramento na nossa escola, denominada Eco-Escola. O termo “ecologia do
letramento” (Barton, 1994) se encaixa no projeto
pedagógico por traduzir a interação entre indivíduos e seus
ambientes. Em cada lar uma história desenha relações próprias ou imbricadas com outras
histórias de vida.
Nichos ecológicos, ecossistema,
equilíbrio ecológico, diversidade e sustentabilidade podem ser aplicados à
atividade humana de usar a leitura e a escrita. A “ecologia humana” estuda a
relação entre a atividade humana e o meio ambiente. E o letramento nessa ótica faz
“parte do ambiente e ao mesmo tempo influencia e é influenciado pelo ambiente”
(Barton, 1994, p. 29). O termo está sendo internalizado na prática das
professoras a partir de suas interações. As professoras descobrem que há algo em comum no que analisam em crianças de idades diferentes.
Nessa amostragem e com referenciais
expostos as professoras compreendem que as crianças têm um conhecimento prévio
sobre o que elas apresentam e aos poucos se surpreendem com as possibilidades do
aprender nas interlocuções durante suas pesquisas, o que lhes solicita aplicar
conhecimentos ou acessar novas leituras para saber pensar melhor mediar o
observado. Verificam o dito e o não-dito, o que e o como as crianças dizem, sabem
e expressam em seus olhares, gestos ou silêncios e sobre o que vivenciam nos
momentos de suas interações intensas e diversificadas com o suporte textual, as
outras crianças e a professora - que ali representa de alguma forma os adultos
de suas relações.
A práxis importante das
professoras está em compreender o papel mediador durante essas dialogias
individuais ou coletivas da criança e o seu processo de construção do
conhecimento, além de relacionar tais vivências com suas concepções de
currículo, didática, criança, adulto, habilidades de leitura e escrita,
natureza e frequência de usos dessas habilidades.
As crianças do processo do
aprender a aprender das professoras são da faixa etária que elas atuam em sala
de aula, como forma de repensar o planejamento e o ambiente pedagógico; socializar
experiências durante formação continuada de nossa escola, conhecida como HP
(Hora Pedagógica), onde há cooperação (pensar e agir em conjunto) das
professoras e coordenação pedagógica.
Durante leitura dos suportes de
escrita buscam identificar e definir concepções de letramento básico e
letramento crítico, observando o que a criança lê do rótulo apresentado, por
exemplo:
- imagens, slogan, cor ou
linguagem de fundo, logomarca (função apelativa do produto – busca
influenciar o consumidor);
- o modo do preparo (forma
secundária - função injuntiva – instruir o consumidor);
Depois, aos poucos a professora
ensina a ver função informativa do produto (composição, classificação como
alimento, higiene ou limpeza, selos de qualidade, qualidades nutricionais, peso
líquido, SAC para o consumidor, informações do fabricante, endereço completo do
fabricante - inclusive site na internet, preço em formato de códigos de barras,
selos sinalizadores de reciclagem etc.).
O que é ser criança e o que é ser
adulto, são perguntas para a criança que facilitam a compreensão e a ajudam a repensar
as mediações pedagógicas.
Se para o educador Rubem Alves, "o papel do professor é ensinar o aluno a pensar provocando a curiosidade da criança ou adolescente", para mim, percebo também a professora se espantando durante interações com a criança. Algo inédito ocorre nessas relações. Como ela não sabe o que a criança colaboradora irá responder, por vezes, se admira com a resposta, se espanta com as colocações da criança porque, sobremaneira, reside nas professoras algo importante na função pesquisadora, o de ter ouvido sensível e no processo da escuta, aprende a fazer perguntas fora do seu roteiro, ou seja, criança e adulto se tornam aprendentes e ensinantes.
Em vídeo sobre ser um professor de espanto, o próprio Alves nos diz que:
Se para o educador Rubem Alves, "o papel do professor é ensinar o aluno a pensar provocando a curiosidade da criança ou adolescente", para mim, percebo também a professora se espantando durante interações com a criança. Algo inédito ocorre nessas relações. Como ela não sabe o que a criança colaboradora irá responder, por vezes, se admira com a resposta, se espanta com as colocações da criança porque, sobremaneira, reside nas professoras algo importante na função pesquisadora, o de ter ouvido sensível e no processo da escuta, aprende a fazer perguntas fora do seu roteiro, ou seja, criança e adulto se tornam aprendentes e ensinantes.
Em vídeo sobre ser um professor de espanto, o próprio Alves nos diz que:
Inteligência não é saber as coisas. Para saber as
coisas, basta você ter boa memória. Há idiotas de memória perfeita que guardam
todas as coisas. (...) Então a
questão da inteligência não é saber as respostas. A questão da inteligência é
saber fazer as perguntas e as perguntas surgem deste espanto diante das
coisas. Estou com a ideia de que é preciso criar um novo tipo de
professor: professor de espanto. O que é o professor de espanto? É o
professor que não sabe nada, ele não precisa saber nada, ele não precisa saber
as respostas, mas ele fica espantado. A missão do professor seria pegar os
alunos e mostrar os espantos para eles. Por exemplo: o espanto da mosca azul, o
espanto dos caramujos, fazer as crianças pensarem. Cada professor devia ser um
professor de espantos, antes de serem professores que dão as respostas.
Uma professora que não sabe nada é aquela professora que sabe lidar com conceitos de aprender, desaprender e reaprender,
cujas certezas não cegam o movimento das aprendizagens. Assim percebo as
relações das professoras com os saberes das crianças que, nesses momentos, se deliciam com suas
novas aprendizagens.
Referências
- ALVES, Rubem. O papel do professor: http://www.youtube.com/watch?v=_OsYdePR1IU&feature=player_embedded
- BARTON, David. Literacy: an introduction to the ecology of
written language. Cambridge, USA: Blackwell Publishers, 1994.
-
FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre:
Artmed, 1999.
-
KLEIN, Lígia Regina. Alfabetização: quem tem medo de ensinar? São Paulo.
Cortez, 2002.
-
SOARES, Magda. Letramento:
como definir, como avaliar, como medir. In: SOARES, Magda. Letramento:
um tema em três gêneros. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. (p. 61–125).
-
TEBEROSKY, Ana; GALLANT, Marta Soler. Contextos de alfabetização inicial. Porto
Alegre: Artmed, 2004.
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