Simplesmente essa é a história de São Paulo, versão narrada por Taylor Caldwell, porém, em meus intertextos da vida.
Saul vivia mundos paradoxais em Tarso: debatia-se com o seu interior austero que seguia Deus sobre todas as coisas, primeiro através da leitura das escrituras de seus mestres desde a infância e das conversas com seu pai judeu e depois quando perseguia Jesus e os nazarenos até se transformar no amigo do Divino. Por parte de mãe, seu avô também de muitas posses, luxos e escravos, vivia em Roma e era amigo de Pôncio Pilatos e Herodes. Sua bela mãe tinha comportamento infantil, desde que Saul nasceu, achava-o “muito feio”, seu pai lhe dizia que um filho é um filho e por isso deviam os dois agradecer a Deus, cujo nome era sempre louvado naquela casa, até porque antes ela havia parido só meninas mortas.
Débora, a mãe, queria dar-lhe o nome de Irra, e Hillel, seu pai, disse que deveria se chamar Saul, por ser um leão de Deus, sua mãe insistiu por Paulo, de som aristocrático para gregos e romanos, e por Tarso, porque só em bárbaro aramaico poderia se chamar Tarso de Tarshish, mas, seu pai convicto chamou-o de Saul de Tarshish.
A obstinação por Deus, alimento de sua fé judia, fê-lo afastar-se do calor humano, assim como, para ele, admirar o mundo era como esquecer Deus. O mundo feito pelas pessoas era abominável.
Na terceira década de vida, em um navio de Jerusalém a Tarso, após notícia de falecimento de seu pai Hillel ben Borush, encontrou-se pela primeira vez com Lucano, ou Lucas como é conhecido o evangelista, ali os dois perceberam que um perseguia Deus e o outro perseguia homens. Um discreto, terno, piedoso e desgostoso das adulações e servilismos do homem queria curar todas as enfermidades humanas. O outro com perfil crítico, fisionomia agressiva, reserva altaneira, ar distraído e vago, olhos angustiados, boca amarga e passos irresolutos menosprezava toda a humanidade. Um se afastou de Deus, condenou-O e rejeitou-O. O outro afastou a si mesmo e condenou e rejeitou o homem.
Um enfurecido com Deus porque perdeu para Ele seus entes queridos, procurava aliviar o sofrimento de outras vítimas desse Deus. E o outro se enfurecia por ser o homem a aflição, um insulto contra Deus, o ser desprezível que, sobre os membros inferiores, ousava encarar o Inefável e interrogá-Lo!
Em sua conclusão, Lucano disse a Saul que eles só poderiam discutir baseados em suas próprias experiências e não nas dos outros, pois ninguém sabe o que se passa no coração das pessoas. Mas, que poderiam sim ser bons amigos apesar dessas suas diferenças. Portos diferentes. Caminhos opostos. Temperamentos singulares. O acaso seguia.
Alguns reencontros se sucederam e diferentes acasos aproximaram Lucas de Paulo.
Uma pausa ao questionamento ao tanto que me inquieta: por que Ele escolheu Paulo e Lucas para falar aos gentios, tão diferentes dos onze discípulos vistos como pessoas amáveis, porém, de condição humilde, inofensivas como pombas, pobres e simples, sem violência ou teimosia? Compreensão mergulhada nos mistérios e na ignorância humana que busca perguntar, descontruir-se nos processos do aprender.
Paulo e Lucas nasceram em famílias nobres e estudaram em Universidades. Um advogado e o outro médico, um cidadão romano e outro grego, um era primo do general pretoriano, o outro filho adotivo de nobre romano, centurião, tribuno e procurador na Síria, soldado favorito de César Augusto. Um era fariseu erudito e judeu religioso, o outro considerado gentio, sabia da história do “Deus Desconhecido” dos gregos, dos pagãos, dos bons, dos escravos, dos ricos, dos miseráveis, dos maus, das plantas, da terra e dos animais, alguém muito amoroso que estava presente em toda parte. Os dois não estiveram com Jesus durante toda a sua peregrinação pela terra, como os demais apóstolos. Um encontrou com Jesus no seu caminho por três vezes e o outro sequer viu ou ouviu Jesus.
É notável a amizade e o carinho de Paulo para com Lucas, além do distanciamento de Pedro e demais apóstolos. De perfis bem diferentes percorreram caminhos opostos.
Paulo fariseu erudito e judeu religioso, homem de posição e família, cidadão romano, executor da lei, advogado e pertencente a uma notável casa de Israel. Durante o tempo que perseguia Jesus ou seus seguidores, se perguntava ou aos outros: como podem dizer que esse Yeshua de Nazaré – um simples professor ambulante, originário de Nazaré, que só falava aramaico, carpinteiro numa miserável aldeiazinha, aquele que provocou conflitos, despertou a ira perigosa dos romanos contra todos os judeus, inculto, rabino esfarrapado, impostor, presunçoso, louco, trapaceiro, vagabundo, mentiroso e blasfemador, ignorante Galileu, desconhecido de todos – é o Messias, o Santo de Israel?
E ainda completava que todos tinham sido enganados por um falecido dissimulador, hipócrita, louco e patife! E que esse malfeitor morto não teria inimigo mais encarniçado do que ele, Paulo, o mesmo acontecendo aos Seus miseráveis discípulos.
- Mas, José de Arimatéia, amigo da família, disse a Saul, “um dia, Ele não terá maior amigo que você...”.
A luz no deserto, a caminho de Damasco, despertou Saul de sua cegueira profunda e o fez levar o amor de Deus ao mundo.
Nessa história é notável ver a amizade e o carinho de Paulo para com Lucas, apesar do distanciamento de Pedro e demais apóstolos. De perfis bem diferentes, Pedro e Paulo percorreram caminhos opostos, porém, convictos do Amor ao Messias, Salvador, Rei de Israel, ou seja, ao "Deus Desconhecido", de gentios e romanos.
Lucas, entretanto, foi companheiro de Paulo até o momento derradeiro, percebeu-se abandonado pelos homens, mas, não por Deus, quando registra melancolicamente, com a mão trêmula e rugosa: "só Lucas está comigo" (2Tm 4:11). Lucas escreveu o seu Evangelho a pedido de São Paulo e fez o relatório dos Atos dos Apóstolos. São Paulo, para os romanos e judeus, era o apóstolo das gentes.
Já conhecia a história de Lucano (apóstolo Lucas), o mestre de homens e de almas, por Taylor Caldwell, e agora a de Saul de Tarshish (apóstolo Paulo). Sei também pelo que li em diferentes fontes que a autoria do primeiro retrato de Maria com o menino Jesus é atribuída a Lucas. A descrição da menina-mulher que teve Jesus aos 14 anos que Lucas nos apresenta, em Taylor Caldwell, é encantadora. Ele esteve com Ela na típica casa de Jesus Nazareno.
O destaque dessa peregrinação de Paulo, que tanto fugiu do amor humano, considerado “muito feio” desde que nasceu pela própria mãe, assustava as pessoas por sua forma austera, nos mostra a infinita harmonia e beleza que exprime em um dos poemas mais sublimes que já li, encontrado na Carta de “Saul de Tarshish” aos Coríntios, capítulo 12. O apóstolo dos gentios, apesar de judeu e romano, rejeitado pelos seus, tornou-se o apóstolo das gentes. E nós que somos gentes, recebemos o legado desse belo poema, a nos fazer aprender a todo tempo sobre o Amor:
Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse Amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse Amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tivesse Amor, nada disso me aproveitaria. O Amor é paciente, é benigno; o Amor não é invejoso, não trata com leviandade, não se ensoberbece, não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal, não folga com a injustiça, mas folga com a verdade. Tudo tolera, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O Amor nunca falha. Havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; porque, em parte conhecemos, e em parte profetizamos; mas quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado. Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino. Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; mas o maior destes é o Amor.
A beleza é harmonia. E quando a beleza humana exterior exprime a harmonia interior do ser humano, resplandece com mais intensidade... Paula amava a todos.
Nunca se casou, teve um único envolvimento amoroso na adolescência com uma bela moça, no caminho de seus estudos, era escrava e dela nasceu seu único filho, fato conhecido e por acaso somente na juventude do filho e adotado após vinte anos de nascido, porém, faleceu amando o Messias com sua esposa e filhos, netos que Saul não chegou a conhecer. Paulo foi também amado por outra bela mulher, que desse amor abriu mão para que Saul seguisse o seu caminho. Admirava o amor de sua irmã por seus filhos e depois de morta, reconheceu o amor de sua própria mãe. As mulheres moravam em casas separadas dos homens e serviam aos maridos naquela época, mas, muitas delas eram sábias e orientavam esses maridos ao Messias com palavras certas, amenas e bem temperadas. Mesmo as mulheres dos nobres romanos. Saul descobria aos poucos a força do amor e na fé das mulheres que o aqueceu por tempos sombrios, porém, divinamente humanos.
O poema do amor ganhou muito mais significado após ler a história de Saul de Tarshish reafirmando ainda mais o encantamento por Lucano, leitura da adolescência. Já havia lido outras duas versões de Paulo de Tarso.
Amamos de forma tal que buscamos expressões para significar o que o belo faz em nós, muitas vezes sem perceber o inefável que tempera nossos atos. Ali em Paulo, particularmente, redescobri o fenômeno que nos faz sentir gente em meio às tempestades da vida e no deserto de muitos corações, a luz que reencanta e transforma nosso olhar. Perspectivas despontam e se redefinem nas páginas que nos faltam trilhar, escrever, incluir ou reeditar em nossas releituras, rolagens reinventadas, navegações históricas, peregrinações tecnológicas, bricolagens complexas, escrituras humanas e abraços transcendentais nas teias da Vida que nos enredam, nos acolhem e sublimam.
Muita paz e Amor a todos nós!
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Imagem 3: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/outubro/dia-de-sao-lucas-5.php
Imagem 4: http://www.arautos.org/artigo/19189/Sao-Paulo--o-gigante-da-Fe.html
O mundo está muito carente desse sentimento: amor
ResponderExcluirao próximo. Apesar disso, somos seres em evolução e caminhamos a passos lentos para a perfeição. Tenho fé de chegaremos lá, apesar de que muito do vemos nos faça pensar o contrário.
Belo texto, Maria!
Muito amor e paz pra ti e todos que passam por aqui.
Abraços
Maria, que bela história nos (re) lembra, em detalhes que conhecia tão pouco ou mesmo nunca suspeitei. Fiquei com vontade de conhecer mais... beijos querida,
ResponderExcluirEi, Maria
ResponderExcluirFicaram faltando algumas palavras no comentário acima, mas acho que dá pra entender...rs
É o que acontece toda vez que estou com o computador no colo e o Marley fica me chantageando porque está na hora do passeio.
Bja
Max,
ResponderExcluirmeu querido amigo virtual,
É a nova versão da amizade! Como seria se tudo daquela época acontecesse hoje, difícil pensar, tudo adveio de lá... A mídia estaria na cobertura, 24 horas e mais um pouco. Como seria essa magia, o sagrado, o ceticismo, os pontos, a ressurreição... Episódios exaustivamente reeditados e com efeitos especiais...
Apesar de toda a parafernália, avanços tecnológicos etecetera e tal, encontramos no ambiente da rede bons motivos para celebrar as amizades e o Amor, redescobrindo o que Paulo nos legou.
Alimente o seu olhar sempre com o que de mais belo reserva de suas aprendências pela Vida. Merecemos ser sempre felizes pelo Sublime Amor que nos envolve. O amor e a paz nos envolverá sempre desde que nosso olhar perceba a beleza que transita entre nós.
Aprendemos nestas trocas verdadeiras e intensas.
Renovados abraços!
Max,
ResponderExcluirOs erros são tentativas de acerto, e por aqui são sempre construtivos, e ainda mais, quando por perto temos os nossos anjos de quatro patas, aqui por baixo trafegam dezesseis patinhas, rsrsrs! Se um chama para o passeio, imagina você esses daqui... Loucura!! Quantas emoções entrecruzadas!
Adrianne!
A leitura nos traz muita beleza indescritível mesmo, ainda mais quando vamos realizando nossos intertextos, encantos, seduções e licenças para recontar também por meio da semiótica. É preciso ler, imaginar, situar-se, colocar, recolocar, reinventar, sonhar, sair do campo real para além do imaginário, retornar e ressignificar. Compreender, dizer, dialogar, reeditar.
O passado nos é tão presente, entretanto, após Taylor Caldwel, em dose dupla, revejo o que Benjamin nos diz e me inquieta: "a arte de narrar está definhando porque a sabedoria - o lado épico da verdade - está em extinção". Por que será o alarme?
Muito bom vocês por aqui sempre me renovando!
Outros beijos!
Maria do Rocio