sexta-feira, 24 de setembro de 2010

O Amigo de Deus e o poema do Amor Genuíno

Simplesmente essa é a história de São Paulo, versão narrada por Taylor Caldwell, porém, em meus intertextos da vida.

Saul vivia mundos paradoxais em Tarso: debatia-se com o seu interior austero que seguia Deus sobre todas as coisas, primeiro através da leitura das escrituras de seus mestres desde a infância e das conversas com seu pai judeu e depois quando perseguia Jesus e os nazarenos até se transformar no amigo do Divino. Por parte de mãe, seu avô também de muitas posses, luxos e escravos, vivia em Roma e era amigo de Pôncio Pilatos e Herodes. Sua bela mãe tinha comportamento infantil, desde que Saul nasceu, achava-o “muito feio”, seu pai lhe dizia que um filho é um filho e por isso deviam os dois agradecer a Deus, cujo nome era sempre louvado naquela casa, até porque antes ela havia parido só meninas mortas.

Débora, a mãe, queria dar-lhe o nome de Irra, e Hillel, seu pai, disse que deveria se chamar Saul, por ser um leão de Deus, sua mãe insistiu por Paulo, de som aristocrático para gregos e romanos, e por Tarso, porque só em bárbaro aramaico poderia se chamar Tarso de Tarshish, mas, seu pai convicto chamou-o de Saul de Tarshish.

A obstinação por Deus, alimento de sua fé judia, fê-lo afastar-se do calor humano, assim como, para ele, admirar o mundo era como esquecer Deus. O mundo feito pelas pessoas era abominável.

Na terceira década de vida, em um navio de Jerusalém a Tarso, após notícia de falecimento de seu pai Hillel ben Borush, encontrou-se pela primeira vez com Lucano, ou Lucas como é conhecido o evangelista, ali os dois perceberam que um perseguia Deus e o outro perseguia homens. Um discreto, terno, piedoso e desgostoso das adulações e servilismos do homem queria curar todas as enfermidades humanas. O outro com perfil crítico, fisionomia agressiva, reserva altaneira, ar distraído e vago, olhos angustiados, boca amarga e passos irresolutos menosprezava toda a humanidade. Um se afastou de Deus, condenou-O e rejeitou-O. O outro afastou a si mesmo e condenou e rejeitou o homem.

Um enfurecido com Deus porque perdeu para Ele seus entes queridos, procurava aliviar o sofrimento de outras vítimas desse Deus. E o outro se enfurecia por ser o homem a aflição, um insulto contra Deus, o ser desprezível que, sobre os membros inferiores, ousava encarar o Inefável e interrogá-Lo!

Em sua conclusão, Lucano disse a Saul que eles só poderiam discutir baseados em suas próprias experiências e não nas dos outros, pois ninguém sabe o que se passa no coração das pessoas. Mas, que poderiam sim ser bons amigos apesar dessas suas diferenças. Portos diferentes. Caminhos opostos. Temperamentos singulares. O acaso seguia.

Alguns reencontros se sucederam e diferentes acasos aproximaram Lucas de Paulo.

Uma pausa ao questionamento ao tanto que me inquieta: por que Ele escolheu Paulo e Lucas para falar aos gentios, tão diferentes dos onze discípulos vistos como pessoas amáveis, porém, de condição humilde, inofensivas como pombas, pobres e simples, sem violência ou teimosia? Compreensão mergulhada nos mistérios e na ignorância humana que busca perguntar, descontruir-se nos processos do aprender.

Paulo e Lucas nasceram em famílias nobres e estudaram em Universidades. Um advogado e o outro médico, um cidadão romano e outro grego, um era primo do general pretoriano, o outro filho adotivo de nobre romano, centurião, tribuno e procurador na Síria, soldado favorito de César Augusto. Um era fariseu erudito e judeu religioso, o outro considerado gentio, sabia da história do “Deus Desconhecido” dos gregos, dos pagãos, dos bons, dos escravos, dos ricos, dos miseráveis, dos maus, das plantas, da terra e dos animais, alguém muito amoroso que estava presente em toda parte. Os dois não estiveram com Jesus durante toda a sua peregrinação pela terra, como os demais apóstolos. Um encontrou com Jesus no seu caminho por três vezes e o outro sequer viu ou ouviu Jesus.

É notável a amizade e o carinho de Paulo para com Lucas, além do distanciamento de Pedro e demais apóstolos. De perfis bem diferentes percorreram caminhos opostos.

Paulo fariseu erudito e judeu religioso, homem de posição e família, cidadão romano, executor da lei, advogado e pertencente a uma notável casa de Israel. Durante o tempo que perseguia Jesus ou seus seguidores, se perguntava ou aos outros: como podem dizer que esse Yeshua de Nazaré – um simples professor ambulante, originário de Nazaré, que só falava aramaico, carpinteiro numa miserável aldeiazinha, aquele que provocou conflitos, despertou a ira perigosa dos romanos contra todos os judeus, inculto, rabino esfarrapado, impostor, presunçoso, louco, trapaceiro, vagabundo, mentiroso e blasfemador, ignorante Galileu, desconhecido de todos – é o Messias, o Santo de Israel?

E ainda completava que todos tinham sido enganados por um falecido dissimulador, hipócrita, louco e patife! E que esse malfeitor morto não teria inimigo mais encarniçado do que ele, Paulo, o mesmo acontecendo aos Seus miseráveis discípulos.

- Mas, José de Arimatéia, amigo da família, disse a Saul, “um dia, Ele não terá maior amigo que você...”.

A luz no deserto, a caminho de Damasco, despertou Saul de sua cegueira profunda e o fez levar o amor de Deus ao mundo.

Nessa história é notável ver a amizade e o carinho de Paulo para com Lucas, apesar do distanciamento de Pedro e demais apóstolos. De perfis bem diferentes, Pedro e Paulo percorreram caminhos opostos, porém, convictos do Amor ao Messias, Salvador, Rei de Israel, ou seja, ao "Deus Desconhecido", de gentios e romanos.

Lucas, entretanto, foi companheiro de Paulo até o momento derradeiro, percebeu-se abandonado pelos homens, mas, não por Deus, quando registra melancolicamente, com a mão trêmula e rugosa: "só Lucas está comigo" (2Tm 4:11). Lucas escreveu o seu Evangelho a pedido de São Paulo e fez o relatório dos Atos dos Apóstolos. São Paulo, para os romanos e judeus, era o apóstolo das gentes.

Já conhecia a história de Lucano (apóstolo Lucas), o mestre de homens e de almas, por Taylor Caldwell, e agora a de Saul de Tarshish (apóstolo Paulo). Sei também pelo que li em diferentes fontes que a autoria do primeiro retrato de Maria com o menino Jesus é atribuída a Lucas. A descrição da menina-mulher que teve Jesus aos 14 anos que Lucas nos apresenta, em Taylor Caldwell, é encantadora. Ele esteve com Ela na típica casa de Jesus Nazareno.

O destaque dessa peregrinação de Paulo, que tanto fugiu do amor humano, considerado “muito feio” desde que nasceu pela própria mãe, assustava as pessoas por sua forma austera, nos mostra a infinita harmonia e beleza que exprime em um dos poemas mais sublimes que já li, encontrado na Carta de “Saul de Tarshish” aos Coríntios, capítulo 12. O apóstolo dos gentios, apesar de judeu e romano, rejeitado pelos seus, tornou-se o apóstolo das gentes. E nós que somos gentes, recebemos o legado desse belo poema, a nos fazer aprender a todo tempo sobre o Amor:

Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse Amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse Amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tivesse Amor, nada disso me aproveitaria. O Amor é paciente, é benigno; o Amor não é invejoso, não trata com leviandade, não se ensoberbece, não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal, não folga com a injustiça, mas folga com a verdade. Tudo tolera, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O Amor nunca falha. Havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; porque, em parte conhecemos, e em parte profetizamos; mas quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado. Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino. Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; mas o maior destes é o Amor.

A beleza é harmonia. E quando a beleza humana exterior exprime a harmonia interior do ser humano, resplandece com mais intensidade... Paula amava a todos.

Nunca se casou, teve um único envolvimento amoroso na adolescência com uma bela moça, no caminho de seus estudos, era escrava e dela nasceu seu único filho, fato conhecido e por acaso somente na juventude do filho e adotado após vinte anos de nascido, porém, faleceu amando o Messias com sua esposa e filhos, netos que Saul não chegou a conhecer. Paulo foi também amado por outra bela mulher, que desse amor abriu mão para que Saul seguisse o seu caminho. Admirava o amor de sua irmã por seus filhos e depois de morta, reconheceu o amor de sua própria mãe. As mulheres moravam em casas separadas dos homens e serviam aos maridos naquela época, mas, muitas delas eram sábias e orientavam esses maridos ao Messias com palavras certas, amenas e bem temperadas. Mesmo as mulheres dos nobres romanos. Saul descobria aos poucos a força do amor e na fé das mulheres que o aqueceu por tempos sombrios, porém, divinamente humanos.

O poema do amor ganhou muito mais significado após ler a história de Saul de Tarshish reafirmando ainda mais o encantamento por Lucano, leitura da adolescência. Já havia lido outras duas versões de Paulo de Tarso.

Amamos de forma tal que buscamos expressões para significar o que o belo faz em nós, muitas vezes sem perceber o inefável que tempera nossos atos. Ali em Paulo, particularmente, redescobri o fenômeno que nos faz sentir gente em meio às tempestades da vida e no deserto de muitos corações, a luz que reencanta e transforma nosso olhar. Perspectivas despontam e se redefinem nas páginas que nos faltam trilhar, escrever, incluir ou reeditar em nossas releituras, rolagens reinventadas, navegações históricas, peregrinações tecnológicas, bricolagens complexas, escrituras humanas e abraços transcendentais nas teias da Vida que nos enredam, nos acolhem e sublimam.

Muita paz e Amor a todos nós!


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Imagem 2: http://www.techs.com.br/meimei/paulo%20de%20tarso/paulo.htm
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Imagem 4: http://www.arautos.org/artigo/19189/Sao-Paulo--o-gigante-da-Fe.html

5 comentários:

  1. O mundo está muito carente desse sentimento: amor
    ao próximo. Apesar disso, somos seres em evolução e caminhamos a passos lentos para a perfeição. Tenho fé de chegaremos lá, apesar de que muito do vemos nos faça pensar o contrário.

    Belo texto, Maria!

    Muito amor e paz pra ti e todos que passam por aqui.

    Abraços

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  2. Maria, que bela história nos (re) lembra, em detalhes que conhecia tão pouco ou mesmo nunca suspeitei. Fiquei com vontade de conhecer mais... beijos querida,

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  3. Ei, Maria

    Ficaram faltando algumas palavras no comentário acima, mas acho que dá pra entender...rs
    É o que acontece toda vez que estou com o computador no colo e o Marley fica me chantageando porque está na hora do passeio.

    Bja

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  4. Max,
    meu querido amigo virtual,

    É a nova versão da amizade! Como seria se tudo daquela época acontecesse hoje, difícil pensar, tudo adveio de lá... A mídia estaria na cobertura, 24 horas e mais um pouco. Como seria essa magia, o sagrado, o ceticismo, os pontos, a ressurreição... Episódios exaustivamente reeditados e com efeitos especiais...
    Apesar de toda a parafernália, avanços tecnológicos etecetera e tal, encontramos no ambiente da rede bons motivos para celebrar as amizades e o Amor, redescobrindo o que Paulo nos legou.

    Alimente o seu olhar sempre com o que de mais belo reserva de suas aprendências pela Vida. Merecemos ser sempre felizes pelo Sublime Amor que nos envolve. O amor e a paz nos envolverá sempre desde que nosso olhar perceba a beleza que transita entre nós.

    Aprendemos nestas trocas verdadeiras e intensas.
    Renovados abraços!

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  5. Max,
    Os erros são tentativas de acerto, e por aqui são sempre construtivos, e ainda mais, quando por perto temos os nossos anjos de quatro patas, aqui por baixo trafegam dezesseis patinhas, rsrsrs! Se um chama para o passeio, imagina você esses daqui... Loucura!! Quantas emoções entrecruzadas!

    Adrianne!
    A leitura nos traz muita beleza indescritível mesmo, ainda mais quando vamos realizando nossos intertextos, encantos, seduções e licenças para recontar também por meio da semiótica. É preciso ler, imaginar, situar-se, colocar, recolocar, reinventar, sonhar, sair do campo real para além do imaginário, retornar e ressignificar. Compreender, dizer, dialogar, reeditar.

    O passado nos é tão presente, entretanto, após Taylor Caldwel, em dose dupla, revejo o que Benjamin nos diz e me inquieta: "a arte de narrar está definhando porque a sabedoria - o lado épico da verdade - está em extinção". Por que será o alarme?

    Muito bom vocês por aqui sempre me renovando!
    Outros beijos!
    Maria do Rocio

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