sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Detalhes representativos: a ponte imaginária de Terabítia

Guiada pela “educação do sensível” aprendi a observar o “concreto multidimensional” nos desenhos das crianças. É o que me encanta. Embebo daí através da sensibilidade delas e por elas a necessidade de traduzir o termo “tocar”, de Montagu, enquanto significado humano de pele, (1988, p.14), para quem “humanizar-se é viver aprendendo e sendo cada vez mais gentilmente amoroso”. Este termo neste caso faz o contraponto com as discussões sobre o bullying que estão sendo processadas no interior das trinta e três turmas e suas representações sociais de nossa pesquisa. Lugar este que nos mostra uma significativa parcela, apesar de pequena - mas não tão -, tomada de setecentos e sessenta crianças e jovens, que elege como solução ao problema da violência: a repreensão acima da educação. Por que a desesperança?

Nada mais humanizado do que trazer por aqui, nessa urgência, alguns detalhes para nos ajudar a cavar o desejo, ou nos reeducar o olhar ao reler a amorosidade das crianças - apartadas algumas ainda, mas redescobertas pela forma como marcam e enxergam as coisas do seu mundo e do mundo que nós adultos queremos que ela sobremaneira expresse, mexendo no entremeio desses mundos que se atravessam e podem se encontrar.

A neurose do mundo sobre a aprendizagem da escrita das crianças não nos deixa perceber o como se aprende a ler e a escrever. E o quanto isto tem de maravilhoso e nada comum. As convenções e estereótipos nos fizeram pessoas sem rosto, voz, gesto, estilo próprio ou traço singular. Desenhar é sempre uma reinvenção do visto, sentido, significado. Lá no passado temíamos errar, imitávamos e nos acomodamos a copiar para sermos aceitos, aprovados, estimados.

Fomos, enquanto brasileiros massificados, ensinados a fazer desenhos iguais, a dançar o mesmo ritmo, a ter medo da careta do boi da cara preta, do lobo mau, a atirar o pau no gato, de ser pobre de marré de si, de ir preso pro quartel, a ler e a escrever sob lousas cheias, com braços e mãos doloridos de copiar e responder o óbvio, sem sequer termos coragem de questionar. Papagaiávamos nossas lições. Que destino a infância nos traçava, mas cantávamos encantados, desenhávamos maravilhados, copiávamos e fazíamos o nosso dever. E o direito de ser criança? Nesta ironia esquecemos de olhar as realidades dos números. A escola era para poucos.

Tocar na produção do aluno, ver com os nossos olhos de adulto o que uma criança diz em linguagem própria. Seus pensamentos, dúvidas, certezas e desejos. Assim é aprender a tocar na alma infantil que em nós também adormece, se esconde.

Para Montagu, o termo háptico é usado para descrever o sentido do tato em sua extensão mental, desencadeada diante da experiência total de se viver e agir no espaço. Assim buscamos, na prática pedagógica de ler as linguagens dos desenhos, reconstituir os dizeres carregados de emoções e embalado por vivências. O que a textura da imagem ao lado nos diz?

O que consiste em estudar “a criança como uma realidade viva e total no conjunto de sua atividade, de seu comportamento e no conjunto de suas condições de existência” (Tran Thong, 1986, p.287). Este é o desafio que me coloco. Aprender a ler as escritas e suas representações múltiplas e ali enxergar marcas do saber e do não saber, do dito e não dito. Só podemos entender as atitudes da criança se entendermos a trama do ambiente no qual está inserida, aproximando-nos um pouquinho da forma de pensar de Wallon.

Para alunos do ensino fundamental o filme “A ponte para Terabítia”, mexe e remexe com as emoções de crianças de todas as idades, o enredo relaciona a realidade e imaginação vividas e interpretadas por duas crianças que cursam o sexto ano de uma escola pública norte-americana. Fala de medos, das dificuldades, dos conflitos “naturais”, de sonhos e encantos, sentimentos e alegrias de uma fase em que não se é mais criança, mas ainda não se é como os típicos alunos maiores do nono ano. O fabuloso acontece em um território demarcado pelos protagonistas, onde a imaginação ressurge, e o mote é “feche os olhos e deixe a mente bem aberta”, para que a magia aconteça, entretanto, quando pisam fora deste lugar encaram a dura realidade e sofrem as situações de Bullying na escola ou dificuldades nas cotidianidades familiares.

Quero falar aqui, e em outra postagem próxima, sobre o poder criador que as crianças apresentam ao dar ênfase aos detalhes. É o que me encanta na leitura de suas representações e isto me ajuda a reler o contexto dessas absorções. O que lhes chama a atenção é muito diferente da forma como pensamos ensinar ou do que pensávamos destacar como principal. A chave é a de qual tamanho mesmo? O principal significado delas e como podemos recriar o enredo a partir de seus saberes - é a jogada importante dessa aprendizagem de leitura. Ver nesses detalhes o fio de Ariadne reencanta o olhar. O ideal é retornar à turma e ler com elas as diferentes interpretações que alguns detalhes podem lhes ou nos causar. E não nos espantarmos com novos olhares que deles se desencadeiam e inclusive bem diferentes da matriz. O autor pode nos mostrar outro caminho. E rirmos para valer e a partir do sentido com eles. Talvez ressignificando as lágrimas.

Ali, nos detalhes, reaprendi os saberes da HQ em curso de extensão de quadrinhos e cinema na Universidade da Amazônia (Unama), trago aqui o cuidado de observar o plano da composição da obra quadrinística - cuja interface acontece pedagogicamente após a leitura de um filme:

- o enquadre panorâmico: visão geral e distanciada da paisagem
“Xixi de graça” - Ingrid, 16 anos

- conjunto: personagens dos pés à cabeça 
Jess empurrando sua irmã que lhe despertou do sonho com Leslie - Sarah, 9 anos

- americano: revela personagens até a altura das coxas, joelhos
Revide de Jess no aluno que vivia lhe atormentando - Cléia, 29 anos (EJA)










- o enquadre médio: personagens surgem até a cintura
[não consegui ainda uma representação]

- primeiro plano (close up): permite ver a personagem ao nível dos ombros, com melhor visualização do rosto.
A professora, o amor platônico de Jess - Éderson, 10 anos


- plano em grande detalhe (extreme close up): mostra um pormenor da imagem, revelando assim uma maior força expressiva.
A corda arrebentou - João, 10 anos







Pois bem, nas trilhas do fluxo escolar, vamos percebendo que fatores dinamogênicos dão asas à imaginação. Trago este termo aqui para fazer ponte com os conflitos propulsores do desenvolvimento, pois com Wallon concebo o erro como fator dinamogênico. Pois diante do significado (a exemplo da corda arrebentada) os conflitos internos e externos ecoam no estudo do desenvolvimento da criança e nos facilitam a comunicação, a mediação pedagógica. Dirige aos momentos de crises maior atenção. Pulsão criativa. E se essa ocupação for acompanhada pelo professor favorece e articula o conjunto das aprendizagens, pois, a pulsão criativa faz o estilo – a pessoa (persona) de seu problematizador – o criador, legítima autoria. A agressividade tem energia criativa. A linguagem interage. A atitude transforma o objeto. O diálogo aproxima. A criação une. As pessoas redescobrem o sorriso.

Há um grande parentesco entre o artista e o cientista. O cientista tem necessidade de mais imaginação do que costuma-se supor. Ele precisa remanejar a realidade para compreendê-la. O artista precisa desarticulá-la para reafirmá-la à sua maneira (WALLON, 1968 apud GALVÃO, 1995, p.20).

O professor e a criança. O professor e o jovem. O artista e o cientista. Quem é quem?

Referências
BASTOS, A. B. I. A construção da pessoa em Wallon e a constituição do sujeito em Lacan. Petrópolis: Vozes, 2003.
GALVÃO, I. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 1995.
MAHONEY; ALMEIDA, L. R. A constituição da pessoa na proposta de Henri Wallon. São Paulo: Loyola, 2004.
MONTAGU, A. Tocar: o significado humano de pele. 6 ed. São Paulo: Summus Editorial, 1988. (Novas buscas em psicoterapia).
TRAN-THONG. Estádios e conceito de estádio de desenvolvimento da criança na psicologia contemporânea. Porto: Afrontamento, 1981.
WALLON, H. As origens do caráter na criança. São Paulo: Nova Alexandrina, 1995.


Imagem 1: Marlenson, 12 anos
Imagem 2: Felipe, 13 anos

4 comentários:

  1. Interessante!
    Abraços

    http://katiarumbelsperger.blogspot.com

    ResponderExcluir
  2. Olá Kátia!

    De psicopedagoga para psicopedagoga...

    É muito bom tê-la por aqui estarei por lá também para trocarmos experiências mediadoras.

    Abraços!

    ResponderExcluir
  3. Muito Bom seu blog , pois irei entrar aqui sempre e seguirei seu blog pois me deixou muito feliz com oque você postou parabéns .

    http://meumundoterabitia.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  4. Olá, amigo, seja muito bem-vindo, bom saber que de alguma forma contribui com seus sorrisos de hoje. Vou visitá-lo também!

    ResponderExcluir