sábado, 28 de fevereiro de 2009

Mangá no meio digital?


Relação entre o texto impresso e o hipertexto

As diferenças no nível de compreensão e de aprendizagem do estudo de um documento apresentado em formato eletrônico em relação ao texto impresso em papel estão na forma linear como o estudo tradicionalmente é trabalhado, ou na vanguarda da forma não-linear.

Penso que os estudos da neurociência podem auxiliar aprendentes entre aprendentes, a se conhecerem melhor como pessoas, a administrar seu aprendizado e construírem seu modelo de compreensão. Segundo Shank (apud Poersch, 2003), “o pensamento atual da neurofisiologia afirma que as mudanças do cérebro, que correspondem à aprendizagem, ocorrem nas sinapses que ligam os neurônios”. Os ambientes educacionais, hipermídias ou não, têm implicações diretas nas atividades e estilos de aprendizagem – não é o que a pessoa aprende e sim o modo como ela se comporta durante o aprendizado, como ela recebe e processa informações. As inteligências múltiplas constituem as habilidades que podemos utilizar para aprender e realizar nossos objetivos. Há uma estreita relação entre estilos de aprendizagem e inteligências múltiplas – favorecidos ainda mais quando se oferta pedagogicamente uma boa variedade de abordagens.

Em nossa individualidade tentamos compreender o mundo de múltiplos significados que há por trás de nossos pensamentos, vivências, representações e conceitos. As quatro entradas do desenvolvimento: filogênese, ontogênese, sociogênese e microgênese definem um perfil. O que interpretamos, através de nossa competência leitora, são as nossas aprendizagens. A atenção voluntária, o pensamento abstrato, a capacidade de planejamento, os desejos, a imaginação nos permitem elaborar conhecimentos, produzir sentidos e aplicá-los. Aprendemos e desenvolvemos.

Um texto aberto, cooperativo, com fins educativos, consequentemente, facilita a formação de sujeitos mais críticos, autônomos e abertos à aprendizagem permanente ao longo de sua jornada. A aprendizagem cooperativa torna-se mais motivante que a aprendizagem individualista e competitiva. As tarefas criativas são mais motivadoras que as repetitivas; a elaboração significativa das tarefas escolares gera motivação intrínseca. Um hipertexto facilita diferentes conexões.

O indivíduo produz conhecimentos simples ou complexos por traços mínimos, fragmentados, difusos e distribuídos na rede neuronal. As representações cerebrais, imagens visuais ou esquemas cerebrais são como um esqueleto significativo formado e transformado a partir da visão e experiência leitora de mundo e suas associações. Processos de abstração e generalização organizam o mundo real pela utilização da linguagem humana que torna a experiência bem mais significativa.

Mais do que uma integração do indivíduo ao ambiente, o texto em formato eletrônico – o hipertexto – propõe uma relação profunda e interdependente entre o indivíduo e o ambiente. O sucesso na compreensão leitora se dá através da formação significativa de esquemas cerebrais.

Os textos tradicionais são como linguagens limitadas, nas quais todas as partes são conhecidas, porém não o potencial de suas combinações, cuja complexidade é experimentada pelo leitor nas malhas do hipertexto. Já o leitor tradicional assume um papel na aquisição passiva, através de modelos textuais linearmente organizados. O autor estabelece uma organização coerente e seqüencial de apresentação de idéias e dos conteúdos que os leitores irão seguir.

O principal meio para a construção da compreensão leitora é dar vazão às representações do leitor para assim conquistar parcerias, cuja interação profunda articula-se à rede colaborativa com outros leitores multimídias, e juntos fazem emergir novos sentidos, tornam-se co-autores.

Alheio ao sistema de representação multimodal que é profundamente plástico, o leitor de texto impresso tradicionalmente desenvolve a construção do seu próprio modelo de compreensão a partir da leitura, diferentemente, de como faz o leitor de hipertextos. O hipertexto traz a face multimodal quando envolve combinações de texto, links, processamento de imagem, fala, gestos etc., capaz de estimular diferentes modalidades sensoriais (visão, audição, tato e sensações proprioceptivas).

O leitor ao aprender a lidar com os hipertextos, pode aproveitar todo seu potencial cognitivo, interativo e multimodal, como recurso pedagógico, meio de comunicação e de divulgação de conhecimento, de forma a melhor comunicar a sua linguagem e compreender a re-ligação dos outros leitores e co-autores.

A multisemiose – presença de diferentes aportes sígnicos numa mesma superfície de leitura – “caracteriza-se pela possibilidade de o hipertexto interconectar, simultaneamente, a linguagem verbal com a não-verbal (musical, cinematográfica, visual e gestual) de forma integrativa, impossível no caso do livro impresso” (Bolter apud Ramal, 1991, p. 27); assim, promove o acesso à informação, facilita a compreensão, agiliza a ação, valoriza o processo lúdico e re-organiza o percurso na rede. Essa interatividade motiva a co-autoria, pois, o autor que valoriza ainda a intertextualidade mobiliza o leitor à performance das autorias, facilitando a criação de uma opinião nova, transversal, dialética e dialógica. Discutem os possíveis e os prováveis.

A democratização leitora facilita a produção de sentidos, o despojar da fluência escrita ressignifica a aprendizagem. O exercício do hipertexto, com característica multimodal, possibilita o aumento da percepção, o poder criador e ajuda o leitor – o aluno – a ligar as informações anteriores – sua memória, a procurar informação relevante que suscita, indica caminhos, a pensar acerca do seu próprio pensamento, situado, de crenças, valores, desejos e mudanças – a recombinar motivos e temas nas mais diferentes conexões.

Segundo Barthes (2004, p. 69), “um texto é um tecido de citações, saídas dos mil focos da cultura”. Nessa interface, considero Monteiro Lobato muito contemporâneo e midiático, atualizava o texto ao gosto do momento, pela forma como combinava personagens das fábulas, do folclore brasileiro, de contos de fadas em um só texto, justificando ainda que gostaria de fazer livro onde as crianças pudessem morar dentro. No contexto de 1936, Lobato já percebia a importância do cinema em seus textos, e desta forma a boneca Emília começa a inventar coisas que nunca aconteceram na vida dela, sonha em ser estrela nos estúdios da Paramount, no papel da encantadora Shirley Temple, a mais famosa menina prodígio de Hollywood, dos anos 30 e 40. Lobato também fez com que o menino Pedrinho lutasse com o marinheiro Popeye, das histórias em quadrinhos. Assim, a genialidade de Lobato consegue articular a dialética entre o mundo de ficção do Sítio do Picapau Amarelo e o mundo real. Desafia a censura da época. Informações históricas e discussões sobre problemas sociais, políticos ou culturais, do Brasil e do exterior também permeiam toda a sua obra infantil. Trabalha o lúdico através do texto crítico, suave, idílico, irreverente.

A literatura infantil aos moldes lobatiano, pode ser caracterizada como uma viagem por trilhas, como nós que formam redes, assim podem surtir bons efeitos na produção de novos outros sentidos dos pequenos leitores da educação infantil e das séries iniciais. O hipertexto acontece e se remexe através da leitura multimodal emergente, fascinando o pequeno e grande leitor, co-autor, parceiro de tantos outros sentidos, que nos faz aprendente entre aprendentes. A história em quadrinhos pode ser feita a muitas mãos, através de diálogos, colagens, desenhos das crianças, balões diversos, enquadramento do estilo mangá, porém, na releitura de Maurício de Sousa, que pode ser visto na atual HQ da turma da Mônica, jovem.
Visconde de Sabugosa
feito por Célia Maria, aluna de Literatura Infantil
do Curso de Pedagogia da FACI.
O significado do mangá engloba tanto os quadrinhos de livros quanto os desenhos animados, dá mais dinamismo a essas animações, ressignificando limites regulares do modelo ocidental. Assim essa mídia em quadrinhos consegue se fazer interativa, um personagem retoca limites, e mantém a coerência. Os quadrinhos são irregulares e cheios de emoção - incorporada através das onomatopéias que fazem parte do cenário, assim exigem de nós seres aprendentes pensamentos complexos.

As interfaces ampliam os processos criativos, as possibilidades do pensamento e da linguagem. O texto redistribui a língua. As co-autorias ressignificam os sujeitos atores-autores. Uma das vias dessa reconstrução é a de permutar textos, fragmentos, teias - que existiram ou existem ao redor de um texto e, por fim, dentro dele mesmo; segundo Barthes (2004, p.59) "todo texto é um intertexto, outros textos estão presentes nele, em níveis variáveis, sob formas mais ou menos reconhecíveis" .

Referências
BARTHES, Roland. O prazer do texto. 4 ed. São Paulo: Perspectiva, 2004.
POERSCH, José Marcelino. A configuração neuronial na compreensão leitora. Letras de Hoje, Porto Alegre, v.36, n.3, p.401-407, set.2001/2003.
RAMAL, Andréa Cecília. Educação na cybercultura: hipertextualidade, leitura, escrita e aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2002.

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