terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

EJA: práxis que se sonha junto


Alunos e Professores: vamos reencantar a educação?

Polegares coloridos, suas identidades e interações sobre um caracol desenhado a lápis - é a interpretação abstraída de um grupo de professores acerca de conceitos sobre integração e interdisciplinaridade. O movimento das aprendizagens ocorreu em uma das formações continuadas em janeiro de 2008 na escola. (imagem acima)

A realidade desafiadora chama o saber sensível.

Ao re-olhar a realidade da escola através de uma pesquisa que também comecei na escola em 2006, com alunos da EJA (Educação de Jovens e Adultos), percebo que não é muito diferente das demais escolas paraenses que ofertam essa modalidade de ensino à sua comunidade. Também sei que existem números mais terríveis do que esses que me incomodam, escandalizam e me desafiam.

Agora neste momento de transição entre anos letivos 2009-2010, novamente nos deparamos com os tristes números dessa modalidade aqui na escola... Precisamos liberar nosso grito primal e o dos alunos suprimidos nos bancos escolares ou misturados na composição mineralógica dos grãos de areia da praia de Caratateua, para que nos inspiremos a mudar essa realidade, preparando nosso corpo, sede de emoções, afetos e pensamentos, e a nos permitir reconstruir o conhecimento e a ressignificar as relações cotidianas com a vida.

Não gosto de ler os números somente de forma quantitativa, mas qualitativa. Fui adentrando as categorias dos números, e bem logo que recebi da coordenadora do noturno os números de rendimento e movimento escolar.

Trago para vocês a amostra de uma turma de 3a. etapa (5a. e 6a. série ou 6o. e 7o. ano do Ensino Fundamental), procurando transformar os números com mais identidade possível, para que possamos proceder melhor análise e aperfeiçoar os projetos pedagógicos dos professores com suas turmas referências.

Matrícula inicial: 45 alunos (23 M / 22 F)
Matrícula final: 17 alunos (09 M / 08 F)

09 progredidos (05 M / 04 F) - (faixa etária de A a C)
08 retidos (04 M / 04 F) - (faixa etária de A a E)
01 reclassificado (01 M) - (faixa etária - A)
07 cancelados (02 M / 05 F) - (faixa etária de A a E)
03 transferidos (01 aluno / 02 F) - (faixa etária - A)
01 abandono (01 M) - (faixa etária - B)
16 desistentes (09 M / 07 F) - (faixa etária de A a D)

Faixa etária varia de 15 a 55 anos (1994-1954), sendo que:
(A) 15 a 19 anos = 22 alunos (13 M / 9 F)
(B) 20 a 26 anos = 07 alunos (5 M / 2 F)
(C) 30 a 39 anos = 08 alunos (3 M / 5 F)
(D) 42 a 49 anos = 06 alunos (2 M / 4 F)
(E) 53 a 55 anos = 02 alunos (2 F)

Diante dos fatos numéricos, tomei como referência os números de 2006. Ano que cheguei na escola ao final do primeiro semestre. Ao final desse ano letivo li parecer por parecer de cada professor e sua turma referência, aluno por aluno, e fiz um resumo de cada parecer docente, aluno por aluno. O ciclo que mais reteve alunos naquele ano também que não fugiu aos parâmetros paraenses, foi o terceiro, ou seja, equivalente hoje ao 6o. e 7o. anos, ou ainda, 5a. e 6a. séries. Matrícula inicial 237 alunos, lotados em 7 turmas, em média com 34 alunos. Resultado: 131 progredidos (55%), 87 retidos (37%), 19 movimentos de saídas (8%). A faixa etária da turma variava de 10 anos a 17 anos.


Na escola havia poucos professores concursados emprestados das escolas municipais de Belém, inclusive eu mesma, atuando como coordenadora geral. E em igual número de professores contratados ou bem menos de prestadores de serviços. Com os números levantados, em 2007, resolvi apresentá-los à Presidente da Fundação Escola Bosque para respaldar argumentos que gerassem a promoção de concurso específico para lá e garantisse a autonomia na rede municipal. Melhorar o ensino diminuindo a rotatividade de professores a cada ano letivo foi um dos princípios norteadores.

Hoje encontrei quinze alunos de 2006, que estavam no Ciclo III (5a. e 6a. série), que fazem parte desses tristes números da EJA, em 2009. Entre os progredidos? Infelizmente não. Tomo como estudo cinco alunos dos quinze (1/3) para exemplificar o problema, pois, escarafuncho os números para ver o tamanho do problema.

Quatro deles continuam na mesma série, com os seguintes históricos:
a) I. L. M., masculino, 20 anos: RETIDO, em 2006, no Ciclo III - 2o. ano; RETIDO, em 2007, no Ciclo III - 2o. ano; ABANDONO, em 2008, na EJA - 3a. etapa; ABANDONO, em 2009, na EJA - 3a. etapa.
b) I. O. O., masculino, 18 anos: DESISTENTE, em 2006, no Ciclo III - 2o. ano; RETIDO, em 2007, no Ciclo III - 2o. ano; RETIDO, em 2008, na EJA - 3a. etapa; DESISTENTE, em 2009, na EJA - 3a. etapa.
c) J. R. C. S. J., masculino, 18 anos: RETIDO, em 2006, no Ciclo III - 2o. ano; RETIDO, em 2007, na EJA - 3a. etapa; RETIDO, em 2008, na EJA - 3a. etapa; DESISTENTE, em (agosto) 2009, na EJA - 3a. etapa.
d) N. C. G. V., feminino, 17 anos: RETIDA, em 2006, no Ciclo III - 2o. ano; RETIDA, em 2007, no Ciclo III - 2o. ano; RETIDA, em 2008, no Ciclo III - 2o. ano; DESISTENTE, em (março)2009, na EJA - 3a. etapa.

O quinto aluno apresenta uma pequena diferença, com uma progressão no período 2006-2009 entre três insucessos:
e) P. S. D., feminino, 18 anos: RETIDA, em 2006, no Ciclo III - 2o. ano; PROGREDIDA, em 2007, na EJA - 3a. etapa; RETIDA, em 2008, na EJA - 3a. etapa; RETIDA, em 2009, na EJA - 3a. etapa.

Quais são as perguntas que nos fazemos? Que sentimentos despertam ao ler esses números? Qual é a nossa responsabilidade nesse contexto?

Trago aqui para nossa reflexão, as palavras de Morin (1996), devido que o processo avaliativo acarreta consequências importantes na vida de cada pessoa, porém, precisamos estar alertas por que: "se quisermos julgar qualquer coisa, a nossa sociedade ou uma sociedade exterior, a maneira mais ingênua de o fazer é crer (pensar) que temos o ponto de vista verdadeiro e objetivo da sociedade porque ignoramos que a sociedade está em nós e ignoramos que somos uma pequena parte da sociedade que não pode situar-se do ponto de vista dominador para julgar a sociedade. É uma lição de prudência de método e de modéstia que nos dá esta concepção de pensamento".


E os "meninos" e as "meninas" como estarão em 2010? Voltarão para a escola? Se voltarem, por qual motivo o farão? Quais são suas expectativas? E as perspectivas? O que desejam? O que sonham? Quais são as suas dificuldades? Quais as resistências? O que pensam da escola? O que esperam dos professores? O que pensam dos conteúdos estudados? A que buscam?

E a nós, quais perguntas podem nortear os projetos? Qual é a situação-problema envolta? Não podemos propor nada sem antes ouvi-los. Pelo menos os quinze. Mas, a minha ambição, o meu desafio é sentar com cada aluno, primeiro da EJA, e diante de seus números ouvir sua história para ajudar melhor os professores a repensar seus projetos pedagógicos, seus conceitos de avaliação, sobre princípios norteadores... Sobre o que a escola pode fazer, sobre seus limites, fronteiras, negociações e possibilidades.

Precisamos aprender a sonhar e a exercitar esses sonhos em nossos projetos pedagógicos. Entretanto, não podemos nos debater em cima de números sem o tal escarafunchar, até porque, no caso dos quinze alunos, houve dois insucessos com professores não concursados pela escola (2006-2007) e dois insucessos com professores recém-concursados (2008-2009). E daí o que se depreende? Lacunas na nossa formação? Problemas com o sistema de ensino? Quem faz parte dele? Com a comunidade? A pobreza? A marginalidade? A falta de políticas públicas? Quem vence o sistema engessador? O que está sendo contraprodutivo?

Como se dá o diálogo do professor com o aluno? Quantos professores circulam em cada turma? Como os alunos percebem a interdisciplinaridade? O que pensam a respeito? O que fala o projeto da escola? O que se desenvolve em sala de aula? Quais são as linguagens e os discursos vivenciados? Que conteúdos circulam e transversalizam?

Há muitas interrogações e esse momento é para chamar atenção e provocar a produção de projetos exequíveis, cuja temática traduza a situação problema, da problemática surgem os objetivos, destes o desenho curricular dialogado através das metodologias e formas de acompanhamento contínuo das aprendizagens e seus nós críticos, alternativas surgem na metodologia, sua capacidade flexível de ponderar e articular um cronograma e sua revisão. Precisamos ter clareza que um projeto é um caminho e no caminhar alguns ajustes se tornam importantes, inclusive com a participação dos alunos a afinizar as interdependências. Só aprende quem se dispõe a ouvir o outro, com humildade e sabedoria, pondo-se a dialogar e a acreditar no protagonismo dessas aprendências. O conhecimento aperfeiçoa-se no diálogo permanente com a cultura.

E sejamos todos felizes!


Para complementar, deixo por aqui atrelado um trecho de "Prelúdio", música de autoria de Raul Seixas: "Sonho que se sonha só; É só um sonho que se sonha só; Mas sonho que se sonha junto é realidade". Mas, se quiser ouvi-lo é só assistir ao vídeo abaixo.










Há muito mais dentre saberes, desejos, expectativas e trilhas na escola…
"A lógica, a filosofia, a ciência, os triunfos do intelecto humano permitem ao homem modelar instrumentos para modificar o seu ambiente e inventar sistemas persuasivos dos padrões de pensamento que explicam o universo aparente, mas quanto mais sua percepção se aguça mais a ignorância do homem se intensifica, até o verdadeiro sábio não saber nada" (Drake, 1985).
- Na teia da vida, necessitamos um do outro.

Referências:
- DRAKE, W. Raymond. Deuses e astronautas no antigo oriente. São Paulo: Círculo do Livro, 1985.
- MACEDO. Lino de. Situação–problema: forma e recurso de avaliação, desenvolvimento de competências e aprendizagem escolar. In: PERRENOUD, Philippe; THURLER, Monica Gather (Org.). As competências para ensinar no século XXI: a formação dos professores e o desafio da avaliação. Trad. Claudia Schilling; Fabiana Murad. Porto Alegre: Artmed, 2002. (p. 113-135).
- MORIN, Edgar. Política de civilização e problema mundial. Revista Famecos. n.5, novembro 1996, p. 7-13, Porto Alegre.

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