domingo, 11 de abril de 2010

Aspectos multimodais das representações infantis: imagens, palavras, sinais, toques e emoções


Uma criança consegue ao mesmo tempo saltitar, gritar, acenar, piscar e daí correr, tocar, pegar, rabiscar uma folha, voltar, conversar e retornar ao papel e continuar o traço. Enfim, o movimento está no registro desses ir e vir sob exuberâncias, cantos, registros na memória e no papel, momentos repletos de sentidos e significados.

O desenho acontece de forma espontânea, é movimento, é vida que se complementa em sequências, narra passagens, traduz emoções, provoca falas e (re)toques.
Dionisio (2004, p.8), diz em outras palavras, no espaço da escola e na função docente que “todo professor tem convicção de que imagens ajudam a aprendizagem, quer seja como recurso para prender a atenção dos alunos, quer seja como portador de informação complementar ao texto verbal”.

Quais imagens pululam junto com a criança em todo esse movimento? As das memórias no corpo, no olhar afetado, no toque dos muitos outros, nas falas, nos dizeres comunicados, nos muitos interlocutores que todos os seus gestos trazem, releituras afetivas. Aí estão as mídias, a cultura, as escritas, os sons, as distâncias, as perdas, os desejos. O amor. O abraço. A ausência. O encontro.

Por que a escola prioriza a palavra escrita e faz a criança abandonar a linguagem do desenho? Sistema simbólico de letras e números em vez das imagens visuais. É o currículo? A questão é cultural? A leitura de mundo, a partir da escola, reforça a idéia, na concepção atual, da supremacia do código escrito. Textos advêm de construções multimodais. Um texto multimodal nos habilita a ler através de recursos verbais (orais ou escritos) e recursos pictoriais (estáticos ou dinâmicos). Amplia possibilidades de leitura, pois, segundo Lemke (2002), textos e imagens nunca contam exatamente a mesma estória e nos levam forçosamente a uma análise mais crítica do que cada um poderia fazer isoladamente.

As meninas desenham mais as relações, os afetos, os cantos, as vestimentas, os enfeites, as histórias familiares, a beleza, a sedução, a fantasia, os aplausos, os objetos da casa, e na escola a experiência continua. Os meninos optam pelos motivos de ação, movimento e velocidade: as lutas, os deslocamentos, as corridas, os jogos (ênfase na bola e no futebol), veículos de rodas e aventuras, robôs, heróis ou vilões, explosões, batalhas, poder e conquista, morte e destruição, conflito e resolução. As meninas são mais bidimensionais, os meninos tridimensionais. Elas mais estáticas, os desenhos precisam ser olhados e sentidos; eles mais dinâmicos, os desenhos "batem" na superfície do papel, desenhos mais energéticos. O mundo dinâmico deles é mais fora do contexto doméstico. Algumas meninas tendem a sair desse lugar. As mães trabalham. Vozes submersas? Palavras mágicas, nas diferentes situações, podem acompanhar e a fala fluida submerge.

Há ainda como aliado as imagens da mídia na brincadeira tridimensional das crianças, televisão ou jogos de computadores ou videogames. As formas e os discursos trazem o perfil de um ou vários personagens.

Onde está a originalidade da criança? Talvez na narrativa e na releitura das imagens e suas outras memórias.

O desenho é só para apresentar cumprir tarefa, preencher lacunas ou traz/faz sentidos? Como não ser invasivo em suas representações, com a clássica pergunta: “o que é isso?”, como dialogar com a criança e desenhar com ela e não para ela? Muitas vezes, se afastar de mansinho enquanto uma criança desenha é mais respeitoso até encontrar o tom da comunicação.


Um sorvete estático, no ar... Não está derretendo? Que sorvete é esse? Hum, me deu vontade de chupar, mas, hoje não estou bem... Um carro parado? Pifou? Deu prego? Nossa, o que ele faz aí? Quantos desenhos estão sem movimento, vida... Os aspectos multimodais dão vida, continuidade, ideias seqüenciadas surgem. A mediação cuida de saber articular as intenções, respeitando limites, desafiando a continuidade, novos sentidos, novos traços, desembaraços. Estilo comics, HQ, balões, movimentos, perfis, diálogos, enredos, vínculos, recursos gráficos variados.

Os primeiros grafismos podem significar movimentos... O que é isso? Um risco na folha. Quem sabe o risco seja vento do guri que passou correndo. Ele não está na outra folha? Ou talvez bem no verso desta mesma folha escondidinho nalgum lugar? Assim o professor provoca a criança, imagina com ela sequências, ideias e possibilidades. Olha o rodopio da bailarina (movimentos circulares). Faz outros giros com o lápis enquanto declama a poesia “A bailarina” de Cecília Meireles... Ou, fala do drible do jogador enquanto canta “Bola de meia, Bola de gude”, de Milton Nascimento.

Desenhos de figuras? Escrita de palavras (ditado)? Não. Produção de textos e multimodais. As crianças aprendem em suas versões bi e tridimensionais, complemento de brincadeiras, jogos e movimentos. O desenho se move. A escrita fala. A narrativa percorre. Forças centrípetas e centrífugas mexem com os discursos de gêneros, com os diferentes gêneros discursivos, nas duas modalidades representativas no papel, a palavra e a imagem, advinda das diferentes situações vividas e imaginadas, desejadas e a descobrir.
Qual é o bom senso? Deixar a criança pensar, planejar e representar pelo desenho. O desenho não pode morrer pela supremacia que se dá à escrita com pouca atenção aos aspectos multimodais da comunicação. Faz-se necessário promover brincadeiras imaginativas e fluidas, explorando, desenvolvendo e representando experiências de aprendizagem com as crianças, ajudando-as a dar sentido ao mundo, à (re)construção de seus dizeres. Estar em sintonia com o seu/nosso tempo. É importante interrelacionar o gesto, a fala, a dança, o canto, o toque, o hiato, a brincadeira, o desenho e a escrita na comunicação das crianças, dos jovens e dos adultos.
Referências:
ANNING, Angela; RING, Kathy. Os significados dos desenhos de crianças. Porto Alegre: Artmed, 2009. DIONÍSIO, Angela. Gêneros multimodais e multiletramento. In: KARWOSKI, A. M.; GAYDECZKA, B.; BRITO, K. S. (Org.). Gêneros textuais, reflexões e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006.
LOWENFELD, Viktor. A criança e sua arte: um guia para os pais. 2 ed. São Paulo: Mestre Jou, 1977.
RODULFO, Ricardo. Desenhos fora do papel: da carícia à leitura-escrita na criança. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
Imagem 1: arquivo pessoal

2 comentários:

  1. Querida, resolvi soltar meus pensamentos por aí tbm. Dá uma passadinha lá: www.pedradosono.blogspot.com

    Bjinho! :)

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  2. belo post, minha querida amiga.
    Desenhos são muito importante, foi desta forma que se conseguiu chegar aos pais de um menino havia sido sequestrados nas Alagoas e levado para outro estado.
    FOI DESSE JEITO QUE EU OUVI DIZER... e MEU CADERNO DE POESIAS, deseja um dia de muito Sucesso e realizações plenas.
    Saudações Educacionais !

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